04/07/2025 - 6:53
Parecer consultivo lista obrigações de países membros da OEA na defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. Documento deve influenciar decisões nos tribunais segundo fontes ouvidas pela DW.O combate às causas das mudanças climáticas e a proteção da população de seus impactos – principalmente as mais vulneráveis – é dever dos governos nacionais da América Latina e Caribe. Essas obrigações dos Estados frente ao avanço da emergência climática são listadas num novo parecer consultivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) divulgado nesta quinta-feira (03/07).
O documento de 234 páginas cria uma base jurídica para todos os 34 países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) lidarem em seus tribunais com o tema. Entre eles está o Brasil, o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.
Em toda a América Latina, diferentes instituições e organizações da sociedade civil comemoraram o teor do texto. Elas destacam que o tribunal trouxe clareza sobre o papel dos Estados e uma contribuição fundamental para uma resposta justa e mais equitativa frente à emergência climática.
“Em temas de vanguarda, como é o caso das mudanças climáticas, a opinião da Corte Interamericana tem enorme e imediata força persuasiva nos sistemas judiciais nacionais e na doutrina jurídica”, afirma à DW o ministro Antonio Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Instituto Judicial Global do Ambiente.
O posicionamento, reforça Benjamim, representa uma quebra paradigmas jurídicos históricos. “Ele fortalece a posição dos juízes e especialistas que já vinham defendendo essas posições e, ao mesmo tempo, isola os opositores da evolução do Direito, os que preferem manter o sistema atual de exploração predatória dos recursos naturais”, comenta.
Para ativistas, o parecer da CIDH representa um avanço significativo no reconhecimento das mudanças do clima como uma ameaça direta aos latino-americanos e caribenhos. “O conteúdo do documento reafirma que os Estados têm obrigações reforçadas em contextos de vulnerabilidade, desigualdade e risco climático, o que é especialmente relevante para a infância e a adolescência”, avalia Laura Restrepo Alameda, da Climate Action Network América Latina.
Participação e cooperação
O documento estabelece que os Estados têm a obrigação de garantir o equilíbrio e a estabilidade do sistema climático para não comprometer, inclusive, os direitos das próximas gerações. Também menciona o dever de garantir a participação de comunidades afetadas e a proteção de líderes ambientais. A América Latina é a região onde mais protetores dos direitos humanos e da natureza são assassinados no mundo.
“A Corte incorpora ainda uma abordagem interseccional para a proteção de grupos especialmente vulneráveis às mudanças climáticas e destaca que as políticas climáticas devem ser coerentes com a superação da pobreza e o combate à desigualdade”, pontua à DW Sergio Chaparro Hernández, coordenador da Dejusticia, organização colombiana de direitos humanos que participou do processo parecer.
Os governos da Colômbiae do Chile foram os que motivaram o posicionamento da CIDH. Em janeiro de 2023, eles pediram que o órgão esclarecesse as obrigações dos Estados segundo o marco do direito internacional dos direitos humanos frente à emergência climática. Desde então, o órgão recebeu 263 observações escritas de 613 entidades – incluindo nove Estados, órgãos da OEA, organizações internacionais, comunidades, ONGs e universidades.
“Essa abordagem inclusiva garantiu que o parecer consultivo fosse construído sobre uma base sólida de diferentes perspectivas e conhecimentos, refletindo um consenso crescente sobre a interconexão entre meio ambiente e direitos humanos e garante legitimidade à decisão”, opina Anna Luisa de Santana, professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR, que participou de audiências públicas em Brasília promovidas ao longo do processo.
Impacto esperado
Para os especialistas ouvidos pela DW, o documento deve ter impacto não só na América Latina e Caribe, mas global. A expectativa é que, além de guiar as decisões de tribunais de seus países membros, o parecer influencie a Corte Internacional de Justiça que está em processo para emitir um documento sobre o mesmo tema.
“Ele deve influenciar também as políticas econômicas e sociais, que também são analisadas no contexto do parecer consultivo devido ao seu papel em garantir que as ações dos Estados não aumentem a vulnerabilidade de populações que podem ser desproporcionalmente afetadas”, opina Hernandez.
Embora não seja vinculante, o documento oferece uma base jurídica sólida para que juízes e juízas nacionais integrem a abordagem de direitos humanos e justiça climática em suas decisões, defende Alameda. “Seu valor normativo, ético e político pode ser essencial para o avanço de jurisprudências mais ambiciosas e transformadoras na região”, adiciona a ativista.
O atual parecer da CIDH deve se tornar um dos mais citados nos próximos anos, aposta Santana. “Será uma ferramenta poderosa para a sociedade civil, ativistas ambientais e comunidades afetadas na defesa de seus direitos e na responsabilização de Estados e empresas por danos ambientais e impactos climáticos”, afirma.
Em abril de 2024, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) proferiu uma decisão histórica ao dar ganho de uma causa a um grupo de idosas suíças, reconhecendo que o governo da Suíça viola os direitos humanos ao falhar em tomar medidas para controlar adequadamente as emissões de gases de efeito estufa.
No mês seguinte, foi a vez de o Tribunal Internacional do Direito do Mar emitir seu próprio parecer consultivo sobre as obrigações dos Estados em relação ao clima nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982. O posicionamento afirmou que os 168 Estados integrantes devem prevenir, reduzir e controlar a poluição marinha causada por emissões de poluentes.
Mais batalhas judiciais em defesa do clima
As ações nacionais contra grandes emissores de gases estufa estão aumentando no mundo. Esses processos, chamados de litígios climáticos, já foram ajuizados em quase 60 países e começam a chegar aos tribunais superiores na América Latina. Até o final de 2024, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá e Peru tinham registros de casos.
Desde 1986, foram contabilizados 2.967 processos, 226 deles apresentados no ano passado, aponta um relatório recente do Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente da London School of Economics and Political Science. Estados Unidos, Austrália e Reino Unido lideram o número de ações nacionais.