29/12/2021 - 12:38
A pandemia ainda não acabou, mas a imunização contra a covid garantiu neste ano certa segurança para atividades interrompidas ao longo de 2020. Para muitos brasileiros, é como se a vacina tivesse trazido a vida de volta.A despeito do negacionismo do presidente, a longeva cultura pró-vacina brasileira falou mais alto e, mesmo com certo atraso no início, a imunização contra a covid-19 avançou de forma eficiente, garantindo que uma alta porcentagem da população já tenha pelo menos as duas doses iniciais. E a terceira dose vem sendo aplicada de forma rápida.
Se a pandemia ainda parece longe de acabar, com a vacinação fica claro que diminui consideravelmente a chance de casos graves e mortes. Aliada a protocolos mais consistentes — de testagens a uso de máscaras — a chamada vida normal passou a recomeçar. Então, para muitos, aqueles sonhos que estavam arquivados desde o comecinho de 2020 encontraram espaço novamente.
A empresária Fabiana Moretti, por exemplo, moradora de Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, se casou. A cerimônia iria ocorrer inicialmente em novembro de 2020. Foi adiada para fevereiro. Depois, para maio. “Ocorreu finalmente agora no dia 3 de dezembro. Conseguimos por conta das vacinas”, diz.
Residente na Itália desde 2009 e com a tradição de rever os familiares brasileiros uma vez por ano, a arquiteta Virginia Arriel Fabri não se encontrava com os pais desde antes da pandemia. Em agosto, depois que ela e o marido italiano tomaram as vacinas, avaliaram que já seria possível comprar passagens aéreas para o Natal no Brasil.
“Pensávamos que a situação da pandemia fosse estar mais tranquila”, comenta ela, que chegou a temer algum cancelamento por conta da nova variante ômicron do coronavírus. Mas por enquanto deu tudo certo: embarcaram em 16 de dezembro e ficam até 5 de janeiro.
Cultura interrompida – e retomada
O fotógrafo gaúcho Bruno Alencastro viveu uma situação inusitada. Na primeira fase da pandemia, isolado em um apartamento no Rio, onde morava, resolveu criar um projeto colaborativo transformando um cômodo da casa em uma câmara escura — e, via internet, ensinando outros entusiastas da fotografia a fazerem o mesmo.
Em pouco tempo, a ideia repercutiu globalmente, com reportagens em sites e jornais estrangeiros, adesão de centenas de participantes e convites para participação em festivais internacionais de fotografia — da Lituânia a Espanha, passando por Nigéria, Itália, Japão e Estados Unidos.
“Foi um paradoxo: ao mesmo tempo que estava feliz com o projeto conquistando lugares que eu sempre almejei no campo da fotografia, havia a tristeza por não poder estar indo junto, representando o trabalho e visitando esses lugares”, comenta ele, que precisou se conformar com participações on-line.
Neste ano, recebeu o convite para um festival de fotografia em Kranj, na Eslovênia. “Confesso que não tinha muita esperança de conseguir ir”, lembra. Mas, já vacinado, decidiu tentar: juntou documentos, acrescentou testagens, caprichou no cumprimento de todos os protocolos e ostentou a carteirinha que comprovava a imunização. Deu certo.
“A vacina foi fundamental, e a experiência me reconectou com as viagens, que sempre foram um hobby meu e da minha mulher. Antes da pandemia, a gente trabalhava para juntar dinheiro e viajar, às vezes quebrando as férias e fazendo duas grandes viagens por ano”, conta.
No interior paulista, o letrólogo e escritor Iago Mendes também viveu uma experiência artística inusitada — ao mesmo tempo causa e efeito da pandemia. Causa porque seu livro Um Grito no Escuro, de poesias, teve a edição viabilizada graças à Lei Aldir Blanc, criada em memória ao compositor vítima de covid-19, com o objetivo de fomentar atividades culturais em um momento em que o setor foi impactado pela pandemia.
Já o efeito pode ser atribuído às vacinas. A obra ficou pronta em junho deste ano, e um lançamento presencial era aventado pelo autor no teatro municipal de Taquarituba, cidade onde ele mora. Precisou esperar que a cobertura vacinal resultasse em uma flexibilização de protocolos. O livro foi apresentado ao público em 20 de novembro.
“A vacinação foi superimportante”, diz. “Pudemos fazer de forma presencial, para o pessoal poder me conhecer e também conhecer minha obra. Pelo meu projeto, a ideia era tentar promover o interesse pela leitura.”
Rotinas recuperadas
“A vacina trouxe minha vida de volta”, diz a diarista paulistana Nelci da Silva Oliveira. “Estou confiante porque estou vacinada. Quando tomei, foi um presente de Deus, foi um luxo.”
Com seu trabalho dividido entre três casas no centro expandido de São Paulo, ela precisava tomar ônibus e metrô para trabalhar — mora na Zona Leste. Nos primeiros cinco meses de pandemia, ficou em casa. “Minhas três patroas seguiram pagando lindamente, maravilhosamente preocupadas. E eu não saía para lugar nenhum”, conta.
Depois, retomou o trabalho — mas sempre utilizando transporte por aplicativo, como o Uber. Só no mês passado, depois de completamente imunizada, voltou a usar transporte público coletivo. “Com uma boa máscara, é claro”, comenta. “Foi muito importante pegar metrô de novo depois de tanto tempo. Eu queria voltar a ter minha vida de sempre.”
Essa vida de sempre também era pelo que ansiava a assistente social aposentada Marina Marques de Napoli, que sentia muita falta das atividades e das amizades de um núcleo de convivência de idosos mantido pela organização Liga Solidária em São Paulo.
Antes da pandemia, ela fazia aulas de ginástica e fisioterapia preventiva oferecidas pela instituição. “Com a parada, senti bastante falta dos movimentos e também da socialização”, conta. A chegada das vacinas, no começou do ano, deixou-a esperançosa quanto ao retorno.
“Eles esperaram que a maioria já estivesse vacinado para reabrir, com uso de máscaras”, relata ela. Isso ocorreu em agosto. “Eu estava tão sequiosa que acabei ingressando em mais atividades. Agora além das que já fazia, também estou no pilates, na dança e no artesanato. Ano que vem talvez eu entre para a turma de ioga.”
“Um sopro de alegria”
A psicóloga Leila Mércia Gardini Zanatta frequentava a Igreja de Cristo em Campo Grande, onde mora, três vezes por semana. De março a outubro do ano passado, esses encontros passaram a ser on-line. Mas Zanatta não retornou naquele momento, “por ser imunossuprimida e por ainda não estar vacinada”.
“Confesso que muitas vezes eu me vi imersa em dias nublados, e era difícil criar uma ilha de tranquilidade em meio ao arquipélago da solidão e incertezas. Tinha muitas e doloridas saudades de estar com meu povo na fé”, comenta.
Zanatta só se sentiu segura para voltar aos encontros religiosos presenciais 15 dias depois de ter tomada a terceira dose, também chamada de dose de reforço. Isso ocorreu em outubro deste ano.
“Mesmo ainda seguindo e praticando as normas de segurança recomendadas, com certeza, a vacina me deu liberdade de voltar com minhas atividades presenciais em vários lugares e principalmente na igreja, um lugar de comunhão e fraternidade, em que sinto minha alma cantar e dançar em alegria e novidade de vida”, diz ela.
“A vacina me deu um sopro de alegria e eu me firmei na esperança”, acrescenta. “A sensação é que minha vida me foi devolvida, integrada, retomada, esperançada. Sinto felicidade em estar com as pessoas, de conversar olhando nos olhos, sentindo a vibração da vida.”