13/10/2024 - 11:24
A educação de cerca de 2,8 milhões de crianças na África Ocidental e Central está em risco devido a embates armados e atuação de grupos terroristas. A situação é particularmente crítica na Nigéria e em Camarões.Os conflitos armados em curso na África Ocidental e Central devastaram comunidades e deslocaram milhões de pessoas, interrompendo a educação de cerca de 2,8 milhões de crianças, de acordo com um relatório recente das Nações Unidas. Mais de 14 mil escolas nessas regiões foram fechadas até o segundo trimestre de 2024 – mil escolas a mais do que no ano anterior.
O número global de crianças fora da escola totaliza 250 milhões, de acordo com dados de 2023 da Unesco. A África Subsaariana é responsável por cerca de 30% de todas as crianças que não frequentam a escola em todo o mundo, e esse número está aumentando.
“O principal desafio que elas enfrentam não está relacionado à obtenção de educação, mas sim ao acesso às necessidades básicas de sobrevivência – alimentos, água e serviços médicos”, disse à DW Ibrahim Baba Shatambaya, professor de ciências políticas da Usmanu Danfodiyo University Sokoto, na Nigéria.
Além disso, há a questão da violência que afeta diretamente as escolas. “A educação está sob cerco na África Ocidental e Central. O direcionamento deliberado de escolas e a negação sistêmica da educação por causa do conflito é nada menos que uma catástrofe”, disse Hassane Hamadou, diretor regional do Conselho Norueguês de Refugiados.
Países como Nigéria, Camarões, Burkina Faso, Mali e República Democrática do Congo estão sofrendo o impacto dessa crise, onde escolas são repetidamente atacadas por grupos armados.
Devastação na Nigéria
A Nigéria, o país mais populoso da África, está enfrentando uma grave crise educacional. Mais de 15,2 milhões de crianças estão fora da escola, de acordo com a Unesco.
O problema afeta principalmente a parte norte do país, afetada pela insurgência da organização terrorista islâmica Boko Haram e pela crise de sequestros nas últimas décadas.
A disparidade regional é confirmada pelos números – as regiões noroeste e nordeste da Nigéria contam com 8 milhões e 5 milhões de crianças fora da escola, respectivamente, em comparação com a parte sul, onde 2,5 milhões estão fora das salas de aula.
“No caso do noroeste da Nigéria, os sequestros e outras formas de criminalidade tornaram essa parte do país instável”, disse Shatambaya.
As razões para a prevalência de conflitos nessas regiões são multifacetadas, explica Michael Ndimancho, analista político da Universidade de Douala, em Camarões.
“Quando você olha para países como Nigéria e Camarões, há muitas questões históricas em jogo”, afirmou, mencionando a atuação do Boko Haram. “E na África Ocidental e Central, você tem o problema das fronteiras, que não são apenas grandes, mas muito porosas.”
Para Shatambaya, há um problema de governança na Nigéria nos níveis local, estadual e federal. “Cada um desses atores tem interesse em gerenciar crises associadas a conflitos e outros males sociais, como o movimento forçado de pessoas”, disse.
Futuros destroçados
As regiões anglófonas de Camarões estão enfrentando uma situação semelhante.
De acordo com dados da ONU e da Unicef, mais de 700 mil crianças em 2021 e 855 mil em 2019 estavam fora da escola no noroeste e sudoeste do país, onde grupos separatistas armados têm como alvo as escolas.
“É bastante alarmante o fato de termos até 2,8 milhões de crianças fora da escola”, disse o ativista camaronês Biezel Mafor à DW. “Infelizmente, Camarões não ficou de fora dessa estatística e, com a crise em andamento, é muito triste que essas crianças vejam seus sonhos serem destruídos.”
Nos últimos anos, as regiões anglófonas do país estiveram envolvidas em um conflito separatista entre o governo camaronês e grupos separatistas ambazonianos (do sul de Camarões), assim como em lutas internas entre diferentes grupos. Centenas de milhares de pessoas foram deslocadas e milhares foram mortas.
Muitas crianças nessas regiões do país estão fora da escola há anos. Valentine Tameh, professor e sindicalista camaronês, alerta que a situação está piorando.
“Há desolação e desânimo ao ver crianças que estão simplesmente à deriva e não sabem o que a vida lhes reserva no futuro”, disse. “A infraestrutura das escolas foi completamente devastada. Muitas partes interessadas na educação estão sendo ameaçadas, sequestradas e até mortas.”
Estudantes como Angel Mbah estão entre aqueles cuja educação foi prejudicada pelo conflito armado em andamento em Camarões.
“Quando a crise começou, meus pais não estavam mais recebendo seus salários regularmente. Eles tiveram que fazer biscates para me mandar para a escola. Em 2019, tive que me mudar para a região do Litoral, mas muitas alunas que não tiveram essas oportunidades engravidaram, algumas com 11 e 12 anos de idade”, disse Mbah.
Consequências para toda uma geração
Os efeitos de longo prazo da falta de acesso à educação de milhões de crianças já são sentidos em todo o continente africano. Ndimancho adverte sobre as ramificações catastróficas desse cenário.
“Se você quiser destruir um país, simplesmente não dê uma caneta a uma criança”, disse à DW. “As crianças estão sendo transformadas em terroristas, e os efeitos já estão se manifestando por meio do subdesenvolvimento, do desemprego e da corrupção.”
De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, os esforços para enfrentar essa crise educacional em todo o continente têm sido inconsistentes. Embora organizações internacionais como as Nações Unidas tenham fornecido alguma ajuda, esses esforços não são suficientes.
“Esse problema só será resolvido pelos africanos”, disse Ndimancho. Ele critica o papel das organizações internacionais, argumentando que as intervenções externas vão muito aquém dos conflitos, que continuam a crescer.
Shatambaya concorda com esse sentimento e observa que, embora as organizações internacionais tenham fornecido apoio, a responsabilidade de fato é dos governos locais.
“O governo deve elaborar um plano claro para atingir essas pessoas deslocadas (…) para suprir suas necessidades imediatas em termos de alimentos, abrigo, roupas, saneamento e serviços de saúde”, disse à DW.
Necessidade de ação ampla
Por trás das estatísticas estão vidas de crianças cujo futuro está sendo turvado pelos conflitos. Para alguns alunos, como Nyianchi Leondel, estudante da região anglófona de Camarões, que consegue assistir às aulas, o conflito cria condições que não favorecem o aprendizado eficaz.
“Quando estávamos fazendo nosso exame oficial, o GCE, havia guardas militares por toda parte. Ouvíamos tiros. Um dia depois de fazermos o exame, eles queimaram nossa escola”, disse à DW.
A devastação é generalizada e, sem ação imediata, uma geração inteira corre o risco de se perder para a violência, a pobreza e a falta de oportunidades.