Pesquisadores na Alemanha concluem que tática de alguns partidos de centro que vêm adotando bandeiras ou retórica da ultradireita acaba involuntariamente legitimando extremistas em vez de esvaziá-los.Tanto partidos de centro-direita quanto de centro-esquerda estão, involuntariamente, fortalecendo partidos de extrema direita ao repetirem suas ideias e retórica, em uma tentativa fadada ao fracasso de diminuir seu apoio, segundo um novo estudo do Centro de Ciências Sociais de Berlim (WZB, na sigla em alemão).

O estudo, divulgado no final de setembro na publicação especializada European Journal of Political Research e baseado na análise de mais de 500 mil artigos de seis jornais alemães ao longo de 26 anos, concluiu que atores de extrema direita não apenas arrastam o centro político para suas pautas, mas que isso se aplica tanto a partidos de centro-direita quanto de centro-esquerda.

Nos últimos anos, a extrema direita vem ganhando terreno de forma constante na Europa, com o partido populista de direita Reform UK e o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) frequentemente liderando as pesquisas de intenção de voto. Isso ocorre apesar – ​​ou talvez por causa – do fato de que líderes das principais legendas centristas têm tentado conquistar seus eleitores impondo medidas cada vez mais rígidas em relação à imigração e utilizando uma retórica cada vez mais anti-imigração.

Na Alemanha, o uso de retórica racista tem sido tema de debate público nas últimas semanas – e, em muitos setores, mesmo de indignação – após declarações do chanceler federal alemão, Friedrich Merz, sobre a “paisagem urbana” alemã e o suposto impacto dos imigrantes sobre ela. Alguns dias depois, ao ser questionado por um jornalista para esclarecer a declaração, ele reiterou sua posição, dizendo: “Perguntem às suas filhas o que eu quis dizer”.

Lógica contraproducente

Essas falas refletem a linguagem usada por líderes de centro-esquerda em outros países europeus: em maio, o primeiro-ministro britânico, o trabalhista Keir Starmer, disse que, sem mais restrições à imigração, o Reino Unido corre o risco de se tornar “uma ilha de estranhos”. Da mesma forma, o antecessor de Merz, Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, declarou à revista Der Spiegel em 2023: “Precisamos finalmente deportar em larga escala” – a mesma promessa que Merz fez na semana passada.

Isso parece sugerir que os partidos políticos de centro acreditam que a melhor estratégia para combater a ascensão da extrema direita seja adotar uma postura e agir de forma mais rigorosa em relação à imigração.

Mas essa lógica é falha, de acordo com Teresa Völker, cientista política do WZB e uma das autoras do novo estudo.

“Se políticos de centro-direita e centro-esquerda tentam atrair eleitores com retórica anti-imigração, eles aumentam a visibilidade de questões defendidas pela extrema direita”, disse ela à DW por e-mail. “Quando os partidos tradicionais imitam a retórica anti-imigração da extrema direita, eles trazem essas ideias das margens para o debate público. Dessa forma, legitimam a extrema direita e suas reivindicações. “Aqueles que adotam as estruturas interpretativas e as questões da extrema direita promovem a disseminação de ideias de extrema direita”, acrescentou.

Correlação ou causalidade?

Mas nem todos os especialistas foram convencidos pelas conclusões do estudo. Uwe Jun, cientista político da Universidade de Trier, na Alemanha, acredita que, embora os comentários de Merz possam ser controversos, o mundo real da política é mais complexo do que o estudo reconhece e que os políticos são forçados a tentar estratégias diferentes.

“Trata-se de uma correlação, não de uma causalidade”, afirmou. “Eles não podem provar que a ascensão da extrema direita pode realmente ser atribuída a isso. Os partidos conservadores, como todos os partidos, têm de ser responsivos. Têm de refletir os seus membros e eleitores, e muitos dos seus membros e eleitores não estão tão distantes dos partidos populistas de direita ou de extrema direita.”

Essa realidade, disse Jun, coloca Merz e os partidos conservadores em toda a Europa numa posição estratégica difícil. “Por um lado, querem implementar o que os seus próprios eleitores e membros desejam; por outro lado, são acusados ​​de seguir os populistas de direita”, ressaltou.

É verdade que os cientistas políticos ainda divergem sobre se existe uma relação causal direta entre a adoção generalizada da linguagem e das políticas de extrema direita e o sucesso dos partidos de extrema direita – mas há evidências que apontam nessa direção.

Um estudo sobre transições eleitorais publicado em 2022, intitulado Does accommodation work? (Acomodação funciona?), de Werner Krause, Denis Cohen e Tarik Abou-Chadi, concluiu que não há, pelo menos, nenhuma evidência sugerindo que as estratégias de Merz e Starmer reduzam o apoio à extrema direita.

“Na verdade, nossos resultados sugerem que elas levam a um aumento de eleitores migrando para a extrema direita”, concluíram os autores. Esse efeito é particularmente pronunciado, constataram os autores, quando os partidos de extrema direita já estão bem estabelecidos, como é o caso da maioria dos partidos de extrema direita europeus atualmente.

Diane Bolet, professora assistente de comportamento político na Universidade de Essex, no Reino Unido, concordou. “Há evidências que sugerem que acomodar a extrema direita não ajuda os partidos tradicionais, mas uma coisa que sabemos que ajuda é a levantar a questão da imigração, e isso tende a beneficiar o partido que domina o assunto”, disse ela.

“Alemanha não aprendeu com vizinhos”

A AfD foi fundada apenas em 2013, e outros partidos de extrema direita na Alemanha, incluindo o Republikaner e o Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD), não conseguiram se firmar no eleitorado nas últimas décadas da mesma forma que a AfD conseguiu. Em contraste, outros países europeus têm partidos de extrema direita consolidados em seu cenário político há décadas – como a Frente Nacional na França (agora Reunião Nacional) e o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ).

Mas isso apenas demonstra que a Alemanha não aprendeu com seus vizinhos, de acordo com Constantin Wurthmann, pesquisador do Centro de Pesquisa Social Europeia de Mannheim. Houve, segundo ele, muitos estudos em outros países europeus que revelaram os mesmos processos encontrados no novo estudo do WZB. Mas eles não foram levados a sério, afirmou.

“Nossos políticos poderiam ter aprendido com outros países europeus se quisessem”, disse ele. “Mas, da perspectiva atual, eu diria que parece que nossos políticos não quiseram aprender.” Wurthmann argumenta que adotar a linguagem da extrema direita – como Merz fez – só contribui para fortalecer os partidos de extrema direita.

“É claro que, com isso, posições da extrema direita radical chegam ao centro político”, disse Wurthmann. “Parece que os políticos em atividade aparentemente não têm consciência de quão fundamental é sua tarefa em impedir que algo assim aconteça.”