09/10/2024 - 13:26
Militares do regime de Assad e forças de oposição da Síria estão cobrando propinas exorbitantes de refugiados sírios que fogem dos bombardeios israelenses no sul do Líbano.A jornada para fugir da incursão de Israel no Líbano é longa e difícil e, de acordo com aqueles que a fizeram, cada vez mais cara. Em especial para aqueles que deixam o país em direção à Síria.
Famílias relatam que, desde que as bombas começaram a cair no sul do Líbano, forças de segurança têm cobrado propina nos postos de controle entre os países e dentro da Síria, o que torna a viagem inviável para alguns moradores.
O sírio Khaled Massoud e sua família levaram sete dias e tiveram que gastar US$ 1,3 mil (R$ 7,1 mil) para chegar no norte da Síria, após fugirem do Líbano em meio aos bombardeios israelenses. Sua família de seis pessoas, mais a família de sua filha, estão agora em um campo de refugiados perto da cidade síria de Idlib, em uma área controlada por forças de oposição ao regime de Bashar al-Assad.
Massoud é um entre muitos. Esta semana, o chefe da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Filippo Grandi, disse que pelo menos 220 mil pessoas atravessaram do Líbano para a Síria após o início das ações militares israelenses, e que cerca de 80% delas eram sírias. As autoridades libanesas estimam que até 400 mil pessoas foram para a Síria.
Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (ENUCAH), deste total, cerca de 2,7 mil pessoas já chegaram aos territórios controlados pela oposição dentro da Síria.
Escolha é por territórios controlados pela oposição
Para os sírios que retornam ao seu país, cruzar a fronteira com o Líbano não é uma tarefa simples. Desde 2011, a Síria é palco de uma guerra civilentre o regime do ditadorBashar al-Assad e as forças da oposição – entre elas, combatentes curdos e grupos jihadistas.
Qualquer pessoa que tenha fugido do país durante a guerra é vista como um traidor pelo regime de Assad. Os homens sírios que retornam podem ser detidos, torturados, recrutados à força para o exército sírio ou mortos, dizem organizações de direitos humanos, que documentam regularmente esses casos.
Portanto, para muitos sírios, seguir em direção às áreas controladas pelos grupos de oposição ao governo é uma opção mais segura. No país, os grupos rebeldes combatem o regime de Assad, mas também lutam entre si, dividindo a Síria em áreas controladas por diferentes forças.
Embora os sírios deslocados usem estradas secundárias para chegar ao norte, ainda há postos de controle de segurança. E, na maioria deles, há pedidos de dinheiro para poder passar. É por isso que a viagem custou à família de Massoud 1,3 mil dólares
Para chegar à área controlada pela oposição ao redor de Idlib, por exemplo, a maioria dos viajantes precisa passar por três zonas controladas por forças de segurança diferentes: as do governo sírio, as das forças turcas e as dos combatentes curdos, antes de finalmente cruzar para o reduto controlado por grupos jihadistas que formam a oposição armada síria.
Lucrar com a miséria
“Cada posto de controle pega o que quer”, diz Hadi Othman, um sírio de 20 anos, que também acabou de fazer a viagem de volta a Idlib. “É mais como um negócio, e o quanto eles pedem depende do humor deles.”
Como Israel continua a bombardear o sul do Líbano, a fuga de sírios se tornou um negócio lucrativo. Othman e outros disseram à DW que as pessoas pagam entre 300 e 600 dólares (entre R$ 1,6 mil e R$ 3,3 mil) para voltar às áreas controladas pela oposição síria.
Um morador da região disse à DW que diferentes ramos do Exército do regime de Assad estão cooperando com outras milícias na região, incluindo os combatentes curdos, para facilitar esses pagamentos. O morador falou sob anonimato, por medo de represálias. Ele acredita que a 4ª Divisão Blindada de elite do Exército Sírio, comandada por Maher Assad, irmão do ditador sírio, também esteja envolvida.
Os sírios que retornam são levados a uma praça da cidade entre os postos de controle, disse a fonte. Eles ficam lá até que um grupo maior seja reunido e todos tenham pago centenas de dólares, e então seguem viagem. Esse é um dos motivos pelos quais a viagem demora tanto. A fonte acredita que o dinheiro é então compartilhado entre os vários grupos que supervisionam as estradas. A DW não conseguiu verificar isso de forma independente.
‘Notas de dólar ambulantes’
Muitas vezes, os refugiados sírios são insultados, agredidos ou até mesmo presos, acrescentou a fonte. No início desta semana, o meio de comunicação sírio independente, Al Jumhuriya, informou que houve pelo menos 40 prisões em uma estação de ônibus de Damasco de jovens que retornavam do Líbano.
“As pessoas estão assustadas, cansadas e procurando um lugar para ficar. Se a guerra no Líbano não tivesse sido pior do que a situação na Síria, eles teriam ficado lá – apesar do racismo”, disse a fonte. “Agora eles são vistos como notas de dólar ambulantes. As pessoas que cobram dinheiro os acusam de serem traidores e dizem que eles são ricos.”
Se os valores médios que os viajantes dizem estar pagando estiverem corretos, então as várias forças de segurança podem já ter extorquido mais de um milhão de dólares de sírios que fugiram do Líbano.
As propinas cobradas nos postos de controle são exorbitantes para muitos dos sírios, que haviam fugido para o Líbano devido à guerra civil. Lá, 90% dos sírios vivem na pobreza e aqueles que ganharam dinheiro – apesar das leis libanesas que dizem que eles não podem trabalhar legalmente – ganham cerca de 95 dólares (R$ 524) por mês em empregos informais, de acordo com a ONU.
Othman fugiu de sua cidade natal, no noroeste da Síria, em 2012, e desde então vivia no Líbano. “Mas a vida tem sido muito difícil no Líbano”, disse ele à DW. “O dólar é caro e as condições econômicas eram péssimas. Vivíamos com um salário mínimo e gastávamos tudo o que ganhávamos.”
Na passagem de Aoun al-Dadat, que liga a cidade de Jarablus, controlada pela oposição, à cidade de Manbij, controlada pelas forças curdas, Othman diz que a taxa cobrada no posto de controle era de 10 dólares.
“Mas lá fizemos um protesto e ninguém pagou”, conta ele, explicando como as multidões enfurecidas protestaram e depois atravessaram as fronteiras sem pagar a taxa.
“Agradecemos a Deus por termos conseguido voltar para cá”, disse Othman. “Estamos cansados, mas o importante é que chegamos ao nosso vilarejo e agora ficaremos em nossa própria casa.”