Governo de Donald Trump classificou o suposto grupo venezuelano Cartel de Los Soles como terrorista, em mais um passo para respaldar pressão sobre o país. Não há, contudo, um consenso internacional sobre a designação.Os Estados Unidos incluíram oficialmente nesta segunda-feira (24/11) a suposta facção venezuelana Cartel de los Soles em uma lista de “organizações terroristas estrangeiras”. Segundo Washington, o grupo, supostamente liderado pelo ditador Nicolás Maduro, seria responsável por “violência em todo o hemisfério” e pelo tráfico de drogas para os Estados Unidos e a Europa.

Para Donald Trump, a classificação fundamenta sua campanha de pressão contra o ditador venezuelano Nicolás Maduro , apontado por ele como líder da facção, e lhe dá poder para avançar contra alvos ligados ao narcotráfico na região .

Já o regime da Venezuela respondeu classificando como “mentira ridícula” a designação por parte dos Estados Unidos, argumentando que a organização não existe.

Desde voltou à Casa Branca, em janeiro, Trump incluiu 13 grupos com atuação na América Latina e do Caribe na lista de “organizações terroristas estrangeiras”, que agora conta com 17 facções da região.

Nesse período, os EUA aumentaram sua presença militar perto da costa da Venezuela, enviando navios de guerra, o maior porta-aviões do mundo e caças. Segundo o governo americano, já foram realizados pelo menos 21 ataques contra embarcações supostamente usadas para o tráfico de drogas, matando cerca de 83 pessoas.

No entanto, há controvérsias sobre a classificação, e não existe um sistema mundial único que designe grupos terroristas. Além dos Estados Unidos, organizações internacionais como as Nações Unidas e a União Europeia elaboram listas próprias que identificam pessoas e grupos alvos de sanções.

“Existem algumas convenções contra o terrorismo nas Nações Unidas, mas para designar organizações como terroristas há uma ampla margem de discricionariedade por parte dos Estados, e a margem dos Estados Unidos é mais ampla do que a de outros países do continente”, diz à DW o doutor em Ciência Política Heyder Alfonso, pesquisador do Instituto Colombo-Alemão para a Paz (Capaz).

Além disso, alguns analistas apontam que o Cartel de los Soles não seria, de fato, um cartel ou uma organização integrada ou com hierarquias definidas, mas sim uma designação geral para se referir a corruptos funcionários venezuelanos e militares envolvidos com narcotráfico, que não necessariamente atuam de maneira conectada.

A lista do Departamento de Estado americano impõe medidas como congelar fundos, proibir que americanos realizem transações com os sancionados e promover a cooperação internacional para investigações criminais. Na opinião de Alfonso, designar como terrorista “é uma forma de exacerbar a criminalidade de um grupo armado e, com isso, contar com poderes privilegiados para enfrentá-lo”.

“Cada Estado define o terrorismo como quer, é um exercício retórico para difamar seu inimigo, tirar sua legitimidade e justificar certas ações”, afirma à DW Andreas Feldmann, professor e chefe do departamento de Ciência Política da Universidade de Illinois em Chicago, Estados Unidos.

Como se classifica um grupo terrorista?

“Não existem organizações terroristas em si, que se dediquem única e exclusivamente ao terrorismo. O que acontece é que muitas organizações — de extrema esquerda, extrema direita, nacionalistas, religiosas, entre outras — utilizam esse tipo de tática como parte de seu repertório de ação”, define Feldmann.

Elas se caracterizam pelo ataque direto a civis ou pessoas inocentes, de forma indiscriminada ou aleatória, com o objetivo de gerar medo na população, além das vítimas diretas, e também exercer pressão sobre os governos.

“Como tática, pode servir tanto para fins políticos quanto criminosos”, ressalta o autor do livro “Repertoires of Terrorism in Civil War” (Repertórios do Terrorismo na Guerra Civil, em tradução livre).

Os limites às vezes são difusos. “As organizações são híbridas, em termos de sua forma de ser, sua natureza e suas ações. Grupos paramilitares e guerrilheiros na Colômbia, que têm uma visão ideológica, se envolveram mais no crime. E muitas organizações que em sua origem são criminosas foram incorporando elementos políticos à medida que começaram a controlar a população”.

No Brasil, por exemplo, o debate sobre classificar grupos criminosos como o Comando Vermelho como “narcoterroristas” ganhou tração após o massacre no Complexo do Alemão e da Penha, reduto da facção. O movimento foi visto como um aceno a Trump das alas políticas mais à direita, e criticado por especialistas por transformar o problema da segurança pública em uma disputa ideológica.

Em um relatório sobre a criminalidade na América Latina, o think tank Insight Crime indica que “esses grupos criminosos — conhecidos por seu tamanho e violência — participam do tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, extorsões, roubos, sequestros, homicídios, mineração ilegal e outros crimes”.

Alfonso reforça que as listas variam muito de lugar para lugar. “Elas são muito influenciadas por interesses políticos e menos por indicadores dos grupos”. Em sua opinião, por meio dessas designações, “os Estados Unidos geram pressão sobre os Estados que enfrentam esse grupo, e isso pode ser o prelúdio de processos de interferência na região”.

Veja abaixo os demais grupos latino-americanos designados como terroristas pelos Estados Unidos.

1.Exército de Libertação Nacional (ELN)

O grupo colombiano de origem nacionalista de esquerda surgiu em 1964 inspirado na revolução cubana. No início, sua atuação se concentrava em sequestros, extorsões e ataques a infraestruturas petrolíferas. Está na lista dos Estados Unidos desde 1997.

De acordo com a Insight Crime, o grupo derivou para o tráfico internacional de drogas nos últimos anos e se expandiu para a Venezuela, sendo considerado uma guerrilha binacional. Um relatório publicado pela Fundação Ideias para a Paz (FIP) indica que o grupo tem 6.500 membros.

2. Sendero Luminoso

O movimento guerrilheiro peruano também entrou na lista dos EUA em 1997. Alfonso indica que ele não tem o mesmo nível de influência da década de 90: “Ele reapareceu em Ayacucho há cerca de cinco anos com explosões de baixa potência e, neste momento, tem redutos e manifestações nessa província”. Ele mantém certa atividade em cooperação com o narcotráfico.

3. Dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)

Trata-se de uma série de grupos de ex-membros das Farc, que “surgiram durante e após as negociações de paz entre o governo colombiano e a guerrilha em 2016”, indica o relatório da Insight Crime. Também estão presentes na Venezuela.

Dedicam-se ao cultivo de coca, tráfico de drogas, mineração ilegal e extorsão. O pesquisador da Capaz observa que eles protagonizam disputas territoriais entre si. De acordo com o relatório da FIP, seu contingente seria de cerca de 4.000 membros. Entraram na lista de “organizações terroristas estrangeiras” em 2021.

4. Segunda Marquetalia

Também foi classificado como terrorista em 2021 pelos EUA. Após o Acordo de Paz entre o governo colombiano e as Farc, este grupo armado surgiu de ex-membros das Farc, que voltaram ao conflito armado e alegam “traição do governo aos acordos de paz”, segundo o Insight Crime. Tem forte presença na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela. As negociações iniciadas com o governo de Gustavo Petro fracassaram.

5. Tren de Aragua (TdA)

De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, o Tren de Aragua “é uma organização transnacional originária da Venezuela com células na Colômbia, Peru e Chile, e com relatos de presença esporádica no Equador, Bolívia e Brasil”.

É identificada como um “grupo criminoso brutal, que realizou sequestros, extorquiu empresas, subornou funcionários públicos, autorizou seus membros a atacar e matar agentes da lei americanos e assassinou um opositor venezuelano”. Está na lista americana desde fevereiro de 2025.

6. Mara Salvatrucha (MS-13)

A gangue teve origem em Los Angeles, mas mudou-se para a América Central, afirma o Departamento de Estado dos EUA, que afirma que a MS-13 “recruta, organiza e difunde ativamente a violência em vários países, principalmente na América Central e América do Norte, incluindo El Salvador, Honduras, Guatemala, México e Estados Unidos”.

Os EUA a acusam de numerosos ataques violentos, assassinatos e uso de artefatos explosivos e drones contra funcionários e instalações do governo de El Salvador, além de extorsão e violência pública para intimidar a população civil. Entrou na lista em fevereiro de 2025.

7. Cartel de Sinaloa

Com sede neste estado do México, é um dos cartéis de drogas mais poderosos do mundo e “um dos maiores produtores e traficantes de fentanil e outras drogas ilícitas para os Estados Unidos”, segundo o governo americano. É acusado de assassinar, sequestrar e intimidar civis, funcionários do governo e jornalistas. Está desde fevereiro na lista.

8. Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG)

Está presente em quase todo o México. É acusado de tráfico de fentanil, extorsão, contrabando de migrantes, roubo de petróleo e minerais e comércio de armas. De acordo com o governo dos EUA, ele teria uma rede de contatos em todo o continente, Ásia e Austrália, usaria armamento de nível militar e seria responsável por atos de violência intimidatória, assassinatos de civis e funcionários, policiais e militares, e ataques explosivos com drones. Está na lista de “organizações terroristas estrangeiras” desde fevereiro.

9. Cartel do Nordeste (CDN, ex-Los Zetas)

Originário do nordeste do México, é acusado de tráfico de drogas, sequestro, extorsão e contrabando de pessoas. “O CDN recorre à violência para exercer seu controle criminoso, incluindo ataques contra funcionários públicos no México”, indica a lista do governo dos EUA, na qual foi incluído em fevereiro.

10. Nova Família Michoacana (LNFM)

Sucessora da “Família Michoacana”, é uma organização transnacional violenta com sede no estado de Michoacán, na costa do Pacífico, e opera em vários estados do México.

É apontada como responsável por tráfico de drogas, sequestro e extorsão, ataques a funcionários do governo e pelo uso da violência, “incluindo ataques com drones e explosivos, para exercer seu controle criminoso e aterrorizar comunidades”. Foi incluída na lista em fevereiro.

11. Cartel do Golfo (CDG)

O Departamento de Estado dos EUA o define como “uma organização transnacional violenta com sede no nordeste do México, envolvida no tráfico de drogas, sequestro, extorsão, contrabando de pessoas e outras atividades ilícitas”. Ele é acusado de usar de violência, assassinatos de civis e funcionários do governo “para intimidar a população e controlar o território”, indicada como organização terrorista desde fevereiro.

12. Cárteles Unidos (CU)

Nasceu de uma aliança de vários cartéis e outros grupos em Michoacán, México. É acusado de atividades violentas, causando inúmeras vítimas civis, militares e das forças da lei. Também está na lista desde fevereiro.

13. Viv Ansanm e Gran Grief

Esses dois grupos haitianos foram nomeados em maio como terroristas por tentarem desestabilizar o país.

Viv Ansanm nasceu em 2023 como uma coalizão das duas principais gangues de Porto Príncipe. Ele atacou infraestruturas críticas do Haiti, como prisões, prédios do governo e o aeroporto da capital.

Gran Grif, considerada a maior gangue do departamento de Artibonite, seria responsável por 80% das mortes de civis registradas naquela região, ataques à Polícia Nacional e à missão multinacional da ONU, criada para dar suporte no combate à violência de gangues.

14. Los Choneros e Los Lobos

Entraram na lista em 5 de setembro, acusadas de atacar e ameaçar oficiais e suas famílias, pessoal de segurança, juízes, promotores e jornalistas no Equador. Eles são acusados de terem ligações com grupos terroristas dos EUA, o Cartel de Sinaloa e o Cartel Jalisco Nueva Generación, e de tentarem controlar as rotas do tráfico de drogas no Equador por meio da violência e do terror contra a população. O líder dos Choneros, Fito Macías, foi extraditado em julho para os EUA.

15. Barrio 18

Em 24 de setembro, a gangue transnacional Barrio 18 foi incluída na lista, acusada de realizar ataques contra pessoal de segurança, oficiais e civis em El Salvador, Guatemala e Honduras.

16. Clan del Golfo

Não foi designado pelos Estados Unidos, mas foi classificado pelo Estado colombiano como organização criminosa de alcance nacional, responsável por violência e tráfico de drogas. Também conhecido como Autodefensas Gaitanistas ou Ejército Gaitanista, surgiu após a desmobilização das Autodefensas Unidas de Colombia (AUC). De acordo com o relatório FIP, os grupos armados neste país têm 25 mil membros, dos quais cerca de nove mil pertencem ao Clan del Golfo, a organização que mais cresceu no ano passado.