Criada em 1953, empresa cresceu nos anos 2000 e se tornou líder global no setor da carne. Apesar de citar sustentabilidade, JBS não cumpriu promessas feitas há 16 anos para eliminar ilegalidades na cadeia de produção.Nos canais de comunicação da JBS, uma palavra está sempre em destaque nas mensagens a investidores e consumidores: sustentabilidade. Em relatórios sobre seu desempenho, a líder global em produção de proteína animal afirma alimentar o mundo mantendo o equilíbrio do planeta. É assim que a empresa vai se posicionar durante a Conferência da ONU sobre o Clima em Belém, a COP30.

Mas quem analisa o que acontece atrás das porteiras, de onde vem a matéria-prima que recebe o selo da marca, contesta. Dos mais de 33 mil bois abatidos por dia pela empresa no Brasil, uma parcela considerável pode vir de fazendas irregulares na Amazônia, que cortaram florestas sem autorização ou invadiram terras. O problema persiste 16 anos depois de a JBS ter se comprometido a eliminar toda ilegalidade de sua cadeia.

A denúncia mais recente vem da Human Rights Watch (HRW), organização não-governamental baseada nos Estados Unidos. Uma investigação para descobrir o destino do gado criado em áreas invadidas ilegalmente no Pará acabou na porta da JBS. O relatório divulgado na semana passada destaca ainda que a empresa não possui um sistema para rastrear fornecedores indiretos.

“Nosso foco era violência e intimidação contra lideranças que denunciavam desmatamento e apropriação ilegal de terras, na verdade. Mas aí ficou evidente os motivos econômicos por trás disso”, conta Luciana Chávez, pesquisadora sênior de meio ambiente da HRW.

As áreas em questão estão dentro do assentamento Terra Nossa e da Terra Indígena Cachoeira Seca. Grileiros transformaram parte da floresta em pasto e comercializam o gado. De porteira em porteira, parte foi vendida para a gigante do setor, mostra o rastreamento da HRW. “Muitas investigações assim chegariam à JBS. Ela é a maior no setor e na Amazônia. Pesquisas mostram há tempos que a pecuária é o maior vetor de desmatamento”, comenta Chávez.

Semanas antes, o Greenpeace havia revelado algo parecido. Bois alimentados ilegalmente dentro da Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu (MT) entraram na cadeia produtiva da gigante do setor da carne. Ligações comerciais indiretas conectariam a JBS a um fazendeiro na Amazônia que tem mais de R$ 3 milhões de dívidas em multas ambientais.

Expansão, empréstimos e escândalos

Fundada em 1953 como Casa de Carnes Mineira em Anápolis (GO), a empresa se aproximou da Amazônia em 1997 quando comprou uma unidade em Barra do Garças (MT). Um ano antes, ela havia mandado sua primeira remessa de carne ao exterior.

A franca expansão se consolidou na década seguinte, com compras de operações na Argentina, Austrália, Estados Unidos, Itália, Reino Unido, entre outros. O dinheiro para as aquisições veio principalmente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) que desembolsou R$ 31,2 bilhões em empréstimos e compra de ações entre 2003 e 2017.

Os escândalos também apareceram. Em 2009, um relatório do Greenpeace expôs, pela primeira vez, a ligação entre crimes ambientais e frigoríficos. A investigação mostrou que Marfrig, JBS e Bertin – mais tarde adquirida pela JBS – compravam gado de fazendas irregulares e com trabalho escravo.

Pressionadas pela opinião pública e consumidores, as empresas prometeram naquele mesmo ano excluir de suas cadeias fazendas com áreas embargadas por causa de desmatamento ou em situação de ilegalidade. A regra valeria para fornecedores indiretos a partir de 2011. No entanto, o problema persiste até hoje.

“Isso só mostra o quão atrasada a JBS e outros frigoríficos estão em relação a esse compromisso”, diz Cristiane Mazzetti, do Greenpeace Brasil. “A JBS não resolveu o problema da sua cadeia produtiva e não parece ter vontade de resolver”, acrescenta.

Dólares e influência

Em meados de 2017, os irmãos Joesley Batista e Wesley Batista, filhos do fundador da empresa e controladores do grupo, se viram envolvidos em vários escândalos de corrupção. Dentre as diversas investigações, algumas ainda sem conclusão, eles foram acusados de uso de informação privilegiada para manipular o mercado e ganhar mais dinheiro, além de pagamento de propina.

As delações premiadas levaram o Ministério Público Federal a firmar com o grupo, naquele mesmo ano, um acordo de leniência. Por conta dos prejuízos causados aos cofres públicos e à sociedade pelo esquema de corrupção, a JBS teria que pagar R$ 10,3 bilhões de multa. Mas a empresa conseguiu suspender esta decisão em 2023 quando Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal, atendeu o pedido dos Batista.

Apesar das ligações com crimes ambientais na Amazônia e casos de corrupção, o império parece não ter se abalado. Em junho, a JBS abriu seu capital na bolsa dos Estados Unidos e, consequentemente, ficou mais exposta às políticas da Casa Branca. Uma de suas subsidiárias nos EUA, Pilgrim’s Pride, doou 5 milhões de dólares (cerca de R$ 27 milhões) ao Comitê de Posse Trump-Vance. Há relatos de que os Batista teriam influenciado o recente aceno de Donald Trump a Luiz Inácio Lula da Silva após o tarifaço imposto ao Brasil pelo governo americano.

“Eles têm muito poder. Poderiam fazer uma mobilização muito maior na indústria e entre os fazendeiros para acabar com toda a irregularidade na cadeia. Enquanto houver quem compre, a destruição da Amazônia pela pecuária vai continuar”, comenta Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Fornecedores usam trabalho escravo

Além de desmatamento e grilagem de terras, flagrantes de trabalho escravo ainda acontecem nesta cadeia produtiva. Um dos mais recentes foi no Rio Grande do Sul, quando dez trabalhadores foram resgatados durante uma ação do Ministério Público do Trabalho (MPT). Eles eram contratados por uma empresa terceirizada fornecedora da JBS Aves, a MRJ.

Segundo a ação, os trabalhadores cumpriam jornadas exaustivas, ficavam em alojamentos precários, não tinham registro em carteira, além de terem despesas de alimentação e transportes abatidas ilegalmente da remuneração, o que configuraria servidão por dívidas. Apesar do flagrante, a gigante ficou de fora da lista suja do trabalho escravo, atualizada periodicamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Só a terceirizada é citada.

“Independente do setor onde ocorre o trabalho escravo, temos levantamentos que mostram que 80% dos trabalhadores resgatados são negros”, afirma a procuradora do MPT Elisiane Santos. “Mais de 90% deles começaram a trabalhar na infância. Isso mostra a relação entre trabalho infantil e escravo”, complementa.

Tatiana Bivar, vice-coordenadora nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas do MPT, diz que a incidência é grande no setor da pecuária historicamente. Um novo projeto do órgão está colhendo provas em empresas terceirizadas a fim de responsabilizar as gigantes que contratam esses serviços – como a JBS.

“Estamos fazendo um rastreamento para identificar para quem as pequenas fornecem. A partir daí, vamos exigir que elas adotem medidas de devida diligência na linha do que leis internacionais, como a de antidesmatamento da União Europeia, estão impondo. É uma forma de coibição de violação de direitos humanos”, explica Bivar.

O que diz a JBS

Por meio de nota, a JBS negou à DW as acusações feitas pela HRW. A empresa afirma que as conclusões do relatório “não se sustentam em nenhuma evidência concreta” e que “a publicação falha em demonstrar o trânsito de animais das fazendas citadas para unidades da JBS”.

A empresa diz adotar “uma abordagem rigorosa e multifacetada para o fornecimento responsável, com política de tolerância zero para desmatamento ilegal, trabalho forçado e outras violações socioambientais”. Afirma ainda seguir um protocolo guiado por “ferramentas e sistemas de monitoramento que promove cadeias de fornecimento de carne livres de irregularidades socioambientais, incluindo o desmatamento ilegal”.

Questionada, a JBS não comentou os detalhes sobre como funciona o monitoramento de fornecedores indiretos.

Sem tempo para novas promessas

Para Paulo Barreto, que pesquisa o tema há décadas, frigoríficos como a JBS estão muito longe de atingir suas promessas. A falta de transparência sobre a origem do gado na Amazônia ainda é um grande problema – e muitos fazendeiros não querem mudar isso.

“Tem resistência dos fazendeiros. Muitos deles têm várias irregularidades: criam gado em terra grilada, em área embargada por desmatamento ilegal… Eles apostam que sempre vai ter quem compre esse gado”, detalha Barreto.

A pressão do mercado externo ajuda, lembra Luciana Chávez, do HRW. A lei antidesmatamento da União Europeia, prevista para entrar em vigor em 2026, pode ser vista como um bom começo. A lei europeia para cadeias de suprimentos livres de desmatamento proíbe a venda de produtos cultivados em áreas que foram desmatadas depois de dezembro de 2020. As regulamentações afetam carne bovina, couro, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira e borracha, incluindo derivados como chocolate e móveis.

“É um problema do Brasil, mas o consumidor europeu contribui quando compra um produto, como carne, vindo de uma área desmatada. E também é oportunidade para apoiar produtores que têm compromissos sérios com a sustentabilidade, pois é difícil competir com quem está no mercado com ilegalidade”, diz Chávez.

Com a emergência climática e a Amazônia se aproximando do ponto de não retorno, quando a floresta está tão degradada que perde a capacidade de se regenerar, não há tempo para novas promessas, alerta Cristiane Mazzetti. Ela defende um sistema de rastreabilidade da cadeia da pecuária compulsório e mais rígido.

“Como sociedade, precisamos começar a responsabilizar as cadeias produtivas pelos danos que causaram. Não dá tempo para novas promessas. Não dá para esperar que elas não sejam cumpridas”, argumenta.