Conferência realizada no Rio há 33 anos lançou bases para o evento que agora ocorre no Pará. Camada de ozônio saiu do rol de preocupações, mas EUA já eram a maior pedra no sapato.Se hoje políticos e representantes da sociedade civil estão em Belém discutindo soluções para a crise climática , muito se deve a uma outra conferência internacional realizada também no Brasil, há 33 anos, no Rio de Janeiro : a Eco-92.

O mundo havia acabado de sair da Guerra Fria , e lentamente se dava conta de que era necessário agir de forma coordenada para controlar o aquecimento global e outros problemas ambientais.

Da Eco-92 saíram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), tratado internacional para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, e a Conferência das Partes (COP ), órgão encarregado de promover as conferências anuais sobre o tema.

A conferência no Rio foi a maior reunião de chefes de Estado e de governo da história até então, e levou para a capital fluminense autoridades, ativistas e jornalistas de todo o mundo.

De lá para cá, muita coisa mudou, como a preocupação com a camada de ozônio ou o protagonismo da China, mas algumas seguem parecidas, como os Estados Unidos jogando contra soluções para o clima e a dificuldade de comprometer os países ricos com desembolso de recursos para países mais pobres.

O que mudou

Buraco na camada de ozônio preocupava

No início da década de 1990, o buraco na camada de ozônio , provocado pela emissão de gases CFCs, era uma grande preocupação de ambientalistas e pesquisadores. Essa camada, localizada entre 20 e 35 quilômetros de altitude, filtra a radiação ultravioleta do tipo B emitida pelo Sol, danosa à saúde – mas estava diminuindo de espessura e tamanho devido à interação com os gases CFCs usados em processos industriais.

Isso mobilizava a atenção do público. Enquanto a Eco-92 ocorria no Rio, cinco ativistas do grupo Naked Earth fizeram um protesto nu em frente à Torre Eiffel em Paris, para chamar a atenção para a camada de ozônio. Eles acabaram detidos.

A conferência teve reuniões e debates sobre a camada de ozônio, mas o corte de emissões definido dois anos antes, no Protocolo de Montreal, acabou no longo prazo se mostrando um sucesso. Desde então, o buraco vem se reduzindo, e a ONU projeta que a camada esteja totalmente recuperada na maior parte do mundo em 2040, e em 2066 sobre a Antártida – uma história de sucesso de uma articulação multilateral para solucionar um problema climático.

Controle populacional era considerado uma das soluções

Diversos participantes da Eco-92 elencaram o controle populacional como uma estratégia importante para enfrentar o aquecimento global. Um relógio instalado no pavilhão do Riocentro, sede da conferência, informava a evolução do número da população mundial comparado com a área de terras agrícolas disponíveis no planeta.

A Comunidade Europeia – que tinha 12 países e foi o embrião da União Europeia – e os Estados Unidos queriam a inclusão do tópico na Agenda 21, um longo documento com planos de ações ambientais em diversas frentes. O Reino Unido estava especialmente engajado, sob a liderança da então ministra para o Desenvolvimento Externo, a conservadora Lynda Chalker.

Durante a Eco-92, então primeiro-ministro do Paquistão, Muhammad Nawaz Sharif, falando em nome do grupo de países menos desenvolvidos, também defendeu o controle de natalidade como uma das soluções para o clima, em uma tentativa de buscar acordo com os países ricos em outras áreas. Até então, esse tema não aparecia nas propostas dos países mais pobres.

A proposta de controle populacional caiu hoje em desuso, em função da desigualdade no consumo de recursos ambientais per capita entre países ricos e pobres e à desaceleração do crescimento populacional.

China quase ausente do debate

Apesar de a China já ser em 1992 um emissor relevante de gás carbônico, ela o era em uma proporção muito menor do que hoje, e isso se refletiu em uma baixa participação nos debates e decisões da Rio-92. A grande potência econômica da Ásia à época era o Japão, que teve uma posição de certo protagonismo na conferência.

Em 1992, a China emitiu 2,7 bilhões de toneladas de CO2, cerca de metade do que os EUA – então o maior poluidor (5,2 bilhões). Hoje a China é o maior poluidor mundial: em 2023 emitiu 11,9 bilhões de toneladas de CO2, mais que o dobro que os EUA (4,9 bilhões).

Quem representou o país asiático na Eco-92 foi o então premiê Li Peng. Em discurso, ele frisou que a Guerra Fria havia acabado e que a nova divisão global era entre os países em desenvolvimento e desenvolvidos. E que a China, como país em desenvolvimento, precisava de apoio dos países ricos para limpar seu meio ambiente.

Em 1992, mais de 70% da energia da China era proveniente do carvão. Hoje o carvão ainda responde por 60% da geração elétrica do país, mas há avanços acelerados em energias renováveis. E o país se tornou numa potência de desenvolvimento e exportação de tecnologias verdes, como painéis solares e carros elétricos.

Quem é Terceiro Mundo?

A forma como os políticos e a imprensa se referiam aos grupos de países também mudou. Em 1992 era comum referir-se ao Ocidente como Primeiro Mundo e aos demais como Terceiro Mundo. O Segundo Mundo, composto pela União Soviética (desmembrada em 1991) e seus aliados, estava em vias de extinção.

Como o progressivo distanciamento da Guerra Fria, o uso desses termos se tornou cada vez menos comum, inicialmente dando lugar ao termo países em desenvolvimento, que aparecia também na Eco-92.

Países em desenvolvimento está caindo em desuso há pelo menos dez anos, por dividir o mundo de forma simplista e não considerar diferentes graus de desenvolvimento. Em 2015, o Banco Mundial anunciou que deixaria de usá-lo. Um substituto a países em desenvolvimento, também impreciso, que vem sendo usado mais recentemente é Sul Global.

O que segue parecido

EUA pouco engajado e muito criticado

Os EUA foram apontados como o grande vilão da Eco-92. A Casa Branca se opôs à definição de limites e prazos para o corte de emissões de CO2, recusou-se a se comprometer com contribuições obrigatórias para apoiar os países pobres na transição climática e fez ferrenha oposição à criação de uma convenção sobre biodiversidade, que previa o pagamento de royalties aos países origem de compostos naturais usados por empresas de biotecnologia.

Durante a conferência, a prioridade de Washington era criar uma convenção ampla sobre a preservação de florestas, que não avançou diante da resistência de países como a Malásia, a Índia e o Paquistão – que defendiam o direito de usar seus recursos naturais para se desenvolverem.

Mas, ao contrário da COP em Belém , a Eco-92 teve a presença do presidente dos EUA, George Bush – que só confirmou a ida após enfatizar que não assinaria o acordo de biodiversidade e nem sem comprometeria com prazos para reduzir a emissão de gases do efeito estufa.

Antes de embarcar para o Rio, Bush foi questionado por jornalistas sobre as críticas de outros países à sua resistência em assumir compromissos ambientais e afirmou que elas “não importavam”. “Nós somos os Estados Unidos da América. Nós somos o líder do ambiente”, disse. Depois, afirmou que seu país tinha “o melhor currículo do mundo na área da ecologia. Nenhuma outra nação fez mais nem tão depressa para limpar a água, limpar o ar.”

Durante a Eco-92, Bush frisou que sua prioridade era o crescimento econômico de seu país. Os Estados Unidos estavam em recessão e em novembro daquele ano haveria eleições presidenciais – nas quais Bush não conseguiu se reeleger e acabou derrotado por Bill Clinton.

Os diplomatas americanos ficaram em posição isolada no Rio. Já a Comunidade Europeia exerceu um papel de liderança ambiental e defendeu metas mais arrojadas sobre emissões de gases do efeito estufa e biodiversidade. Pela Alemanha, foi à Rio-92 o então chanceler federal Helmut Kohl, que pressionou pela aprovação de tratados de biodiversidade e de proteção ambiental.

Desembolso de países ricos segue complicado

Uma grande expectativa da Eco-92 era buscar um compromisso de países ricos a destinarem 0,7% do seu PIB por ano a projetos ambientais, uma recomendação da própria ONU que visava obter resultados palpáveis até o ano 2000.

O texto final da Eco-92 deixou essa questão em aberto, sem um prazo de implementação. Também ficou fora do texto um pleito para aumentar em 5 bilhões de dólares os fundos do Banco Mundial destinados a projetos climáticos.

Em vez disso, os países ricos fizeram anúncios unilaterais para projetos de meio ambiente. O destaque foi o compromisso do Japão em desembolsar 7,7 bilhões de dólares em cinco anos a projetos ambientais – marcando um distanciamento dos Estados Unidos, de uma forma até então inédita desde o fim da Segunda Guerra. A Comunidade Europeia anunciou a destinação de 3,8 bilhões de dólares e os Estados Unidos, 250 milhões de dólares.

O comprometimento de países ricos com o financiamento de projetos climáticos em todo o mundo permanece com um dos grandes entraves nas conferências anuais. Na COP de Copenhagen, em 2009, os países ricos se comprometeram a mobilizar, até 2020, 100 bilhões de dólares por ano a projetos ambientais no resto do mundo – prazo depois estendido para 2025. Análises independentes, com metodologias variadas, feitas pela COP e pela Oxfam, no entanto, indicam que a meta não foi alcançada.

O problema dos refugiados ambientais

Na Eco-92 já se começava a falar em refugiados climáticos – pessoas obrigadas a deixarem suas casas devido a desastres agravados pelas mudanças climáticas ou pela elevação do nível do mar.

Foi ao Rio o então primeiro-ministro da nação insular de Tuvalu , Bikenibeu Paeniu, que considerou a convenção sobre o clima “muito fraca”, mas anunciou que estava começando a construir quebras-ondas com ajuda financeira da Comunidade Europeia.

Tuvalu seguiu como um símbolo dos efeitos das mudanças climáticas. Em 2021, o ministro do Exterior do país gravou um discurso para a COP26 de pé, com água até os joelhos, atrás de um púlpito instalado junto às ondas. Em 2023, a Austrália anunciou o primeiro “visto climático ” do mundo, para moradores de Tuvalu que desejassem se mudar permanentemente para lá.

Clima conflagrado em Brasília

Na mesma semana do início da COP em Belém, a atenção do Congresso Nacional estava em outro lugar, em debates sobre a segurança pública e a instalação de uma CPI do Crime Organizado.

Em 1992, paralelamente à Eco-92, o Congresso Nacional também estava ocupado com outro tema: a CPI sobre PC Farias, criada para apurar as denúncias de Pedro Collor contra seu irmão, o então presidente Fernando Collor , que posteriormente acabaram desaguando em seu impeachment.

Delegações em motel

A falta de acomodação em Belém obrigou delegações a procurarem alternativas, incluindo motéis que foram adaptados para receber os visitantes internacionais.

A rede hoteleira do Rio não se compara à da capital do Pará, mas mesmo assim a mesma solução foi adotada em alguns casos. O noticiário da época registrou que o motel Dunas, na Barra da Tijuca, hospedou 40 pessoas da delegação dos EUA.