País investiga se problemas no avião podem ter levado à explosão que causou 179 mortes. Colisão com aves e muro de contenção em local incomum também são apontados como causas da tragédia.O presidente interino da Coreia do Sul, Choi Sang-mok, ordenou uma inspeção de segurança em todo o sistema de operações aéreas do país nesta segunda-feira (30/12), enquanto autoridades tentam identificar as vítimas e descobrir o que causou o desastre aéreo mais mortal da história do país.

No domingo, 179 pessoas morreram quando um Boeing 737-800 da Jeju Air fez um pouso forçado, saiu da pista, colidiu com um muro e explodiu no Aeroporto Internacional de Muan, na Coreia do Sul. Dois membros da tripulação foram retirados com vida.

Como primeiro passo, o ministério dos Transportes vai inspecionar todas as 101 aeronaves Boeing 737-800 operadas por companhias aéreas sul-coreanas, começando nesta segunda-feira, com foco no histórico de manutenção dos principais componentes.

“Mesmo antes da divulgação dos resultados finais, pedimos que as autoridades divulguem de forma transparente o processo de investigação do acidente e informem as famílias em luto”, afirmou Choi em uma reunião de gestão do gabinete de gestão de desastres em Seul.

Por enquanto, os investigadores avaliam se houve colisões com aves e se algum dos sistemas de controle da aeronave foi desativado de forma irregular antes do acidente. A apuração também tenta identificar o motivo da pressa dos pilotos para pousar logo após declararem emergência.

Um dos problemas identificados é que a aeronave desceu ao solo em alta velocidade, e seu trem de pouso não estava abaixado quando deslizou pela pista e atingiu o muro de concreto.

A principal prioridade agora, no entanto, é identificar as vítimas e dar assistências às famílias, disse Choi. Os familiares têm usado o naufrágio da balsa Sewol, em 2014, que matou 304 pessoas na Coreia do Sul, como forma de pressionar o governo por investigações imediatas. Na ocasião, o governo foi criticado pela demora em responder ao incidente e em investigar suas causas.

Choi, que está supervisionando os esforços de recuperação e a investigação, se tornou o presidente interino apenas três dias atrás, depois que o presidente e o interino foram destituídos por meio de um processo de impeachment.

O que se sabe sobre o acidente

O voo 7C2216 da Jeju Air, que vinha de Bangcoc, na Tailândia, fazia uma aproximação programada ao aeroporto de Muan, no sul do país, na manhã de domingo.

Quando os pilotos se aproximavam para o pouso, informaram ao controle de tráfego aéreo que a aeronave havia sofrido uma colisão com pássaros. O aviso veio pouco depois de a própria torre de controle ter alertado sobre a presença de aves nas proximidades.

Minutos depois, o piloto emitiu um pedido de socorro e tentou um pouso de emergência.

A aeronave, então, desceu na pista, fazendo um pouso de barriga, sem o trem de pouso engatado, tocando o solo cerca de 1.200 metros ao longo dos 2.800 metros da pista e deslizando até o barranco no final da pista. Ali, o avião colidiu com um muro e explodiu, o que causou a morte dos passageiros.

As autoridades disseram que a caixa preta da aeronave foi recuperada, mas está danificada. Ainda não está claro se os dados estarão intactos para análise. A investigação envolve também o Conselho Nacional de Segurança dos Transportes dos EUA (NTSB), país onde o avião foi fabricado, e oficiais da Boeing.

O que pode ter causado o acidente

Colisões com pássaros podem causar incêndios dentro dos motores do avião, danificando sistemas críticos que desativam o trem de pouso, disse o ex-piloto e professor da Universidade de Ciências Aeronáuticas de Silla Kim Kwang-il à agência de notícias AFP.

O “pouso de barriga” é um procedimento de emergência que acontece neste tipo de cenário, e os aviões são projetados para suportar esse tipo de emergência, afirmou Kim.

Para ele, porém, o piloto executou o pouso de barriga “excepcionalmente bem” considerando a situação de emergência. Kim avalia que, embora a colisão com as aves tenha sido a causa principal do pouso forçado, foi a presença de um muro no final da pista que transformou o incidente em uma tragédia.

As autoridades agora avaliam o papel dessa estrutura no acidente, já que não é comum existir um muro de contenção neste tipo de aeroporto.

“Normalmente, em um aeroporto, você não tem um muro ao final da pista”, disse Christian Beckert, especialista em segurança de voo e piloto da Lufthansa baseado em Munique. “Você geralmente tem um sistema de retenção de material, que afunda o avião no solo e o freia”, afirmou, citando a falta de uma estrutura como uma área de escape.

Kim concorda que não deveriam existir estruturas sólidas na área, para permitir pousos de emergência. “A maioria dos passageiros morreu devido a essa obstrução, o que é devastador”, disse ele.

Muro funcionava como localizador

O vice-ministro da Aviação Civil da Coreia do Sul, Joo Jong-wan, disse que a barreira atuava como um localizador para “auxiliar a navegação”. “A estrutura específica sobre a qual esses dispositivos são colocados varia de acordo com o aeroporto”, disse ele, reforçando que não existe um “projeto padronizado ou uniforme”.

Em Muan, como em vários outros aeroportos da Coreia do Sul, os localizadores que marcam o final de uma pista estavam sobre um volume de terra, onde estruturas de concreto foram instaladas.

“A conexão entre esses localizadores e o acidente será examinada minuciosamente durante o processo de investigação”, acrescentou Joo.

Aeroporto tinha medidas para afastar pássaros

Muan fica em uma área úmida, popular entre as aves migratórias, e tem a segunda maior taxa de colisão com pássaros entre os 14 aeroportos da Coreia do Sul.

De 2019 até agosto de 2024, Muan registrou nove colisões com pássaros a cada 10 mil voos, taxa cinco vezes maior do que a do segundo maior aeroporto de Seul, Gimpo.

Segundo o vice-ministro Joo, o aeroporto toma medidas para minimizar a presença destas aves. “Essas medidas incluem o uso de repelentes de pássaros, atividades para deter os pássaros, remoção de habitats, bloqueio de canais de drenagem para evitar a atração para dentro do aeroporto”, disse Joo.

Mas especialistas afirmam que o Comitê de Prevenção de Incidentes com Pássaros de Muan não tem uma boa equipe e não funciona de forma eficaz. Apenas uma pessoa estava trabalhando para evitar ataques de pássaros no dia do acidente, informou o jornal local Herald Corporation.

É provável que os patos, comuns na área, tenham desempenhado um papel fundamental no acidente, disse Choi Chang-yong, professor do departamento de ciências florestais da Universidade Nacional de Seul.

“Como os aviões se movem muito mais rápido do que os pássaros conseguem perceber ou se esquivar, eles provavelmente não conseguiram reagir a tempo.

Problema pode ter sido da aeronave?

Algumas especulações afirmam que a aeronave, um Boeing 737-800, pode ter sido a culpada pelo acidente.

A Jeju Air informou que 39 de suas 41 aeronaves são Boeings deste tipo, o que a torna a maior operadora sul-coreana desse modelo.

É com base nisso que o país lançou uma “inspeção abrangente” nas aeronaves Boeing 737-800 operadas pelas companhias aéreas do país.

A Boeing foi alvo de críticas depois que o Maneuvering Characteristics Augmentation System (MCAS), um recurso de estabilização de voo, foi implicado em uma série de acidentes envolvendo seus jatos 737 MAX, que mataram mais de 300 pessoas em dois incidentes entre 2018 e 2019.

Toda a frota de 737 MAX precisou ser paralisada por mais de 20 meses para as investigações.

gq/cn (afp, reuters)