Recessão paralisa economia alemã, tornando o país menos atraente como polo de negócios. Algumas empresas já são consideradas possíveis candidatas a compra por grupos do exterior.A situação é ruim, as perspectivas, nebulosas: nesta quarta-feira (09/10), o governo alemão anunciou que o país atravessará mais um ano de recessão.

Segundo o ministro da Economia Robert Habeck o Produto Interno Bruto (PIB) deve se contrair em 0,2%, ao invés de crescer 0,3%, como previsto anteriormente, sendo que, em 2023, houve recessão de 0,3%. Desde o pós-guerra, houve uma única vez dois anos seguidos de recessão na Alemanha: em 2002 e 2003.

“A economia alemã não tem crescido de maneira robusta desse 2018”, admitiu Habeck, ressaltando a necessidade de mais esforços para que o país “retome o caminho do crescimento sustentável”. É preciso construir um sistema de abastecimento elétrico climaticamente neutro. Um programa de redução da burocracia, em andamento, e economia deve sentir seus efeitos: “Só conta o que funciona como um alívio na prática.”

Alemanha, “criança problemática” da Europa

Na véspera, Joachim Nagel, presidente do Bundesbank, o banco central alemão, já expressara pessimismo, ao afirmar que a recessão seria mais provável do que um crescimento,

Em setembro, o índice que avalia o clima para negócios no país, estipulado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Ifo, de Munique, já apresentava cifras negativas. “A economia alemã está sob pressão cada vez maior”, comentou Clemens Fuest, presidente do Ifo, referindo-se ao quarto ano seguido de queda no índice. Isso revela que as empresas estão descontentes com a atual conjuntura e que suas expectativas são pessimistas.

O Instituto de Macroeconomia e Pesquisa Conjuntural (IMK) da Fundação Hans Böckler, associada a sindicatos, também rebaixou seus prognósticos econômicos, ao prever que o crescimento do PIB alemão deverá encolher até 0,0%. Diante de tal quadro, Christoph Swonke, do DZ Bank, já descreveu a Alemanha como “a nova criança-problema entre os países europeus”.

Interesses estrangeiros

Um ambiente como o atual na Alemanha é pouco interessante do ponto de vista econômico, e há quem olhe para fora do país em busca de ajuda financeira forte, como é o caso da companhia ferroviária alemã Deutsche Bahn.

Seu conselho administrativo acaba de aprovar a venda de sua rentável subsidiária de logística e transportes de cargas Schenker por 14 bilhões de euros (R$ 85 bilhões) ao grupo dinamarquês de logística DSV. A transação vai gerar uma injeção de capital na deficitária estatal.

Outro exemplo é o Commerzbank, salvo da ruína durante crise econômica pelo governo federal, o qual ainda detém cerca de 12% de seus títulos. Em setembro, o banco italiano Unicredit adquiriu uma parte do banco, e gostaria de incorporá-lo inteiramente. O Banco Central Europeu (BCE), a quem caberia aprovar tal transação, está basicamente de acordo, como apurou a agência de notícias Reuters, com base em fontes internas.

Outras empresa alemãs já planejam mudar suas sedes para o exterior, ou estão se tornando cada vez mais atraentes para o capital estrangeiro. Como a multinacional da química Basf, que planeja construir instalações na China ao custo de 10 bilhões de euros. Outro exemplo é a empresa de médio porte do setor de energia Techem, que está para ser vendida por seus proprietários suíços, Partners Group, à companhia americana de investimentos TPG.

“Empresas não têm passaporte”

É possível a venda de empresas alemãs de que o contribuinte ainda é acionista? Para muitos analistas, esse seria um processo complemente natural. Para Carsten Brzeski, economista-chefe do banco ING, está claro que “a estagnação econômica e mudanças estruturais também acarretam consequências para as empresas”: “Em tempos como estes, as incorporações acontecem, seja a partir de dentro ou de fora do país.”

Stefan Kooths, diretor do Instituto Kiel para Economia Mundial (IfW), resume a questão a uma fórmula simples: “empresas não têm passaporte”. Ele acredita que “a nacionalidade dos proprietários das empresas não é decisiva para a prosperidade de um país, mas sim, a qualidade do local onde ela está sediada.”

Kooths observa que a tendência de declínio dos investimentos diretos é outra indicação da vulnerabilidade da Alemanha como polo de negócios. Locais mais fortes atraem capital estrangeiro, e “os investidores evitam locações mas fracas”.

Para o diretor do IfW, a entrada de capital não alemão no mercado interno do país não é algo negativo, muito pelo contrário: “Se investidores estrangeiros tiverem ideias melhores sobre como utilizar recursos da Alemanha, isso acabaria beneficiando os atores locais através de ganhos de produtividade.”

A eterna promessa de reduzir burocracia

Desde os anos 1980, todos os governos alemães prometeram reduzir a burocracia de modo a atrair mais investimentos, mas há décadas o país aguarda avanços reais. “O esforço é evidente, mas não resulta em ações consistentes”, avalia Kooths, e “justamente a iniciativa” para o crescimento acaba sendo fonte de ainda mais burocracia.

Berlim, porém, não é a única responsável por isso: também, a União Europeia (UE) arca com parte da culpa. “Sobretudo devido ao sistema de relatórios descontrolado – da taxonomia da UE à regulação das cadeias de abastecimento –, cada vez mais os atores dentro do mercado interno se tornam um obstáculo para si mesmo”, disse Kooths.

Para Carsten Brzeski, reduzir a burocracia é o caminho certo, mas ainda “está longe de terminar”. Ele faz uma reivindicação específica: “Precisamos urgentemente de mais governança digital. Isso aceleraria a redução da burocracia e se oporia à falta de mão-de obra qualificada em muitas repartições.”

“Caminho verde” é eficaz?

O ministro da Economia da Alemanha também é o responsável pela proteção ambiental do país; em Bruxelas, a Comissão Europeia tenta indicar um “caminho verde” para o futuro. Contudo, nenhum dos especialistas entrevistados acredita que priorizar a ecologia também ajude a economia. “De um modo geral, a descarbonização não tem como se tornar uma história de crescimento”, avalia Kooths, pois essa iniciativa “sofre de um excesso de intervencionismo”.

Brzeski tem opinião semelhante. “O foco em tecnologias verdes gerou até agora muito pouco investimento. Seria míope apostar tudo no ‘verde’. A economia alemã perdeu muito em competitividade nos últimos dez anos, e é esse o ponto de onde devemos partir agora.”

Alerta contra o protecionsmo

Stefan Kooths considera a competitividade da indústria alemã um fator essencial para a retomada do crescimento, mas alerta contra acionismos: “O crescimento não precisa ser estimulado, mas sim, viabilizado.”

Em sua opinião, os programas de estímulo econômico não são necessariamente voltados para esse fim. A atual iniciativa de crescimento só aponta na direção certa, “mas não conseguirá resultar numa guinada”. “Isso exigiria uma mudança de curso fundamental, para longe das políticas de intervencionismo industrial, rumo a uma política regulatória que fortaleça os polos de negócios.”

Kooths constata categoricamente que o governo federal nada deve fazer para evitar a iminente venda das empresas alemãs, alertando contra um “protecionismo do capital”. Em vez, disso, evoca as leis de mercado segundo as quais as empresas se tornem candidatas a aquisição “quando suas estruturas não estão mais à altura da concorrência”.