01/04/2008 - 0:00
No domingo de Carnaval, os participantes do encontro saem às ruas em uma passeata ecumênica. É a festa de congraçamento entre as várias religiões.
Na Paraíba, quem gosta de pular Carnaval vai para a capital, João Pessoa. Campina Grande, segunda maior cidade do Estado, nesses dias era um deserto. Há 17 anos, o lançamento de uma idéia genial virou tudo isso pelo avesso. Lançado para preencher o vazio da cidade durante o Carnaval, o Encontro da Nova Consciência assumiu contornos bem mais importantes desde a sua primeira edição. Tornou-se moda e passou a atrair participantes não apenas de Campina Grande, mas de muitas outras cidades paraibanas e dos Estados vizinhos. Do Recife e de Natal chegam grupos organizados que às vezes alugam ônibus para a viagem. Nos seus anos mais agitados, o evento chegou a reunir mais de 20 mil participantes, distribuídos entre as dezenas de conferências, cursos, simpósios, encontros, workshops e espetáculos.
Pudera! Em que outro lugar o nordestino avesso a Carnaval pode participar de encontros sobre terapias holísticas, xamanismo, artes da adivinhação, danças sagradas, homoerotismo, ufologia, RPG, tarô, religiões antigas, ecologia, budismo e hinduísmo, cultura e tradição afro-brasileira, mostra de curta-metragens, e ponha etc. nisso? Sem falar do Encontro de Ciganos, que este ano levou vários deles a Campina Grande, vindos do Sul; do Encontro de Rezadeiras, que trouxe à cidade algumas das mais famosas mestras nordestinas da cura através de rezas, tais como Rita Jovem Araújo, Maria José da Cunha, Maria das Vitórias Carneiro da Silva, Maria Rocha Oliveira e Benedita Targino da Costa; do Encontro de Hare Krishnas; e do Encontro de Religiões Amigas.
Por absoluta carência de verbas e para tristeza dos seus fãs, este ano não houve o Encontro de Profissionais do Sexo que, em anos anteriores, atraiu multidões interessadas em ouvir os relatos de vida, quase sempre pungentes, de prostitutas, travestis e garotos de programa. Mas deverá voltar em 2009. A Nova Consciência é eclética e não tem preconceitos.
Desde seu lançamento, em 1992, o Encontro da Nova Consciência alterou substancialmente a rotina de Campina Grande durante o Carnaval. Hotéis lotados e grande movimento dos bares e restaurantes nas áreas centrais da cidade tornaram-se a regra. Mais que isso, “o Nova Consciência pôs Campina Grande na vanguarda das comunidades brasileiras que se interessam pela discussão séria dos problemas do presente, sobretudo aqueles que dizem respeito à evolução espiritual das pessoas neste momento tão conturbado do Brasil e do mundo”, diz a campinense Íris Medeiros, uma das fundadoras do evento e sua principal ideóloga. Ela se refere à “evolução espiritual no seu sentido mais amplo, aquele que diz respeito ao despertar da consciência individual e coletiva – único fator da natureza humana que, quando bem utilizado, distingue o homem dos besouros e das cobras”.
Sem papas na língua, mistura bem paraibana de encanto feminino e vontade de ferro, Íris explica que “o Nova Consciência não é uma iniciativa religiosa, embora a temática religiosa – sobretudo a do necessário diálogo inter-religioso – costume sobressair. É um evento que trata também de religião, mas não apenas. Este ano, por exemplo, escolhemos como temas centrais a questão tão contemporânea e crucial da cultura de paz e da consciência ecológica”.
As múltiplas atividades do encontro acontecem em vários espaços de Campina Grande. O principal deles é o Teatro Municipal Severino Cabral, com capacidade para mil e tantas pessoas sentadas. Melhor chegar cedo para encontrar lugar. Quem chega tarde pode assistir aos trabalhos num telão instalado ao ar livre, ao lado do teatro, junto a carrinhos que oferecem água de coco, espigas de milho cozido, pratinhos de macaxeira frita e outros acepipes da culinária campinense. É bom se prevenir. As conferências e mesas- redondas começam às 9 horas e se estendem até as 23 horas, com breves intervalos para as refeições.
O mundo tem solução
Por Waldemar Falcão
Desde 1997 participo fielmente do Encontro da Nova Consciência. Desde essa data, fascinado por essa experiência única, transferi minha agenda carnavalesca para a cidade de Campina Grande, para ser quase um “sócio” desse evento que é chamado internamente de Almaval ou de Carnaval do Espírito.
Desde 1997 participo fielmente do Encontro da Nova Consciência. Desde essa data, fascinado por essa experiência única, transferi minha agenda carnavalesca para a cidade de Campina Grande, para ser quase um “sócio” desse evento que é chamado internamente de Almaval ou de Carnaval do Espírito.
Na sexta-feira de pré-Carnaval, dia em que o evento começa, há uma cerimônia de abertura com as autoridades presentes, uma ou duas palestras e algumas apresentações artísticas. Normalmente, o palestrante inaugural é o monge beneditino Marcelo Barros, figura simpática e carismática dotada de grande capacidade de comunicação com o público. Praticante ativo do ecumenismo desde os seus tempos de seminarista, padre Marcelo foi secretário de outro expoente do diálogo inter-religioso, o saudoso dom Hélder Câmara.
Dois artistas que já fazem parte do elenco fixo do encontro sempre iluminam a noite de abertura com suas intervenções: são eles o músico e poeta paulistano Alberto Marsicano e a cantora paraibana Sandra Belé. Marsicano hipnotiza o público com sua sitar indiana, enquanto Sandra traz para o palco do Teatro Severino Cabral todo o fascínio da música do Nordeste.
Não foi diferente neste ano de 2008. Um canto de louvação feito em iorubá pelos babalorixás Antonio Logunfemi Epega e Iyá Sandra Medeiros Epega já prenunciava o que viria nos próximos dias.
Quem quer ver tudo que acontece no Encontro da Nova Consciência precisa ter fôlego de gato. É também recomendável que tenha o dom da ubiqüidade para poder acompanhar a maratona de palestras, seminários e oficinas que são oferecidos em diversos locais da cidade. A vontade é de estar presente em todos os eventos oferecidos, mas isso é humanamente impossível.
A parte principal da inicativa se dá no grande Teatro Municipal Severino Cabral, com capacidade para mais de mil pessoas, desde as primeiras horas da manhã até o final da programação, por volta de meia-noite. Mas vários outros auditórios, salas de aula e anfiteatros são cedidos pelas escolas e universidades da cidade para sediar os eventos paralelos que fazem parte da programação.
Parte importante é o lado musical do encontro, realizado todas as noites num palco ao ar livre montado atrás do Teatro Municipal. Inicialmente batizados de “Rock da Consciência”, os espetáculos também se ampliaram e se diversificaram, e agora levam o nome de “Shows da Nova Consciência”, com um sem-número de atrações locais e até mesmo internacionais. O responsável pela produção é o músico Arthur Pessoa, líder da banda Cabruêra, uma das mais interessantes novidades do cenário musical nordestino.
Na “Grande Plenária” que acontece no Teatro Municipal, tivemos este ano uma palestra de Loka Saksi Dasa, do movimento Hare Krishna, que falou sobre o Santhana Dharma, nome que se dá ao conjunto das escrituras sagradas do hinduísmo. O diretor de PLANETA, Luis Pellegrini, outro participante assíduo do encontro, trouxe um testemunho importante sobre a recente viagem que fez à Antártica e as alterações climáticas que estão acontecendo por lá. O continente gelado intensifica e acentua todos os contrastes climáticos mais difíceis de ser percebidos em áreas de clima mais temperado.
No domingo, depois de uma mesa-redonda com especialistas em tarô, o ponto alto no teatro foi o encontro com rezadeiras do sertão paraibano. Elas trouxeram para o encontro a beleza da sabedoria popular e ancestral das preces utilizadas para benzer e “tirar as energias negativas” das pessoas. No final da tarde aconteceu a Caminhada Macroecumênica, ponto alto do evento, que já virou uma tradição. A caminhada leva à praça central de Campina Grande, lugar onde os líderes de todas as tradições espirituais presentes são convidados a fazer uma prece pela paz mundial.
Na segunda-feira, o professor gaúcho Vanderlei Lain expôs sua tese de mestrado em ciência da religião. O tema justamente eram os Encontros da Nova Consciência, examinados como exemplo de diálogo interreligioso contemporâneo.
Na terça-feira foi realizada a mesa-redonda “Direitos Humanos e Diversidade Religiosa no Brasil”, com a participação de Perly Cipriano, titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal; e do deputado federal Luiz Couto, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. As dimensões do Encontro da Nova Consciência já repercutem em Brasília e mobilizam alguns de seus representantes.
A mesa-redonda sobre “previsões” para 2008 teve a receptividade de sempre, lotando o teatro. À noite, o bispo de Campina Grande, dom Jaime Vieira da Rocha, fez uma excelente exposição sobre o “Respeito à Diversidade”.
O Encontro da Nova Consciência é uma mensagem de esperança. Apesar de todas as crises e dificuldades do mundo contemporâneo, quando ele termina, deixa nas mentes e nos corações dos participantes a certeza de que o mundo tem solução. Ela está no exemplo de fraternidade e convivência dado por todos os participantes e colaboradores da Nova Consciência, no Planalto da Borborema, na cidade de Campina Grande, Paraíba, Brasil.
Waldemar Falcão é músico, poeta e escritor.
E haja debate. No primeiro dia, logo após a abertura – com a presença do prefeito Veneziano Vital do Rego, do representante do governador Cássio Cunha Lima, do bispo diocesano de Campina Grande dom Jaime Vieira da Rocha, do padre José Assis Soares, reitor do Seminário Diocesano, de vereadores e de outras autoridades –, o monge beneditino Marcelo Barros discorreu sobre o conceito de cidadania universal. A seguir, uma mesa-redonda sobre religiosidade na cultura contemporânea foi bom exemplo do espírito ecumênico e inter-religioso do Encontro da Nova Consciência. Da mesa participaram o xeque Muhammad Ragip, líder muçulmano de linha sufi; o babalorixá Antônio Logunfemi Epega; Eglé Marien, da Igreja Presbiteriana Bethesda; Fátima Fontes, da Fé Baha’i; e Sebastião Nascimento, da Associação dos Maçons da Paraíba.
No dia seguinte, a mesa-redonda sobre direitos humanos e diversidade religiosa no Brasil constituiu outro exemplo do pluralismo religioso característico da iniciativa. Dessa mesa participaram o advogado Elianildo Nascimento – que é também um dos fundadores e organizadores do evento –, representando a Iniciativa das Religiões Unidas (URI) de Brasília; a ialorixá Iyá Sandra Epega, de São Paulo; o mesmo xeque Muhammad Ragip; o reverendo Antônio Olímpio de Santana, da Igreja Metodista, de São Paulo; o deputado federal Luiz Couto, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados; e Perly Cipriano, da Secretaria Especial de Direitos Humanos de Brasília. Impossível nomear todos os convidados e conferencistas. São cerca de 200, pertencentes às mais variadas opções religiosas.
A importância e o significado do Encontro da Nova Consciência já atingiu inclusive a esfera acadêmica. Várias teses de mestrado e doutorado foram redigidas a partir da análise do conteúdo e do significado do evento. Uma delas, a do gaúcho Vanderlei Lain, mestre em ciências da religião pela Unicap, de Pernambuco, acaba de virar livro: Nova Consciência: a Autonomia Religiosa Pós-Moderna, lançado pela Editora Libertas, de Recife. A tese de Lain é ousada: ele se apóia nas idéias de grandes teóricos contemporâneos como Habermans, Lyotard, Stuart Hill e Vattimo, para apresentar o Encontro da Nova Consciência como um “espaço significativo da vivência religiosa dentro da cultura pós-moderna”. Ou seja, como um espelho dos rumos que a religião assume no momento histórico presente. Para Lain, o comportamento religioso na modernidade é caracterizado pela secularização e pelo pluralismo: exatamente aquilo que o encontro propõe como cenário ideal para o debate contemporâneo sobre religião.
Claro, em Campina Grande nem todos estão felizes e contentes com as dimensões, os rumos e os significados conquistados pela iniciativa ao longo de seus 17 anos de existência. Nem todos admitem com facilidade que, como acontece no âmbito da Nova Consciência, análises da magia e da bruxaria, depoimentos de prostitutas e travestis, relatos de avistamentos ufológicos possam coexistir e intercambiar com preleções sobre ética existencial proferidas por católicos, presbiterianos, espíritas, judeus e muçulmanos, budistas e seguidores da umbanda e do candomblé. Para alguns, todo esse ecletismo e ausência de preconceito é simplesmente demais.
Na linha de frente dos antagonistas estão algumas confissões evangélicas que, por seu lado, e na esteira do sucesso da Nova Consciência, há dez anos também decidiram realizar um megaevento em Campina Grande: o Encontro para a Consciência Cristã. Dizem cobras e lagartos a respeito da Nova Consciência, o encontro que consideram rival, e nunca aceitaram os convites dos seus organizadores para participar do evento em pé de igualdade com as demais correntes.
No entanto, outros encontros religiosos que também escolheram Campina Grande durante o Carnaval para sua realização preferem manter um clima de boa paz e diálogo com o “grande irmão pluralista”, o Encontro da Nova Consciência. Eles são o Movimento de Integração do Espírita Paraibano (Miep), já em sua 35ª edição; o Crescer, encontro de católicos carismáticos; e o mais recente, o Encontro dos Amigos da Torá, em sua segunda edição, um grupo de judeus convertidos e simpatizantes que se autodefinem “judeus messiânicos” e que aceitam Jesus Cristo como mestre. Tudo bem. Na Nova Consciência de Campina Grande há lugar para todos.