01/09/2012 - 0:00
Para ser um volunturista e viajar pelo mundo prestando serviços sociais, é preciso coragem, adequação financeira e tempo disponível. Passar as férias sem cadeira de praia, mimos de spa ou estoque infinito de piñas coladas não é fácil, mas a recompensa é grande.
Em 1980 o pesquisador, mergulhador e documentarista francês Jacques Cousteau precisava de ajudantes para expedições em alto-mar. Não dispunha de verba para contratações e abriu vagas para voluntários acompanharem suas viagens submarinas. Em troca, oferecia aventuras a bordo do Calypso. Trinta anos depois, a prática se profissionalizou e ganhou nome: “volunturismo”.
Nessa forma especial de turismo, os princípios básicos são participação ativa do viajante, trabalho voluntário por causas sociais, humanitárias ou ambientais e ausência de motivação financeira. Quem decidir viajar nesses moldes, dependendo do esquema, paga não só pela passagem, mas também pela acomodação – que passa longe de mordomias de hotéis estrelados. O custo varia de acordo com o tempo de estadia, o país visitado e o lugar de trabalho. Mas quem já se engajou na causa diz que cada centavo é válido.
“Quando você sente que está transformando não só a si mesmo, mas também impactando positivamente uma comunidade, esquece que houve troca monetária envolvida. No meu caso, quanto mais pobre o lugar, mais prazer eu tinha em pagar”, diz a ex-empresária americana Della Meyers, de 56 anos, que, depois de trabalhar com animais como voluntária na Tailândia, África do Sul e Bali, vendeu uma livraria na França e se mudou para uma comunidade agrícola em Israel.
Para ser um “volunturista”, além de coragem e adequação financeira, é necessário ter tempo suficiente para gastar na viagem. O período de permanência pode variar de duas semanas a um ano e meio, porém a estadia mínima e a máxima dependem do acordo com a organização hospedeira. O perfil ideal de um volunturista requer proatividade, disposição, flexibilidade, responsabilidade e vontade de se envolver com atividades que não somam somente para o próprio prazer.
Em média, são cinco horas de trabalho por dia em cinco dias por semana. Antes de pegar o avião, é essencial saber exatamente a quantidade de tempo e a atividade para a qual o voluntário está se propondo. É importante também ler não só os guias de viagens do local de destino, mas se informar sobre a situação política e econômica e a cultura do lugar, para evitar gafes e não sofrer muito com o inevitável choque cultural.
A acupunturista americana Julianna Englund-Flores, 32 anos, passou dois meses como voluntária em uma clínica de partos humanizados em Bali. Se não soubesse de antemão a situação econômica da ilha na Indonésia, teria se assustado com a quantidade de pessoas que pediram dinheiro emprestado para ela.
“O balinês é um povo muito amoroso, que faz amigos facilmente. Por outro lado, são paupérrimos e acham que todos os estrangeiros são ricos, porque podem comprar itens considerados básicos para nós, como legumes e queijo. Se eu não soubesse que a vida financeira deles é bastante difícil (a renda per capita é de US$ 967, contra US$ 12.500 no Brasil), teria cortado relações com as pessoas que me pediram quantias de dinheiro consideradas abusivas no meu país. Na visão deles, eu tenho tanto que isso não faria falta pra mim”, conta Julianna. Além de prestar serviços como acupunturista a grávidas, a moça também ensinou inglês a famílias balinesas.
Foi por meio da organização Help Exchange que Samantha Levy, arquiteta sul-africana radicada na Austrália, 27 anos, rodou o mundo. “O melhor e o pior de uma viagem como volunturista é a volta para casa. Percebi que há diversas maneiras de viver e expressar a existência e aquilo me mudou pra sempre. Não dava pra continuar vivendo do mesmo jeito”, conta ela, que saiu de casa em março de 2011 para estudar design sustentável no deserto israelense, por cinco meses, e só voltou para Melbourne um ano depois, após passar por Portugal, Itália e França trabalhando como voluntária em comunidades agrícolas e ecovilas.
Já em casa, Samantha recusou a proposta de emprego no maior escritório de arquitetura da Austrália e voltou para a faculdade, dessa vez para estudar bioarquitetura, enquanto lança um site que “revela as verdades sobre nossos atuais sistemas urbanos e promove projetos que fornecem às pessoas novas alternativas para felicidade, saúde e riqueza social”.
Crescimento pessoal
Decidir aproveitar as férias sem cadeira de praia e guarda-sol, mimos de spa ou um estoque infinito de piñas coladas não é fácil, mas a recompensa de ser útil é grande. Após uma viagem na qual o benefício não é somente para si próprio, mas para centenas de pessoas, animais ou até toda uma região, o viajante dificilmente volta com a mesma visão de mundo que tinha antes de embarcar. E não é esse o grande motivo de viajar: conhecer outras culturas e possibilidades?
Ao se voluntariar para prestar serviços ao redor do mundo, o viajante precisa estar disposto a enfrentar acomodações um tanto rústicas. O carioca Aarão Benchimol, 28 anos, trabalha em uma ONG israelense com pessoas com necessidades especiais. Já passou cinco semanas trabalhando em um vilarejo no Nepal com educação informal de jovens, orientação de monitores de uma escola para cegos e ensino de técnicas básicas de defesa pessoal para crianças.
Para ele, uma experiência desse tipo demanda certo grau de desapego a coisas materiais. “No meu caso, a vida no vilarejo significou uma casa de barro, onde ratos e aranhas coabitavam comigo e o banheiro era um buraco no chão, fora da construção principal. Geladeira era luxo. Passei meses sem ver micro-ondas. Internet, só na cidade vizinha. A água que se usa para lavanderia, banho e para cozinhar é bege. Cozinha-se e come-se no chão.” Mesmo com tantas intempéries (ou devido a elas), Aarão acredita que a experiência foi totalmente válida. “Volta-se mais sensível, mais consciente e bem mais cuidadoso.”
David Krantz, gerente do Center for Responsible Travel, em Washington, nos Estados Unidos, afirma que a missão da sua organização é promover políticas de turismo responsável. Por isso é importante verificar com cuidado a experiência oferecida. Na África, por exemplo, alguns orfanatos de portadores do vírus HIV aceitam visitantes internacionais pagantes. Os estrangeiros chegam, trabalham por algumas horas ou dias e vão embora com a sensação de dever cumprido. O que não se vê, diz Krantz, é que as crianças formam um laço afetivo com os voluntários e que essa ruptura não é saudável para elas. “Mas o orfanato não quer recusar essas visitas, porque as pessoas estão pagando uma quantidade importante de dinheiro. É uma decisão complicada de se tomar”, diz ele.
O empreendedor social carioca Henrique Drumond, 29 anos, teve o cuidado de escolher a atividade que faria em Moçambique. Por três meses, ajudou a desenvolver o modelo financeiro de uma franquia de moinhos para milho e outros grãos, capacitando pequenas empreendedoras a desenvolver negócios e agregar valor a eles e à população local. “O fato de ser uma proposta de redução da pobreza por meio da promoção do empreendedorismo e não de assistencialismo foi muito decisiva para minha participação, já que está mais em linha com o que eu acredito que seja mais impactante e sustentável.”
Drumond foi para Moçambique por meio da TechnoServe, uma ONG americana que leva empreendedores para países em desenvolvimento a fim de desenvolver fazendas, empresas e indústrias competitivas. Os principais custos (passagens, hospedagem e gastos diários) foram cobertos pela organização durante todo o tempo que passou no país – uma prática não usual quando se fala de volunturismo. Via de regra, quem paga pela experiência é o próprio voluntário, principalmente se o trato entre ele e o lugar em que trabalhará se der por meio dos sites que facilitam a prática.
Henrique voltou ao Brasil com uma certeza: seria um empreendedor social, visando em primeiro lugar ao impacto social e não ao lucro. Sua decisão está alinhada com a dos outros tantos volunturistas que se aventuram pelo mundo em busca de experiências externas e voltam com novas e inúmeras descobertas internas.
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Agências solidárias
As tarefas sociais e os países visitados podem ser inúmeros. Vão de ensinar uma língua em Bali, a capinar em fazendas orgânicas no Sri Lanka, passando por alimentar crianças famintas no Chifre da África (Etiópia, Eritréia e Somália), tratar de golfinhos na Espanha e cuidar da faxina de um retiro espiritual na Índia.
No Brasil, agências de turismo como a Central de Intercâmbio (CI) oferecem programas de voluntariado de curta duração, entre duas e 12 semanas na África do Sul, Índia, Namíbia, Nepal e Peru. Um período de quatro semanas, com acomodação, sem incluir passagem e alimentação, pode custar R$ 4.000, dependendo do destino.
Se o candidato a volunturista for muito aventureiro e preferir fazer contato direto, pode procurar as organizações como a Help Exchange, WWOOF (World Wide Opportunities on Organic Farms) ou Workaway, além de buscar listas online de fazendas orgânicas e não orgânicas, casas de família, fazendas, pousadas, albergues e até barcos a vela que convidam voluntários para emprego temporário em troca de comida e alojamento.
As ONGs mais famosas que possibilitam experiências de volunturismo são a Oxfam, que trabalha para encontrar soluções duradouras para a pobreza e a injustiça social em 99 países; o Médicos sem Fronteiras, com 22 mil profissionais de diferentes áreas espalhados por 65 países (alguns recebendo salários), e a Save The Children, que defende os direitos da criança. Com projetos humanitários em 139 países, o Peace Corps atua nas áreas de saúde, educação, saneamento, agricultura e nutrição. Já a Cruz Vermelha reúne pessoas de áreas variadas para orientar e trabalhar em diversos setores, como aconselhamento de pessoas com o vírus HIV ou com famílias que perderam tudo em enchentes ou terremotos.
Na Espanha, o Earthwatch oferece ao volunturista aprendizado sobre a vida marinha em expedições em alto-mar. O Sarvodaya realiza excursões ao Sri Lanka, nas quais o voluntário aprende o modo de vida rural e compartilha experiências na busca pelo desenvolvimento, pela paz e espiritualidade. Nessa linha, os ashrams são comunidades intencionais espalhadas pelo mundo todo, em maior profusão na Índia, cujo objetivo é promover a evolução espiritual de seus membros. O seva, ou trabalho voluntário, pode ser na cozinha ou em vários outros setores da comunidade em troca de uma facilitação do autoconhecimento e da espiritualidade.
Não é difícil embarcar no volunturismo. Uma pesquisa na internet já oferece inúmeras referências de agências que facilitam esse tipo de viagem, como o VolunTourism.org, que trabalha com todos os aspectos envolvidos nas viagens de voluntariado, e o I to I, que cria roteiros de acordo com o perfil do viajante. Outra organização que oferece experiências diretas, sem intermediários, é a GoEco, promotora de voluntariado pago nas áreas de vida selvagem, conservação, voluntariado em família, 3ª idade, educação e ecologia.