Estudo liderado por pesquisadores brasileiros aponta que decisão de Donald Trump de esvaziar a Usaid pode causar até 2030 mais mortes do que a Primeira Guerra Mundial ou a pandemia de covid-19.Os cortes massivos promovidos pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no orçamento da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) arriscam não só levar ao fim da maior agência governamental de cooperação internacional do mundo, como também à morte de mais de 14 milhões de pessoas até 2030 – sendo 4,5 milhões crianças menores de cinco anos.

A conclusão é de um estudo liderado por pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e publicado nesta segunda-feira (30/06) no periódico The Lancet.

A título de comparação, estima-se que 10 milhões de soldados foram mortos durante a Primeira Guerra Mundial, um dos piores e mais mortais conflitos da humanidade. Já a pandemia de covid-19 deixou até agora pouco mais de 7 milhões de mortos, segundo cálculos da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A Usaid é um dos órgãos do governo americano que entrou na mira de Trump desde que ele voltou à Casa Branca, no final de janeiro, com a missão de cortar gastos que o republicano considera supérfluos ou inúteis. A decisão foi criticada por especialistas em direitos humanos, que alertaram sobre as consequências devastadoras do sucateamento da agência.

Os Estados Unidos são o maior provedor de ajuda humanitária do mundo. O país responde por ao menos 38% das contribuições registradas pela Organização das Nações Unidas, tendo destinado 61 bilhões de dólares à assistência internacional em 2024. Mais da metade desse dinheiro foi gasto via Usaid, que representava 0,3% dos gastos do governo.

91 milhões de mortes evitadas em 21 anos

Segundo o estudo que analisou dados de mortalidade em mais de 130 países e regiões entre 2001 e 2021, a Usaid teve um papel-chave na melhoria da saúde global ao atuar em países de renda baixa e média, sobretudo na África. Os pesquisadores afirmam que os programas financiados pela agência evitaram mais de 91 milhões de mortes em todo o planeta, das quais 30 milhões eram crianças.

Os impactos foram especialmente acentuados na prevenção de mortes associadas ao vírus HIV, malária, doenças tropicais negligenciadas, tuberculose, desnutrição, diarreia, infecções respiratórias e complicações de saúde entre gestantes e puérperas.

Em março, o chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, anunciou o cancelamento de mais de 80% de todos os programas da Usaid. Segundo ele, os cerca de mil programas que restaram seriam administrados “mais efetivamente” pelo Departamento de Estado sob participação do Congresso.

“Nossas estimativas mostram que, a menos que os cortes abruptos no financiamento [da Usaid] anunciados e implementados na primeira metade de 2025 sejam revertidos, um número impressionante de mortes evitáveis poderá ocorrer até 2030”, afirmam os pesquisadores.

Davide Rasella, pesquisador do Instituto para Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) e coautor do estudo, afirmou em nota que o sucateamento da agência provocaria em muitos países um choque em escala semelhante ao de “uma pandemia global ou grande conflito armados”.

Efeito ainda pior?

Após os EUA anunciarem cortes na Usaid, outros grandes doadores de ajuda internacional, como Alemanha, Reino Unido e França também reduziram seus orçamentos. Para Caterina Monti, também coautora do estudo e ligada ao ISGlobal, a redução de ajuda internacional, especialmente na União Europeia, pode levar a ainda mais mortes.

Mas as projeções podem ser melhores caso as previsões de corte não se concretizem na mesma magnitude, frisaram os pesquisadores.

“Cidadãos americanos contribuem com cerca de 17 centavos de dólar por dia à Usaid, cerca de 64 dólares por ano (R$ 348)”, disse o pesquisador da Universidade da Califórnia e também coautor do estudo, James Macinko. “Acho que a maioria das pessoas apoiaria a manutenção do financiamento da Usaid se eles soubessem o quão eficiente uma contribuição tão pequena pode ser para salvar milhões de vidas.”

ra/cn (Reuters, dpa, AFP, ots)