Segundo o físico indiano, a civilização consagrou o homem como dono do universo, mas o impacto no planeta de um modelo baseado no consumismo e no uso de energia de origem fóssil ameaça a festa

Dipesh Chakrabarty é um historiador e físico indiano de 66 anos, nascido em Calcutá, especializado em estudos pós-coloniais e professor na Universidade de Chicago (EUA). Em 2009 chamou a atenção global pelo ensaio “O Clima da História: Quatro Teses”, publicado na revista Critical Inquiry, em que mostra como a história social e a história natural se misturaram devido às mudanças provocadas pela vida moderna no planeta. Para ele, o homem possui a capacidade excepcional, mas nem sempre intencional, de alterar a biosfera.

Sua teoria converge para o conceito de Antropoceno, popularizado pelo químico holandês Paul Crutzen, que pressupõe que as alterações do planeta geradas pela agricultura e a revolução industrial criaram uma nova era geológica. Vários fatores determinam a geologia, entre eles os fósseis acumulados nas camadas do solo ao longo de milênios. Há 11.700 anos a Terra está no Holoceno, período caracterizado pela estabilidade climática. Durante esses milênios, eventos como a domesticação de animais, a extinção das florestas, a exploração do petróleo e a poluição dos combustíveis fósseis mudaram a face do planeta e permitiram um desenvolvimento inédito.

Chakrabarty sustenta que a civilização moderna, “baseada no prazer e no consumo”, vai ter de mudar se o custo da energia subir. Por enquanto, a Comissão Internacional de Estratigrafia não reconhece a existência do Antropoceno – a “idade do homem” –, que a Sociedade Internacional de Estratigrafia deverá discutir em 2016. Entretanto, mesmo que o conceito seja aceito ou não, é evidente que o planeta não é o mesmo de séculos atrás. Para Chakrabarty, o futuro será sombrio se não usarmos o conhecimento em benefício da sobrevivência.


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Planeta – Como o senhor definiria o conceito de Antropoceno?
Chakrabarty –
No seu uso mais popular, a palavra Antropoceno expressa sobretudo a ideia genérica do homem como uma espécie dominante no planeta. Algo como “a era do homem”. A era na qual o ser humano se transforma numa espécie dominante. Mas quando o ser humano virou a espécie dominante? Devemos começar a contar a partir da extinção da megafauna na América do Norte? Essa extinção não consiste em um evento único, mas fala-se frequentemente da “extinção do Holoceno” – registrada no fim da última Era do Gelo – para marcar o início da dominância do ser humano. Mas, quando usado num contexto mais técnico – pelos geólogos que tentam ratificar a expressão com o endosso da Comissão Internacional de Estratigrafia –, o termo “antropoceno” tem uma definição mais específica. Refere-se a uma época geológica do nosso planeta cuja existência poderá ser comprovada por geólogos no futuro, analisando o que deixamos para trás. Em outras palavras, supõe-se que o nosso modo de vida industrial afete o planeta de tal forma que, no futuro, os cientistas encontrarão informações sobre isso nos estratos geológicos da Terra.

Planeta – Damos grande importância às nossas origens. Acredita que parecemos não dar tanta atenção às consequências da nossa presença no planeta?
Chakrabarty –
É verdade. Nos preocupamos bastante com a nossa própria história e com questões filosóficas sobre o ser e o existir. Isso vem do interesse que o ser humano tem por si próprio. Meu palpite é que as pes­soas que apresentavam um sistema de crenças que os pensadores ocidentais batizavam de “animista” viviam num ambiente onde animais, plantas e outras criaturas (algumas até imaginárias) participavam mais das histórias humanas relativas a eles mesmos e a suas sociedades. Já as religiões surgidas graças ao desenvolvimento da agricultura em larga escala e à urbanização pregaram uma relação privilegiada entre os seres humanos e o seu criador. Há teologias em que Deus é indiferente aos seres humanos, assim como há pensadores que afirmam que o homem não está no centro de tudo, mas podemos dizer que a maior parte das religiões dominantes atualmente destaca a existência de um elo especial entre Deus e o homem – um antropocentrismo. O livro Uma Era Secular, do filósofo canadense Charles Taylor, fala sobre esse ponto.

Planeta – A invenção da ciência moderna ratificou essa condição especial do homem?
Chakrabarty –
Exatamente. Ela nos deu a capacidade de objetificar o mundo empírico de modo a manipulá-lo segundo nossos interesses, por mais efêmeros que sejam, reafirmando esse antropocentrismo. As atitudes antropocêntricas atingiram o apogeu com o capitalismo industrial e pós-industrial. O consumismo é uma espécie de antropocentrismo que perdeu o controle. Sofremos os impactos do consumo descontrolado. Com as transformações que têm causado na natureza, exaurindo-a, esse consumismo e o aquecimento global antropogênico a ele ligado sinalizam uma mudança fundamental e irreversível na história e na capacidade humana.


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Planeta – No ensaio “O Clima da História: Quatro Teses”, o senhor diz que “o poder geológico do homem é o preço que temos a pagar pela busca da liberdade”. Até quando pagaremos por essa liberdade?
Chakrabarty –
Até as energias abundantes e baratas se esgotarem. A manu­tenção dos prazeres de que gozamos hoje, que chamamos de liberdades – liber­dade de movimento, de escolha como expressão de experiência, de consumo – ficará cada vez mais cara se a energia­ não for abundante e barata. Mesmo a visão de Amartya Sen (economista indiano que defende a justiça social para o desenvolvimento dos países) pressupõe muita disponibilidade de energia. As pessoas não poderão fazer escolhas de modo esclarecido se não tiverem energia, por exemplo, se não tiverem acesso à eletricidade.

Planeta – Como assim?
Chakrabarty –
Vamos supor que continuemos a ter energia abundante, mas não mais barata. Aí, surgirão questões de justiça e de como essa energia pode ser distribuída. Por exemplo, é viável voltarmos à época em que apenas os mais ricos podiam viajar de avião? Devemos ter em mente que abdicar de algumas formas específicas de liberdade não significa desistir do ideal filosófico de liberdade. A liberdade pode existir mesmo em sociedades que não consumam muita energia, desde que a energia disponível seja distribuída a todos de forma igual.

Planeta – Há um modo de vida “suicida” associado frequentemente ao capitalismo. O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro diz que “é mais fácil imaginar o fim do capitalismo do que o fim do mundo, mas teremos que imaginar ambos”. O que o senhor acha?
Chakrabarty –
Concordo. Outra forma de dizer isso seria afirmar que devemos muito do nosso conforto – vivemos cada vez mais, até mesmo nos países mais pobres – a essa civilização baseada nos combustíveis fósseis. Nossos desejos, sobretudo os da classe média e alta, são intimamente ligados a um estilo de vida supérfluo e altamente consumidor de energia. Isso funciona até mesmo nas sociedades baseadas em princípios não capitalistas, como a ex-União Soviética. Comparadas às sociedades planificadas e opressoras como a soviética, as economias de mercado têm muitas vantagens. Mas quando o capitalismo é alargado à escala planetária e os preços dos produtos não refletem o impacto e o dano colateral causados à vida das pessoas e ao ambiente, aí sim, o capitalismo e alguns desastres podem estar perfeitamente conectados. Temos ainda o problema da população. A partir do momento em que temos de alimentar, vestir e albergar de 7 a 12 bilhões de pessoas, a probabilidade de morar em cidades pequenas, autônomas e amigáveis cai drasticamente.


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Planeta – Então, estamos vivendo a última das eras?
Chakrabarty –
É difícil dizer. O interessante do Antropoceno ou das mudanças climáticas é que, mesmo que sejam causadas pelo homem e que tragam consequências que seriam trágicas para todos, não podemos ser como Hamlet, a figura clássica do herói trágico paralisado pela sua própria tragédia. Temos de procurar soluções que se coloquem entre o nosso presente e a visão de um apocalipse.

Planeta – Fenômenos ambientais e geológicos podem afetar nações ricas e pobres aleatoriamente. As mudanças globais poderiam afetar a maneira como os políticos veem a ecologia?
Chakrabarty –
O impacto do aquecimento global será mediado pelas atuais desigualdades existentes no mundo. Os pobres sofrerão mais, os ricos, menos – a menos que um fenômeno torne o planeta quente demais para todos. Espero que a hipótese dessa crise leve o homem a se ver como um animal como outro qualquer, mas provido de um cérebro maior, e que dispõe de um sofisticado sistema simbólico. Espero que, no final – após um sofrimento que provavelmente nos aguarda –, possamos nos ver como parte da vida e viver em função disso.