À medida em que cresce o saldo de vítimas das chuvas no Texas, dúvidas emergem sobre a prontidão das autoridades e a eficiência
dos sistemas de alerta contra catástrofes naturais.À medida em que cresce o saldo de vítimas das enchentes que atingiram o estado americano do Texas na madrugada da última sexta-feira (04/07), dúvidas emergem sobre a eficiência dos sistemas de alerta contra catástrofes naturais e a prontidão das autoridades para mitigar seus efeitos.

Na ocasião, a região central do Texas recebeu em poucas horas uma quantidade de chuva esperada para quatro meses inteiros. O rio Guadalupe subiu 8 metros em apenas 45 minutos, varrendo tudo às suas margens, inclusive um acampamento cristão de meninas no condado de Kerr – o mais afetado – que abrigava centenas de crianças.

Não houve ordem de evacuação para os acampamentos próximos ao rio Guadalupe.

O administrador da cidade de Kerrville, Dalton Rice, disse na sexta-feira que até às 4h da manhã só viu chuviscos e foi alertado sobre a enchente apenas às 5h da manhã. Àquela altura, alega, a decisão não era trivial. “Você evacua e provoca caos na estrada e potencialmente arrisca deixar as pessoas presas na estrada? […] Muitos de nossos planos operacionais, especialmente nesses acampamentos, é às vezes se abrigar ali mesmo até que consigamos movê-los para áreas mais elevadas e aí esperar pelo resgate.”

O Serviço Nacional de Metereologia (NWS) começou a alertar sobre risco de enchente súbita na região ainda na manhã de quinta-feira, embora a quantidade de chuva prevista tenha ficado bem abaixo dos 38 centímetros de precipitação de fato registrados. Mas os alertas foram se intensificando com a passagem das horas.

Enchentes ali não são incomuns. O que surpreendeu foi a intensidade do temporal.

“Nós temos enchentes o tempo todo”, disse o chefe do condado de Kerr, Rob Kelly, a jornalistas na sexta-feira. “Pode ter certeza, ninguém sabia que esse tipo de enchente estava a caminho.”

Um porta-voz do NWS, contudo, destacou que a agência emitiu um alerta de “enchentes ameaçadoras à vida” ainda à 1h14 da madrugada de sexta-feira – mais de três horas antes dos primeiros relatos de enchente. Esse alerta fez soar os telefones celulares da população na região – mas não os de quem estava sem sinal ou desativou essas notificações.

Secretária de Segurança Interna da Casa Branca, Kristi Noem defendeu o trabalho do NWS numa entrevista coletiva no sábado, mas também anunciou que o governo do presidente Donald Trump irá atualizar a tecnologia de alertas meteorológicos.

Serviços de meteorologia desfalcados sob Trump

O NWS foi um dos órgãos afetados pelos cortes de pessoal que Trump tem promovido desde que assumiu a Casa Branca, no início deste ano, sob a justificativa de enxugar gastos públicos supérfluos.

Especialistas reagiram à medida alertando que a decisão poderia ter consequências fatais para a população. Em carta aberta divulgada em maio, ex-diretores do NWS disseram que a redução de mais de 10% de pessoal gerava um “déficit significativo” justamente às vésperas do início da temporada de tornados e furacões.

Segundo o jornal The New York Times, a agência perdeu 600 de seus cerca de 4 mil funcionários, entre demissões e aposentadorias.

Mas fontes citadas pelo próprio NYT e outros veículos americanos sugeriram que a tragédia teria sido agravada menos pela falta genérica de pessoal e mais pela ausência de alguns funcionários experientes que poderiam ter coordenado uma resposta rápida e adequada aos alertas meteorológicos emitidos na madrugada da enchente, horas antes de o rio transbordar, acionando os serviços de emergência e planejando evacuações. Esses funcionários se aposentaram mais cedo por decisão do governo Trump.

E embora o enxugamento de pessoal no NWS tenha levado alguns de seus escritórios a fechar à noite ou reduzir a coleta de dados meteorológicos, os dois escritórios da agência no Texas emitiram alertas naquela madrugada. A questão é se eles chegaram a quem deveria tê-los recebido.

Jonathan Porter, meteorologista-chefe da AccuWeather, disse à agência Associated Press que evacuações e outras medidas proativas poderiam ter sido adotadas para reduzir o risco de fatalidades. “Pessoas, empresas e governos devem agir com base nos avisos de inundação súbita emitidos, independentemente da quantidade de chuva que já ocorreu ou está prevista”, disse em nota.

O próprio condado de Kerr não dispõe de um sistema local de alerta de inundações – segundo o chefe do condado, Rob Kelly, por causa dos custos elevados. “Os contribuintes não vão pagar por isso”, disse o político ao NYT.

Difícil prever com exatidão eventos climáticos extremos

À emissora americana CNN, um funcionário da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), órgão ao qual o NWS está subordinado, defendeu o trabalho da agência. Ele citou a imensa quantidade de chuva que caiu em pouco tempo num dos pontos mais vulneráveis a enchentes súbitas do país, e ainda por cima na madrugada – o pior horário para garantir a segurança de civis.

As pessoas na região de Texas Hill Country, onde está o condado de Kerr, estão habituadas a receber alertas meteorológicos com frequência, dia e noite. No verão, alertas de enchentes súbitas são bastante comuns, e possivelmente por isso alguns não as levam a sério.

Meteorologistas defenderam o trabalho do NWS, afirmando que a agência agiu corretamente em relação aos alertas emitidos antes da enchente, e sublinhando a dificuldade em obter previsões precisas sobre a quantidade exata de chuva que cairá numa área delimitada.

Especialistas, contudo, concordam que vai ser difícil aprimorar os sistemas de previsão meteorológica se Trump mantiver seus planos de cortes à pesquisa. A proposta orçamentária de 2026 prevê a eliminação de todos os laboratórios de pesquisa em clima e tempo do NWS mantidos em parceria com universidades, além de toda a divisão de pesquisa da NOAA – e isso num momento de eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes.

Chuvas torrenciais como as que caíram no Texas estão se tornando mais comuns ao redor do mundo por causa do aquecimento global turbinado pelas emissões de combustíveis fósseis. Mares mais quentes contribuem para chuvas mais extremas, e a atmosfera mais aquecida retém mais umidade. No Texas, o número de dias de chuva ou neve intensa aumentou 20% desde 1900, e os dias de calor intenso devem subir 10% ao longo dos próximos dez anos.

ra (ots)