Pacote concede a presidente superpoderes perante o Legislativo, flexibiliza direitos trabalhistas e abre caminho para privatizações. Texto segue agora para sanção presidencial.Em vitória do governo de Javier Milei, o Congresso da Argentina aprovou na madrugada desta sexta-feira (28/06) uma versão ligeiramente desidratada do polêmico pacote de reformas econômicas proposto pelo presidente, empossado no cargo há pouco mais de seis meses. Agora, o texto segue para sanção presidencial.

Com isso, Milei poderá governar por meio de decretos pelo prazo de um ano em assuntos de administração, economia, finanças e energia, sem necessitar do aval do Congresso. A medida também prevê 30 anos de incentivos fiscais a grandes investidores, flexibiliza direitos trabalhistas – autorizando, por exemplo, a demissão de funcionários que participem de protestos – e abre caminho para a privatização de uma dezena de empresas públicas, dentre outros pontos.

Na Câmara, a proposta contendo as modificações do Senado à chamada “Lei de Bases” foi aprovada após 12 horas de deliberação por 148 votos a 107. Os deputados, porém, mantiveram a versão original do pacote de reformas fiscais, que reduz o teto de isenção do imposto de renda.

“Vamos dar ao governo do presidente Milei as ferramentas para que possa reformar o Estado de uma vez por todas”, discursou o chefe do bloco governista na Câmara, Gabriel Bornoroni.

O governo também celebrou a aprovação do pacote, dizendo que ele põe o país no caminho da liberdade e prosperidade.

Lei encolheu dos originais 600 artigos para 238

Originalmente, a “Lei de Bases” continha mais de 600 artigos, posteriormente reduzidos a 238, com modificações do Senado.

Até duas semanas atrás, o projeto motivou diversos protestos nas ruas da Argentina. Desta vez, porém, a aprovação na Câmara transcorreu sem manifestações contrárias significativas.

Como parte da negociação que viabilizou a aprovação do pacote no Congresso, o governo retirou da lista de privatizações a companhia aérea Aerolíneas Argentinas, a empresa de serviço postal Correo Argentino e a Radio y Televisión Argentina (RTA), que controla a TV Pública e a Rádio Nacional.

Milei também abriu mão de uma reforma no sistema previdenciário que acabaria uma medida que beneficia aqueles que, ao chegarem à idade de aposentadoria, não conseguem comprovar o mínimo necessário de 30 anos de contribuições. Em um país com quase metade dos trabalhadores na informalidade, a medida impactaria muitas pessoas.

Resultados controversos

Outrora rica, a economia Argentina pena sob um aparato estatal inchado, baixa produtividade industrial e uma grande economia informal que compromete a capacidade de arrecadação do Estado.

Ao assumir, Milei, que herdou uma inflação de três dígitos e reservas líquidas negativas de moeda estrangeira, prometeu submeter o país a um programa radical de austeridade – do qual o pacote aprovado nesta sexta era parte essencial. Ele também desvalorizou o peso argentino e promoveu cortes drásticos nos gastos públicos.

Como resultado, o orçamento do Estado argentino está equilibrado pela primeira vez em muito tempo e a inflação desacelerou, embora em maio ela ainda tenha sido de 280% no acumulado dos últimos 12 meses. Por outro lado, especialistas questionam a sustentabilidade das medidas, o PIB despencou 5,1% no primeiro trimestre deste ano e, segundo a Universidade Católica Argentina, a quantidade de argentinos vivendo na pobreza chegou a 55,5%.

“Agora acabam as desculpas”

Na avaliação do analista Carlos Germano, apesar da vitória no Congresso, Milei agora se vê diante de um desafio político, já que parte da oposição chancelou o pacote, o que deve obrigá-lo a deixar mais de lado o “personagem” e “priorizar a gestão”.

“Agora acabam as desculpas”, disse o deputado Oscar Agost Carreño, membro do bloco oposicionista que votou pelo pacote. “Vamos dar as ferramentas ao governo porque acreditamos que ele deve resolver o que não pôde até hoje.”

À agência de notícias AFP, o cientista político e economista Pablo Tigani disse que o pacote representa o retorno à política adotada pela Argentina nos anos 1990, “com desregulamentações, privatizações e uma abertura incondicional da economia”. Segundo ele, as medidas afetarão sobremaneira a indústria e as pequenas e médias empresas nacionais, e vão provocar uma “transferência notável de renda para os setores mais concentrados da economia”.

Tigani pondera que, apesar de agora estar embasado pela lei que queria para levar seu projeto político adiante, Milei tem “problemas de governabilidade” e está “encurralado pela situação social”.

Deputado peronista, Hugo Yasky criticou a lei, afirmando que ela permite que capitais estrangeiros “venham ficar com o petróleo e o lítio sem oferecer nada em troca” e que transformará o país em “um paraíso fiscal”.

ra (AFP, dpa, epd, AP, ots)