28/11/2025 - 9:19
Monitoramento e maior presença do Estado no combate à devastação ambiental tem um efeito positivo extra: queda da violência letal em áreas de conflito na região, aponta estudo.O combate ao desmatamento na Amazônia tem um efeito colateral positivo na região: a redução da violência. Nos locais onde a fiscalização é mais presente, o número de homicídios cai 15% em comparação aos números regionais. É como se 1.477 pessoas deixassem de ser vítimas por ano.
A conclusão é de um estudo publicado nesta sexta-feira (28/11) pelo projeto Amazônia 2030 e obtido com exclusividade pela DW. A iniciativa, fundada em 2020, reúne pesquisadores dedicados a entender melhor a região em busca de rumos mais sustentáveis.
“A grande pergunta era se a maior presença do Estado via fiscalização e multas ambientais diminuiria ou aumentaria a violência. No começo, a gente não tinha ideia da resposta que encontraria”, revela Rafael Araújo, autor principal e professor de economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O parâmetro de violência usado foi a taxa de homicídios entre 2006 e 2016. Nesse período, a Amazônia teve um crescimento desproporcional de mortes violentas. Enquanto a taxa nacional teve 8% de aumento, os municípios amazônicos registraram alta de 57,3%.
A violência nesta porção do Brasil está principalmente em zonas rurais, distantes de grandes cidades. As regiões mais afetadas estão perto de terras griladas, além de áreas de desmatamento, garimpo e retirada ilegal de madeira. São os pontos onde a força se sobrepõe, os conflitos fundiários são intensos e há poucos sinais do Estado, ressalta o estudo.
A resposta nas nuvens
Para investigar a relação entre mortes violentas e devastação na Amazônia, os pesquisadores recorreram aos dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Criada em 2004, a ferramenta foi chave para coibir o crime ambiental, já que os alertas emitidos pelos satélites levam os fiscais diretamente às áreas afetadas.
Mas uma barreira tecnológica impede a visão do todo: as nuvens. Em anos em que certos municípios ficam mais encobertos do que o normal, o Deter enxerga menos destruição na floresta e, por consequência, o número de multas pode cair. Ou seja, as nuvens podem reduzir a intensidade da fiscalização.
A restrição virou oportunidade para os pesquisadores – o que a ciência chama de experimento não intencional. Por causa dela, eles conseguiram comparar municípios parecidos que, por razões exclusivamente meteorológicas, têm diferentes níveis de presença do Estado.
“Nessas regiões em que um ano há muitas multas e, em outros anos, há poucas multas, tem essa confluência de muita violência, muito desmatamento e muita variação na detecção desses desmatamentos ilegais”, explica o cientista.
As mortes e as hipóteses
A análise considerou os efeitos da fiscalização ambiental sobre a violência em 521 municípios da Amazônia Legal. A base de informações usada sobre mortes violentas foi o DataSUS, sistema alimentado por cidades e estados.
“É difícil medir a violência. Escolhemos a taxa de homicídio porque a literatura indica e é algo que é mais difícil de não ser reportado pelo sistema de saúde”, explica o cientista,
Depois de um ano de pesquisa, o estudo mostrou que o aumento da fiscalização reduzia a violência letal. Em termos estatísticos, quando um município passa de um nível baixo para um nível alto de multas, sua taxa de homicídios pode cair até 20,7% em relação à média regional.
Uma das explicações para isso, segundo os autores, é que o reforço da fiscalização diminui as chances de desmatamento especulativo e as disputas territoriais – uma das principais causas da violência no campo na Amazônia.
Outro motivo apontado está no aumento da presença do Estado. Quando o monitoramento via satélite se reflete nas multas aplicadas, os criminosos temem a autoridade pública e freiam o desmatamento, que se torna mais arriscado e mais caro.
A mudança no cenário afeta diretamente os mercados ilegais. “Essas redes criminosas ligadas ao desmatamento, madeira e garimpo dependem da impunidade para operar. A fiscalização aumenta riscos, reduz lucros e desincentiva o uso da violência como mecanismo de controle”, afirma o estudo.
Os pontos mais problemáticos
No mapa da Amazônia Legal, as cidades Altamira e Novo Progresso, no Pará, são apontadas como destaques negativos. Nesses locais, a violência se mostra em taxa de homicídios bastante alta e avanço do desmatamento, comenta Araújo.
Na Amazônia, os homicídios têm relação frequente com conjunto de crimes que giram em torno da devastação ambiental, concorda Igor Goettenauer de Oliveira, procurador da República no Pará. E não se trata de um ato isolado: o desmatamento faz parte de um roteiro que inclui grilagem, invasão de terras públicas, atuação de milícias rurais e expulsão de moradores.
“A invasão costuma ser o primeiro passo; depois vem a derrubada da floresta, muitas vezes seguida pela abertura de áreas para pecuária e por outras atividades sem licenciamento ambiental. Em muitos casos, por trás disso tudo, existe uma organização criminosa com diferentes níveis de estrutura e recursos”, comenta o procurador em entrevista à DW,
A imensidão do território e a dificuldade logística facilitam a ação dessas redes. Em Marabá, por exemplo, há vilas garimpeiras conhecidas, com mineradoras e britadores ilegais, mas o acesso é precário. O percurso até lá, percorrido ao longo de 200 quilômetros de estradas de terra, impede que o Estado chegue sem ser percebido.
“Em Altamira, a situação é ainda mais extrema, com distâncias superiores a 900 km. Esses fatores mostram que a região demanda presença contínua do Estado, e não apenas operações pontuais, já que as instituições locais têm pouca ou nenhuma estrutura para enfrentar o problema”, pontua Oliveira.
Contra o senso comum
O resultado da pesquisa surpreendeu os pesquisadores – e contradiz o senso comum, especula Araújo. Segundo ele, o pensamento vigente no país é que o aumento da fiscalização e a redução do desmatamento comprometem, de alguma forma, o desenvolvimento regional. O estudo mostra o contrário.
“Há quem defenda que, para ‘destravar’ o desenvolvimento, seria necessário permitir algum nível de degradação. Mas essa visão ignora que o desmatamento não é apenas uma atividade econômica — ele envolve um conjunto de ilegalidades, violência e captura política que, na prática, também comprometem o desenvolvimento regional”, aponta o pesquisador.
O procurador da República no Pará lembra ainda que esse sistema de predação gera base política. É comum que pessoas envolvidas com pecuária, mineração e desmatamento ilegais se elejam vereadores, deputados e influenciem órgãos públicos. Inúmeros processos naquele estado investigam prefeitos e secretários de meio ambiente envolvidos diretamente nesses crimes, por exemplo.
A equipe de pesquisadores espera que as conclusões impulsionem uma agenda positiva para o futuro mais sustentável e menos violento já que, na região analisada, os homicídios afetam principalmente homens jovens, pobres e negros.
“Fortalecer o monitoramento para conter o desmatamento é uma peça importante desse processo, mas precisa vir acompanhada de alternativas econômicas e políticas públicas que ampliem as chances desses jovens construírem outra trajetória”, afirma Araújo
