13/10/2025 - 15:17
Sena e Isar viram atrações no verão europeu com trechos liberados para banho, graças a melhorias no saneamento e endurecimento das leis ambientais.No coração de Munique, na Alemanha, o rio Isar é uma atração alternativa de lazer — e, especialmente no verão, de refresco — para uma região sem praia no sul do país. O rio atravessa o Jardim Inglês, um dos parques mais famosos da cidade. Flutuar à toa pela correnteza das águas é o alívio do calor tanto para quem mora, quanto para quem está de visita. O rio cruza a zona central da metrópole alemã, que tem mais de 1,4 milhão de habitantes e, ainda assim, é próprio para banho.
Uma explicação inicial para a qualidade da água é o percentual de esgoto tratado na Alemanha: mais de 96% da população está conectada ao sistema público de saneamento, que tem quase 10 mil estações de tratamento, evitando que os dejetos cheguem aos rios. Por outro lado, no Brasil, esse número não chega a 4 mil, com mais do que o dobro de habitantes do país europeu.
Mas nem sempre foi assim. Há algumas décadas, os rios alemães eram altamente poluídos, principalmente com resíduos de origem industrial. Com a criação do Ministério do Meio Ambiente, em 1986, uma legislação ambiental mais rigorosa foi estabelecida, o que obrigou as empresas a implementarem medidas mais sustentáveis.
“Os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário têm uma estrutura robusta de tratamento dos efluentes residenciais e industriais. Além disso, a legislação é firme e o cumprimento é ainda mais rígido, com penalidade grande em caso de irregularidades”, explica Maria do Carmo Sobral, professora titular do departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Pernambuco.
Também na Alemanha, o rio Reno, o maior do país, passou por processos de despoluição desde 1989, e ainda tem algumas “praias” resguardadas, com trechos em que o banho é permitido. Mais de 15 bilhões de dólares foram investidos pelos governos de seis países banhados por ele e pela iniciativa privada.
Outros países
Além do Isar, vários rios da Europa têm trechos em que o banho é liberado, mesmo estando dentro de grandes centros urbanos. O Sena, na França, voltou à vida depois de um processo de despoluição que custou 1,4 bilhão de euros (aproximadamente R$ 8,8 bilhões), para viabilizar os Jogos Olímpicos de 2024. E apesar da polêmica envolvendo atletas que passaram mal depois de uma prova de nado, ele foi bem aproveitado no último verão: um monte de gente pôde mergulhar e se divertir por lá.
Nos rios Aar, na Suíça, e em alguns trechos do Tâmisa, na Inglaterra, passeio de bote e natação chegam a ser tradição.
Essa realidade se deu, em parte, à legislação da Europa. Nos anos 2000, foi criada a Diretiva Águas Balneares da União Europeia, com uma série de exigências aos países-membros, como a implantação de medidas para reduzir a poluição por esgoto, produtos químicos agrícolas e industriais.
O efeito combinado do tratamento desses efluentes, do monitoramento constante e do cumprimento da legislação aparece nos números. Um relatório divulgado em junho pela Agência Europeia do Meio Ambiente mostrou qualidade excelente em 78% dos rios e lagos do continente.
O próprio Isar, na Alemanha, teve a qualidade melhorada a ponto de se tornar balneável só depois de 2005. Todas as estações de tratamento de água ao longo do rio foram equipadas com um sistema de desinfecção por luz ultravioleta, que inativa bactérias presentes na água, diminuindo significativamente a concentração delas. Ainda assim, o banho só é permitido em trechos autorizados do Isar, por conta dos riscos de afogamento.
Inclusive no Eisbach, um canal artificial do Isar, também no Jardim Inglês, apenas o surfe profissional é permitido na famosa onda estacionária, a “Eisbachwelle”. No site oficial, a prefeitura de Munique enfatiza a proibição do banho pelos perigos da correnteza – o que nem sempre é respeitado pelos visitantes.
O rio Spree, em Berlim, é outro que, apesar de o banho não ser autorizado oficialmente, continua a atrair o interesse de banhistas. Iniciativas como o Flussbad Berlin têm pressionado as autoridades para reverter a proibição e permitir o uso recreativo do rio. Ele foi interditado em 1925, por conta da poluição industrial, mas ativistas alegam que houve melhoria da qualidade da água após a implementação de tecnologias de monitoramento e tratamento de resíduos.
Apesar da proibição de nadar no Spree, Berlim é famosa por suas inúmeras lagoas urbanas – boa parte delas liberada para banho.
E no Brasil?
Um rio com águas limpas no meio de uma metrópole parece improvável quando se pensa na realidade do Brasil, por exemplo. Apesar de quase 70% dos lares brasileiros estarem conectados a uma rede de coleta de esgoto, nem todo ele é tratado.
“A poluição do rio tem a ver com a capacidade financeira do país e da população. Uma área de classe média a rica tem sistema de esgoto, ou, ao menos, um sistema de fossa com tratamento. Mas em comunidades pobres, o esgoto não tem tratamento nenhum. E essa população não tem o déficit só de saneamento, mas das condições de vida de forma geral, como saúde, educação, moradia. É uma realidade muito diferente”, aponta Maria do Carmo.
A maior dificuldade, segundo ela, está nas dimensões continentais do país, que demandam ações integradas e envolvimento de diversas instâncias.
“O Brasil é um país continental. É preciso ter o trabalho conjunto e planos de ação, definindo prioridades, o que deve ser feito, como deve ser feito, quem vai ficar responsável e quanto custa. É um trabalho para ser feito em conjunto, entre várias instituições e com envolvimento da sociedade civil”, analisa a professora.