07/03/2022 - 11:08
A mumificação dos mortos provavelmente era mais comum na pré-história do que se sabia anteriormente. Essa descoberta foi feita nos cemitérios de caçadores-coletores no Vale do Sado, em Portugal, que datam de 8 mil anos atrás. Um novo estudo, liderado por arqueólogos da Universidade de Uppsala e da Universidade Linnaeus (Suécia), e da Universidade de Lisboa (Portugal), apresenta novas evidências de tratamentos pré-enterro, como a dessecação por mumificação, que não havia sido sugerida para o Mesolítico Europeu antes. Os resultados foram publicados na revista European Journal of Archaeology.
Até agora, os casos mais antigos de mumificação intencional conhecidos eram dos caçadores-coletores chinchorros que viviam na região costeira do deserto de Atacama, no norte do Chile, com exemplos de corpos mumificados enterrados em sambaquis há cerca de 7 mil anos ainda preservando tecidos moles. No entanto, a maioria das múmias sobreviventes em todo o mundo são mais recentes, datando entre algumas centenas de anos e 4 mil anos.
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A mumificação na pré-história é um tópico desafiador para os pesquisadores porque é difícil detectar se um corpo foi preservado por meio da mumificação quando o tecido mole não é mais visível. Uma dificuldade adicional é a falta de relatos escritos para esses primeiros períodos. Ao contrário do osso, encontrar tecidos moles em sítios arqueológicos é raro devido a questões de preservação. Sem eles, é difícil reconhecer se os restos foram selecionados logo após a morte. Isso é particularmente desafiador em climas temperados e úmidos, como na maior parte da Europa, onde tecidos moles normalmente não sobrevivem em sítios arqueológicos.
Posições reconstituídas
Utilizando fotografias recentemente descobertas de restos de esqueletos de 13 indivíduos escavados na década de 1960 nos sambaquis mesolíticos do Vale do Sado, em Portugal, os investigadores conseguiram reconstruir as posições em que os corpos foram enterrados, proporcionando uma oportunidade única de aprender mais sobre os rituais mortuários ocorrido há 8 mil anos.
O estudo combinou a abordagem da arqueotanatologia com experimentos de decomposição humana. A arqueotanatologia é uma abordagem usada por arqueólogos para documentar e analisar restos humanos em sítios arqueológicos que combina observações da distribuição espacial dos ossos na sepultura com conhecimento sobre como o corpo humano se decompõe após a morte. Os arqueólogos podem então reconstruir como o cadáver foi tratado após a morte e enterrado, mesmo que vários milênios tenham se passado. Neste estudo, a arqueotanatologia também foi informada por resultados de experimentos de decomposição humana sobre mumificação e enterro no Forensic Anthropology Research Facility da Universidade Estadual do Texas (EUA).
Com base nos resultados dos experimentos, uma assinatura observável para uma múmia que poderia ser proposta combina várias observações: uma hiperflexão dos membros, ausência de desarticulação em partes significativas do esqueleto e um rápido preenchimento de sedimentos ao redor dos ossos. Estes estavam todos claramente presentes em pelo menos um dos sepultamentos nesse estudo. A análise mostrou que alguns corpos foram enterrados em posições extremamente flexionadas, com as pernas flexionadas na altura dos joelhos e colocadas na frente do peito.
Durante a decomposição, os ossos geralmente se desarticulam em articulações fracas, como nos pés. Nesses casos, porém, as articulações foram mantidas. Os pesquisadores propõem que esse padrão de hiperflexão e falta de desarticulação poderia ser explicado se o corpo não fosse colocado na sepultura como um cadáver fresco, mas em um estado dessecado como um cadáver mumificado.
Manipulação prolongada
A dessecação não apenas mantém algumas dessas articulações fracas, mas também permite uma forte flexão do corpo, uma vez que a amplitude de movimento aumenta quando o volume de tecido mole é menor. Como os corpos foram dessecados antes do enterro, há muito pouco ou nenhum sedimento presente entre os ossos e as articulações são mantidas pelo preenchimento contínuo do solo circundante que sustenta os ossos e evita o colapso das articulações.
Os pesquisadores sugerem que os padrões observados podem ser o produto de um processo de mumificação natural guiado. A manipulação do corpo durante a mumificação teria ocorrido por um longo período de tempo, durante o qual o corpo gradualmente se tornaria dessecado para manter sua integridade corporal e simultaneamente contraído por amarração com cordas ou bandagens para comprimi-lo na posição desejada. Quando o processo estivesse concluído, o corpo teria sido mais fácil de transportar (sendo mais contraído e significativamente mais leve que o cadáver fresco), garantindo que ele fosse enterrado, mantendo sua aparência e integridade anatômica.
Se a mumificação na Europa era mais antiga do que se sabia anteriormente, surge uma série de informações relacionadas às práticas mortuárias das comunidades mesolíticas, incluindo uma preocupação central em manter a integridade do corpo e sua transformação física de cadáver em múmia. Essas práticas também ressaltariam a importância dos locais de sepultamento e de trazer os mortos para esses locais de forma que eles contivessem e protegessem os corpos, seguindo princípios culturalmente regulamentados, destacando o significado tanto do corpo quanto do local de sepultamento na Portugal mesolítica há 8 mil anos.