Cartas secretas e codificadas escritas por Mary Stuart, rainha da Escócia, enquanto ela estava presa na Inglaterra por sua prima, a rainha Elizabeth I, foram descobertas por uma equipe multidisciplinar de decifradores internacionais.

Durante séculos, acreditou-se que o conteúdo das cartas estava perdido. Mas então o cientista da computação e criptógrafo George Lasry, o pianista e professor de música Norbert Biermann e o físico e especialista em patentes Satoshi Tomokiyo tropeçaram nelas enquanto pesquisavam arquivos online para documentos codificados na Biblioteca Nacional da França (BnF).

O trio só descobriu que Mary era a autora depois de resolver seu sofisticado sistema de criptogramas. Seu trabalho de decifração de 57 cartas, apresentado na revista Cryptologia, revela aproximadamente 50 textos até então desconhecidos dos historiadores. Eles datam de 1578 a 1584, alguns anos antes de sua decapitação em 8 de fevereiro de 1587, 436 anos atrás.

As correspondências de Mary expõem percepções fascinantes sobre seu cativeiro. A maioria é endereçada a Michel de Castelnau de Mauvissière, o embaixador francês na Inglaterra. Ele era um defensor da católica Mary, que estava sob a custódia do conde de Shrewsbury quando escreveu as cartas.

Entrevista com George Lasry. Crédito: Taylor & Francis

Experiência notável

“Ao decifrar as cartas, fiquei muito, muito confuso e isso parecia surreal”, disse Lasry, o principal autor, que também faz parte do multidisciplinar Projeto DECRYPT, o qual envolve diversas universidades na Europa, com o objetivo de mapear, digitalizar, transcrever e decifrar criptogramas históricos.

“Quebramos códigos secretos de reis e rainhas anteriormente, e eles são muito interessantes, mas com Mary, rainha dos escoceses, foi notável porque tínhamos muitas cartas inéditas decifradas e porque ela é muito famosa. Essa é uma descoberta verdadeiramente emocionante”, prosseguiu Lasry. “Juntas, as cartas constituem um corpo volumoso de novo material primário sobre Mary Stuart – cerca de 50 mil palavras no total, lançando nova luz sobre alguns de seus anos de cativeiro na Inglaterra.”

Ele acrescentou: “Mary, rainha dos escoceses, deixou um extenso corpo de cartas mantidas em vários arquivos. Havia evidências anteriores, no entanto, de que outras cartas de Mary Stuart estavam faltando nessas coleções, como aquelas referenciadas em outras fontes, mas não encontradas em outro lugar. As cartas que deciframos (…) provavelmente fazem parte dessa correspondência secreta perdida”.

Uma das figuras históricas mais famosas do século 16, Mary era a primeira na linha de sucessão ao trono inglês depois de sua prima Elizabeth.

Novas evidências

Os católicos consideravam Mary a legítima soberana e Elizabeth a manteve presa por 19 anos por ser vista como uma ameaça. Mary acabou sendo executada aos 44 anos por sua suposta participação em uma conspiração para matar Elizabeth.

Durante seu tempo no cativeiro, Mary se comunicava com seus associados e aliados por meio de grandes esforços para recrutar mensageiros e manter sigilo.

A existência de um canal de comunicação confidencial entre Mary e Castelnau é bem conhecida dos historiadores e até do governo inglês da época. Mas Lasry e seus colegas decifradores fornecem novas evidências de que essa troca de mensagens já existia em maio de 1578 e estava ativa até pelo menos meados de 1584.

Usando técnicas computadorizadas e manuais, os autores do estudo decodificaram as cartas, que mostram os desafios que Mary enfrentou para manter os vínculos com o mundo exterior, como as cartas foram transportadas e por quem.

Os principais temas mencionados na correspondência de Mary incluem reclamações sobre sua saúde precária e condições de cativeiro e suas negociações com a rainha Elizabeth I para sua libertação, que ela acreditava não serem conduzidas de boa-fé.

Desconfiança, animosidade e angústia

Sua desconfiança no espião mestre de Elizabeth, sir Francis Walsingham, também era aparente, assim como sua animosidade por Robert Dudley, conde de Leicester e favorito de Elizabeth. Ela ainda expressou sua angústia quando seu filho James (futuro rei James I da Inglaterra) foi sequestrado em agosto de 1582, e sua sensação de que eles haviam sido abandonados pela França.

Escrevendo numa edição especial de Cryptologia, Lasry e seus coautores descrevem como encontraram as cartas pela primeira vez. Algumas estavam em um grande conjunto de documentos não marcados em código e usando o mesmo conjunto de símbolos gráficos.

O catálogo da BnF listava-as desde a primeira metade do século 16, relacionadas com assuntos italianos. No entanto, os autores do estudo dizem que “perceberam rapidamente” – depois de começarem a decifrar o código – que elas foram escritas em francês e “não tinham nada a ver com a Itália”.

Seu trabalho de detetive revelou verbos e advérbios muitas vezes na forma feminina, várias menções de cativeiro e o nome “Walsingham”, que deu origem à suspeita de que poderiam ser de Mary Stuart.

Esse fato foi confirmado comparando tais conteúdos com o texto simples das cartas nos papéis de Walsingham na Biblioteca Britânica e por meio de outros métodos. Uma busca por cartas semelhantes nas coleções da BnF revelou 57 correspondências com o mesmo código.

Descoberta fabulosa

Comentando sobre o novo artigo, John Guy, especialista em Mary Stuart – que escreveu em 2004 uma biografia sobre a rainha escocesa transformada em filme por Hollywood – diz que essa é a descoberta mais significativa sobre Mary em um século.

“Esta descoberta é uma sensação literária e histórica; é fabulosa. Esta é a descoberta mais importante sobre Mary, rainha dos escoceses, em cem anos. Sempre me perguntei se os originais de Castelnau poderiam aparecer um dia, enterrados na Biblioteca Nacional da França ou talvez em algum outro lugar, não identificado por causa da codificação. E agora eles apareceram”, afirmou Guy.

Lasry e seus coautores sugerem, também, que outras cartas codificadas de Mary que se sabe que existiram ainda podem estar faltando. Uma inspeção física dos documentos e pesquisas online são necessárias para descobri-las, acrescentam.

Espera-se, também agora, que o estudo conduza a pesquisas futuras. “Em nosso artigo, fornecemos apenas uma interpretação inicial e resumos das cartas. Uma análise mais profunda pelos historiadores pode resultar em uma melhor compreensão dos anos de cativeiro de Mary”, acrescentou Lasry. “Também seria ótimo, potencialmente, trabalhar com historiadores para produzir um livro editado de suas cartas decifradas, anotadas e traduzidas.”