Diárias a preços exorbitantes ameaçam esvaziar a conferência do clima. Para observadores, cenário é fruto do desleixo e da falta de planejamento e diálogo com empresários do setor.Com uma longa carreira diplomática e expertise em negociações climáticas, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago tem se dedicado a um tema, até então, fora de seu escopo: a garantia de hospedagem de delegações para a 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, em Belém.

Os preços exorbitantes de diárias em hotéis na capital paraense, até 15 vezes mais altos durante o período da conferência, se transformaram numa questão política. Os valores não podem ser pagos por delegados de países mais pobres – e extremamente ameaçados pelas mudanças do clima. Numa reunião recente entre membros da ONU, eles expressaram a impossibilidade de viajar a Belém nestas condições.

“Eles também dizem que, com a ausência dos países mais pobres, ficaria uma COP que não teria legitimidade, sem a participação universal”, respondeu à DW Corrêa do Lago numa coletiva com jornalistas nesta sexta-feira (01/08).

O embaixador lembra que cerca de dois terços dos países-membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) são mais pobres que o Brasil. O cenário em Belém coloca em xeque a participação principalmente das nações-ilha, países de menor desenvolvimento e de africanos.

Em meio à escalada da crise de acomodação, a cem dias da rodada de negociações climáticas no Brasil, a presidência da COP reafirma que Belém se mantém no posto de anfitriã e que não há um plano B.

“O governo acredita no plano A. A gente acredita que tem soluções dentro do plano A, a gente acredita que seria sim uma COP emblemática em Belém e vamos continuar no plano A”, afirmou Ana Toni, CEO da conferência, fazendo referência ao simbolismo de a reunião acontecer na Amazônia.

COP inclusiva ameaçada

É a primeira vez que problemas na logística ocupam tanto espaço na agenda da conferência. O próprio embaixador admitiu que o imbróglio está tomando tempo de outras questões que poderiam estar em pauta, além de afetar a negociação.

Para participarem de conferências da ONU, delegações de nações mais pobres dependem de uma diária cedida pela organização, de cerca de 143 dólares. A quantia tem que ser suficiente para cobrir os custos com alimentação e hospedagem. Segundo esta lógica, o máximo que os delegados poderiam pagar num quarto seria 70 dólares por dia. Mas o valor atual em Belém chega a 2 mil dólares, em média.

De acordo com a presidência brasileira, uma equipe da Casa Civil foi destacada para lidar com a questão e busca opções na capital paraense dentro desse teto. Além disso, uma plataforma digital com alternativas de hospedagem foi lançada nesta sexta-feira para auxiliar os diversos públicos esperados na COP: observadores, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, setor privado, academia, entre outros.

“Queremos naturalmente que venham todos os países-membros da UNFCCC e do Acordo de Paris. Temos que encontrar uma maneira”, afirma Corrêa do Lago sobre a tentativa de promover uma COP inclusiva.

“Foi desleixo”

Depois de a Amazônia brasileira ter sido confirmada como sede, as expectativas em torno das negociações climáticas aumentaram no círculo diplomático. Seria a primeira COP num país do Sul global democrático depois de várias edições em nações autoritárias. A ambição no Brasil era aumentar a participação, inclusive popular.

“A ideia é excelente, os negociadores precisam saber como são os desafios reais de uma cidade de um país de renda média e na Amazônia. Mas, para tudo isso acontecer, o Brasil precisava ter dado oportunidade de as pessoas chegarem até o lugar, e isso o Brasil não fez”, critica Cláudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, que participa de COPs desde 2000.

Para Angelo, o país está indo contra o espírito do mutirão que a presidência tenta emplacar ao negar, por ação ou omissão, condições mínimas de as pessoas pagarem preços razoáveis em Belém.

“A crise que a gente está vivendo agora, que é uma coisa inédita na história da UNFCCC, é resultado do desleixo do governo brasileiro. Não precisaríamos ter chegado neste ponto. Belém é uma cidade incrível, mas agora a gente não vai mais conseguir fazer esta COP super legal e super inclusiva”, analisa o membro do OC.

Ao sabor do mercado

Mario Tito Almeida, pesquisador da Universidade da Amazônia (Unama), estuda o assunto e se preocupa com o cenário. Ele afirma que os preços altos expressam a pouca oferta de leitos na cidade e lamenta a falta de planejamento.

“Houve uma ausência de negociação do governo estadual com empresários do setor hoteleiro para facilitar o acesso. Era interessante ter uma espécie de acordo, para ter uma média de preços, mas isso não aconteceu”, diz Almeida à DW.

Segundo a análise do pesquisador, que coordena um grupo de estudos focado nos preparativos para a COP30, a situação foi deixada ao sabor do mercado e atende ao interesse dos empresários. O governo estadual não deveria ficar alheio à crise e montar um gabinete de emergência, sugere.

“Isso atrapalha a perspectiva de termos uma COP com vozes que nunca ou pouco são ouvidas, de termos delegações de países mais pobres. A gente se preocupa que isso seja uma forma de elitizar o evento”, pontua Almeida.

Ao mesmo tempo em que identifica os empecilhos, Almeida teme que setores do país estejam atuando nos bastidores na tentativa de levar a COP para a região Sudeste, alegando que Belém não teria capacidade de organizar um evento dessa magnitude.

“Temos problemas, mas Baku [no Azerbaijão, sede da COP29] também teve. Não se pode generalizar as críticas porque isso aprofunda o abismo já existente. Os empresários aqui deveriam ter a visão que, atendendo bem agora, com preços justos, os visitantes voltarão mais vezes”, sugere Almeida.

Questionado, o governo do Pará não respondeu à reportagem.