Realidade e problemas da população da cidade ainda estão muito distantes da principal conferência global sobre mudanças climáticas, dizem analistas. Capital do Pará sediará evento em novembro de 2025.De tanto ver e ouvir a sigla COP no hotel onde trabalha, no centro de Belém, no Pará, Gilvane Souza resolveu pesquisar seu significado na internet. Moradora do bairro de Guamá, na periferia da cidade, ela trabalha há uma década como faxineira no prédio que tem sido usado para reuniões da organização da conferência. “Não sabia que a gente estava tão importante assim”, dizia ela há um mês, entre a jocosidade e uma constatação bastante popular de que o estado fica esquecido no mapa social do Brasil. “Mas, para falar a verdade, não entendi até agora o que é essa COP. Só sei que vão falar sobre a floresta lá”, continuava.

Em novembro de 2025, a capital paraense receberá a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP). Será a primeira vez que ela acontecerá, neste formato, no Brasil. Por isso mesmo, os investimentos têm sido altos: em torno de R$ 4 bilhões entre recursos do governo federal e acordos tributários com empresas, como a mineradora Vale, por exemplo.

Especialistas ouvidos pela DW apontam que essa distância que boa parte da população mantém da COP30 se refletiu na campanha eleitoral de Belém. Quase todos concordam que isso foi, antes de tudo, uma estratégia política – e acertada. “Os candidatos sabem que a maioria do eleitorado não tem ideia do que é COP. Para eles, não faz sentido investir tempo e dinheiro em um assunto sem retorno nas urnas”, diz Marco Antônio Lima, professor de Desenvolvimento Socioambiental na Universidade do Estado do Pará (UEPA).

“E, quando esse assunto apareceu nos debates na televisão ou mesmo nas ruas, não foi para dar protagonismo ao evento, mas para apontar alguma obra que está sendo feita somente por causa dela”, completa Ivan Costa, do Observatório Social de Belém (OBS), espécie de ONG que opera em várias outras cidades do país.

De fato, embora o próximo prefeito assuma o cargo às vésperas da COP30, em janeiro, as candidaturas decidiram focar nos velhos problemas da cidade, como coleta de lixo e infraestrutura, do que em apontar caminhos para a cidade a partir da conferência.

“Não houve uma palavra sequer sobre soluções que podemos oferecer, como uma cidade amazônica, aos desafios das mudanças climáticas”, lamenta Vanusa Santos, que coordena um grupo de pesquisa sobre meio ambiente na Amazônia na Universidade Federal do Pará (UFPA). “O olhar para floresta, a partir do seu potencial de desenvolvimento sustentável, também não foi explorado. É tudo o que será pautado pela COP.”

Polarização localizada

O segundo turno da eleição, daqui alguns dias, será disputado entre Éder Mauro (PL), ex-delegado da Polícia Civil do Pará e parlamentar na Câmara desde 2015, e o deputado estadual Igor Normando (MDB), que comandou o projeto Usinas da Paz nos últimos anos – conjunto de ações sociais do governo estadual para diminuir a violência urbana. Ele é primo de Helder Barbalho (MDB), governador do Pará e membro da família que controla a política do estado há pelo menos 40 anos.

Ambos também estão em lados opostos da polarização que se estabeleceu no país há uma década: Normando tem apoio tímido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que viajou a Belém duas semanas atrás para o Círio de Nazaré, um dos principais eventos religiosos do Norte do Brasil, e aproveitou a ocasião para reforçar sua presença na campanha. Já Éder Mauro é um dos principais nomes do bolsonarismo e, não à toa, levou tanto o ex-presidente Jair Bolsonaroe sua esposa, Michelle, quanto o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) para eventos eleitorais na cidade.

Normando (que somou 44,8% dos votos no primeiro turno contra 31,4% de Mauro) aparece em primeiro lugar nas últimas pesquisas, com margens de diferentes institutos variando entre 56% e 60% dos votos para ele.

Fontes das duas campanhas admitem que o pleito atual terá um peso existencial para Helder Barbalho, já que, pela primeira vez em muito tempo, a cidade pode ter um prefeito alinhado ao governador. O MDB, seu partido, não governa Belém desde os anos 1980. Mesmo nessas análises, porém, é a relação com o âmbito federal que joga papel decisivo.

“A eleição em Belém é importante ao Planalto não apenas por estarmos falando da principal metrópole da Amazônia, mas também porque o governo precisa de um aliado na prefeitura para organizar a COP sem conflitos”, analisa o cientista político Rodolfo Marques, da Universidade da Amazônia (Unama). “Além disso, será contraditório um prefeito negacionista, que defende garimpo, à frente da cidade que vai sediar essa conferência”, completa, lembrando que Éder Mauro têm proposto a regulamentação dos garimpeiros que atuam na floresta. Ele é um dos deputados mais “antiambientais” da Câmara, segundo balanço da ONG Repórter Brasil.

Problemas estruturais

Para Marques, a ênfase em problemas estruturais explica ainda como a relação dos candidatos com as instâncias atuais de governo (Barbalho e Lula) se tornou tão vital ao longo da campanha. “Os recursos por causa da COP, principalmente para atacar esses problemas, estão chegando de Brasília, mas sendo geridos pelo estado. O próximo prefeito, então, tem que mostrar ter certa proximidade com ambos para que esse processo não seja prejudicado. E é onde Normando leva vantagem. Ele está usando-a agora a seu favor.”

Não é trivial, de fato, que os dois projetos políticos que disputam o segundo turno cruzem a COP a partir dos dois vetores. Uma análise dos planos apresentados pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) feita pela DW aponta que, quando eles mencionam a conferência, ou é para propor ações estruturais em saneamento e mobilidade – aproveitando, na verdade, verbas do governo federal – ou em medidas pontuais implementadas apenas durante o evento.

Normando, do MDB, apresentou três projetos voltados à COP: fechar um trecho da orla aos finais de semana para atividades culturais, renovar a frota de táxis e instalar estruturas temporárias para treinar empreendedores durante o evento.

Já as duas propostas de Éder Mauro passam pelo turismo: lidar com o gargalo da rede hoteleira de Belém – que, hoje, não tem condições de receber os mais de 50 mil visitantes esperados – e usar a repercussão mundial da reunião para ampliar a “divulgação da ‘marca Belém'”. Em agosto, antes do início oficial da campanha, quando já convivia com críticas às suas posições negacionistas sobre o clima, ele disse ao jornal O Globo que seria o “prefeito da COP”.

“Na verdade, os candidatos não têm domínio desse assunto. Aliado à distância da população com a COP, era esperado que a eleição não fosse um momento efetivo de discutir a cidade como sede da conferência”, reverbera Marco Antônio Lima, da UEPA. Para Vanusa Santos, da UFPA, chama a atenção que não haja nenhuma proposta efetivamente sobre mudanças climáticas. “Não é só o fato de estarmos recebendo um evento importante, mas como ninguém se preocupa em construir políticas ambientais robustas aqui.”

É uma crítica aprofundada ainda mais por Lima. “Belém não tem eixo econômico. Vivemos em meio a dinâmicas econômicas espontâneas sem direcionamento. A COP pareceu, em um primeiro momento, ser uma chance para isso mudar, mas não aconteceu. Poderíamos pensar em políticas para a bioeconomia ou para o turismo sustentável, por exemplo, mas até agora só se falou sobre infraestrutura. Não é à toa: o que eleitor vê é rua asfaltada e esgoto encanado.”

Derrota marcada

A mesma chave de interpretação é usada para explicar a derrota acachapante do atual prefeito, Edmilson Rodrigues (PSOL), no primeiro turno, com pouco menos de 10% dos votos. Foi a primeira vez, desde a redemocratização do país, que o dispositivo de reeleição não favoreceu quem já estava no cargo em Belém. Além disso, antes do pleito, 74% dos eleitores diziam que não votariam em Rodrigues de jeito nenhum – uma das maiores rejeições dentre as capitais do país.

Os analistas apontam, principalmente, que ele “usou a COP” equivocadamente. “Enquanto o governador investiu muito em comunicação, para mostrar o que está sendo feito para a conferência, Rodrigues tentou surfar nessa onda nesse ano. Ficou a figura de um gestor omisso e despreocupado”, analisa Marco Antônio Lima.

“O caso dos ônibus elétricos foi o mais grave”, prossegue Ivan Costa, do OBS, lembrando a crise envolvendo a compra de 30 automóveis para a frota no primeiro semestre deste ano. Em julho, o Tribunal de Contas do Município (TCM) disse que havia irregularidades no processo tocado pela prefeitura e suspendeu o processo, retomado somente em agosto. “Para além dos problemas judiciais, as pessoas perceberam que havia uma certa pressa em entregar algo por causa da eleição, de vincular isso à COP, e que era algo eleitoreiro.”

Duas vezes prefeito de Belém, entre 1997 e 2005, à época pelo PT, Edmilson Rodrigues venceu o pleito de 2020 por uma margem estreita: a diferença entre ele e o delegado Eguchi (Patriota) foi de apenas 26 mil votos, à época. Para Marques, da Unama, o “tiro de prata” na candidatura foi dado, justamente, por Helder Barbalho. “Ele percebeu a situação e rompeu rápido com Rodrigues, de quem era aliado político. Daí, no mesmo movimento, alçou Normando para uma secretaria criada especialmente para ele no estado, que agora está sendo usada como um trunfo dele na campanha eleitoral. Essa ruptura acabou com qualquer chance do Edmilson”, explica.

Até semana passada, em outra conversa com a reportagem da DW, Gilvane Souza ensaiava anular seu voto. Não por causa da COP, que agora sabe melhor do que se trata, mas por outro motivo mais urgente. “Na frente da minha casa, nada vai mudar. O esgoto vai continuar passando lá. “