Governo minoritário francês está novamente prestes a cair devido aos planos de austeridade. Questão atual é se a dívida da segunda maior economia da UE pode sair do controle e afetar todo o continente.Sem maioria para colocar em prática seus planos de controlar a dívida pública francesa por meio de cortes no orçamento, o primeiro-ministro François Bayrou tende a perder a votação de confiança marcada para segunda-feira (08/09) no Parlamento – o mesmo ocorreu em dezembro de 2024, quando o governo do conservador Michel Barnier, que havia assumido o cargo há menos de 100 dias, foi derrubado. Praticamente ninguém duvida disso, ao mesmo tempo em que não se sabe o que acontecerá na sequência.

A incerteza paira sobre a possibilidade de novas eleições, como exige o partido de ultradireita Reunião Nacional (RN), e a capacidade de o presidente francês, Emmanuel Macron, conseguir formar um novo governo minoritário.

Os motivos de tudo isso são econômicos: nenhum outro país da União Europeia (UE) está tão endividado em termos absolutos quanto a França. A dívida pública já ultrapassou os 3,35 trilhões de euros, o que corresponde a cerca de 114% do produto interno bruto (PIB). E a taxa de endividamento continua aumentando: especialistas estimam que ela poderá chegar a mais de 125% do PIB até 2030.

Maior déficit fiscal

A França está tão endividada que, na UE, é superada neste ponto apenas por Grécia e Itália. O país também é responsável pelo maior déficit fiscal do bloco, com um valor entre 5,4% e 5,8% do PIB.

Para atingir a meta de 3% de déficit exigida pela UE, é preciso economizar drasticamente. E como isso não é politicamente viável, os mercados financeiros reagem com sobretaxas de risco sobre os títulos da dívida pública francesa.

Mas é razoável se preocupar com o euro se as finanças da segunda maior economia da UE estão fora de controle? “Sim, devemos nos preocupar. A zona do euro não está estável no momento”, afirma o economista Friedrich Heinemann, do Centro Leibniz de Pesquisa Econômica Europeia (ZEW), sediado em Mannheim, Alemanha.

“Não estou preocupado com uma nova crise da dívida a curto prazo, nos próximos meses. Mas é claro que é preciso questionar até onde isso vai, caso um grande país como a França, que já teve um índice de endividamento em constante aumento nos últimos anos, também continuar a se desestabilizar politicamente”, ressalta.

Vários outros países também estão acumulando dívidas históricas e precisam obter bilhões nos mercados de capitais. No outono europeu, nos próximos meses, grandes potências econômicas, como Alemanha, Japão e Estados Unidos, lançam títulos no mercado, e isso também é um motivo para os mercados de títulos estarem extremamente tensos.

“O fato de esses mercados não estarem ainda mais nervosos, ou seja, de os spreads para a França não estarem subindo ainda mais, sem dúvidas, se deve principalmente à esperança de que o Banco Central Europeu (BCE) compre títulos do governo francês para estabilizar a situação. Mas essa esperança pode ser enganosa, pois o BCE precisa tomar cuidado para não prejudicar sua credibilidade nesse ponto”, explica Heinemann.

O cenário é conhecido: sempre que se fala em economizar ou fazer reformas, os partidos de esquerda e de direita na França gritam aos quatro cantos e mobilizam seus apoiadores. Já para o dia 10 de setembro, dois dias após o provável voto de desconfiança no Parlamento, os sindicatos convocaram uma greve geral.

Isso traz à tona lembranças dos “coletes amarelos”, que paralisaram a França no outono de 2018. Na época, o gatilho foi o aumento dos impostos sobre o diesel e a gasolina, com o qual o presidente Macron queria promover a transição verde.

Dilema de Comissão Europeia e BCE

Para Heinemann, a Comissão Europeia contribuiu para o problema: “Ela sempre fechou um olho para a França, ou melhor, os dois olhos. Foram compromissos políticos motivados pelo receio de que, caso contrário, isso daria força aos populistas”, resume.

Apenas para pagar seus juros, a França precisa arrecadar 67 bilhões de euros por ano – dinheiro que acaba faltando em outras áreas. E o país está muito pressionado, pois se comprometeu com a UE a reduzir gradualmente o alto déficit. Mas o acordo com a UE tem um porém: ele foi firmado com François Bayrou, o atual chefe do governo sem maioria.

“Agora temos o seguinte problema: a França já esgotou grande parte de sua margem de manobra fiscal. A Alemanha [maior economia da UE], por outro lado, está em uma situação muito melhor e ainda tem bastante margem. A França, não”, afirma Heinemann.

Atraso nas reformas

Tal qual a Alemanha, a França necessita de extensas reformas sociais e, para isso, precisa reduzir os gastos públicos. A alternativa seria aumentar os impostos – em um país que já cobra impostos muito altos de seus cidadãos e empresas, segundo Heinemann.

Ao analisar a política na França, ele se mostra cético quanto à possibilidade de um consenso entre os partidos para a redução da dívida e dos gastos públicos: “Como os populistas de esquerda e de direita estão ganhando força, não consigo ver isso acontecendo. Não vejo nenhum aprendizado. Pelo contrário. O centro está sumindo. Por isso, sou pessimista e não vejo nenhuma solução”.

Para Andrew Kenningham, economista-chefe para a Europa da empresa de análise Capital Economics, sediada em Londres, os riscos para os mercados financeiros são (ainda) controláveis: “Por enquanto, os problemas parecem limitar-se em grande parte à própria França, pelo menos se a dimensão do problema francês não se tornar demasiadamente grande”.

Ainda assim, existem cenários plausíveis para um aumento da crise na França, o que elevaria o risco de alastramento do problema para a UE: “Afinal, a França é a segunda maior economia da zona do euro, com importantes relações comerciais e financeiras com seus vizinhos, além de ser uma potência e líder política no bloco”, enfatiza Kenningham. Uma crise na França poderia, portanto, colocar em risco a viabilidade de todo o “projeto europeu”.

“Não acreditamos que uma crise dessa magnitude seja esperada para os próximos um ou dois anos. Mas, se isso acontecer, o contágio poderia se tornar um risco muito maior, e também um risco que o BCE teria que enfrentar”, destaca.

Disputa com os EUA não é bom presságio

A crise francesa surge em um momento inoportuno, uma vez que as negociações comerciais entre a UE e os EUA ainda não foram totalmente concluídas. Por exemplo, no que diz respeito à tributação de empresas de tecnologia americanas individualmente, por países como a França. Não é uma boa hora para a UE se enfraquecer, justamente por causa de sua segunda maior economia, praticamente ingovernável.

“A França tem, de qualquer forma, tendências protecionistas, tanto na direita como na esquerda do espectro político. Muitos políticos franceses concordam plenamente com Trump em matéria de política comercial. Muitos pensam: precisamos de mais proteção, de taxas alfandegárias mais elevadas, devemos isolar ainda mais o mercado europeu e, de preferência, a França”, destaca Heinemann.

Esses atores políticos da França podem, segundo, o especialista, “aumentar a pressão para que a Comissão Europeia reaja às tarifas de Trump com tarifas europeias, fazendo, então, crescer o risco de uma verdadeira guerra comercial”, observa o economista.