01/06/2012 - 15:01
Dpois de comer um pedaço de parmesão, a sensação que fica na língua não é salgada, tampouco doce, azeda ou amarga. É umami, o quinto gosto básico, reconhecido pela ciência em 2000. Ele está presente em diversos alimentos do dia a dia, como tomate, peixe, carne e em aditivos alimentares como o glutamato monossódico, o popular Aji-no-moto. Quando sentimos o umami, ocorre um aumento da salivação e prolongamento do gosto após a ingestão do alimento.
Não por acaso, novas pesquisas na área gastronômica buscam explorar melhor esse gosto. A mais recente foi uma expedição à Amazônia peruana realizada em dezembro de 2011, por renomados chefs de cozinha, cientistas e jornalistas, em busca de alimentos com umami. Além de peixes, descobriram que dois frutos tinham o gosto: o araçá-boi e o macambo. A descoberta dos frutos amazônicos ganhou destaque em razão da raridade com que o umami é encontrado nesse tipo de alimento.
Para evitar confusão, é bom lembrar que gosto e sabor são coisas diferentes. Na percepção do gosto, basta o paladar; já a percepção do sabor requer o paladar e o olfato. No Brasil, embora o conceito e o nome do umami não sejam tão populares como no Japão e nos Estados Unidos, muitos chefs já estão de olho nesse gosto, colocando em suas receitas alimentos ricos dele. De julho a setembro de 2011, por exemplo, a rede de restaurantes America, com unidades em São Paulo, São Caetano do Sul e Barueri (SP), ofereceu o “Burger Umami”, composto por ingredientes ricos no gosto, como cebola, tomate, cogumelo shiitake e queijo.
Bom gosto
Ilana Elman Grinberg, doutora em nutrição em saúde pública pela Universidade de São Paulo, fez um estudo sobre a sensibilidade de crianças com câncer ao umami e constatou que “90% delas detectaram o umami nas concentrações mais baixas, o que significa que apresentam sensibilidade a esse gosto”, relata. Concentrações diferentes de glutamato monossódico misturado à água foram servidas com intervalos de degustação em que era oferecida água pura. Os pacientes, então, diziam se havia diferença de gosto entre as amostras. Havia, sem dúvida alguma.
A quimioterapia usada contra câncer pode alterar o paladar, reduzir a percepção do gosto, provocar o ressecamento da boca, náuseas e vômitos. Esses efeitos colaterais ocasionam redução do consumo alimentar, comprometendo o estado nutricional e, consequentemente, a resposta ao tratamento, a qualidade de vida e a sobrevida do paciente. “Meu objetivo com o umami foi descobrir algo que pudesse melhorar o consumo alimentar dos pacientes”, afirma Ilana.
Durante o trabalho, a pesquisadora observou que muitas das comidas ingeridas pelas crianças são industrializadas, como o macarrão instantâneo. A princípio, as mães ficam receosas em oferecer o alimento, pois esse tipo de macarrão apresenta poucos nutrientes e muitos aditivos, entre os quais o glutamato monossódico. “Entretanto, a mãe acaba dando o que a criança consegue comer”, observa. “Então, já que foi identificado o consumo do glutamato nesses produtos, por que não usar o tempero em uma comida mais saudável, melhorando a palatabilidade ou enriquecendo o macarrão instantâneo com legumes e carne?” É bom lembrar que, ao usar o glutamato monossódico, não é preciso adicionar sal, pois o tempero já possui sódio. O glutamato, tal como o sal e o açúcar, deve ter consumo moderado.
O gosto umami também pode contribuir para melhorar a alimentação de idosos. A partir dos 60 anos, há maior dificuldade em identificar cheiros e sabores. Com a redução do paladar, há menos prazer em comer e, portanto, maior risco de doença. Cientistas do Reino Unido acrescentaram alimentos ricos em umami, como tomate e cogumelos, à dieta de idosos hospitalizados. O resultado foi que os pacientes apresentaram melhora de saúde.
Glutamato do bem
Um estudo realizado nos Estados Unidos revelou que os bebês aceitam melhor os gostos doce e umami. “O ácido glutâmico, principal representante do umami, está presente no leite materno. Nosso corpo produz essa substância em grande quantidade”, explica Hellen Maluly, professora de bromatologia e de toxicologia de alimentos da Faculdade Oswaldo Cruz, de São Paulo. A concentração do glutamato aumenta após os três primeiros meses de amamentação, chegando a representar 50% do total de aminoácidos livres no leite.
O glutamato do leite materno é responsável por fornecer energia para as células epiteliais do intestino, as quais formam uma barreira que impede patógenos de chegar à parede do órgão. A glutamina, proveniente do glutamato, atua na produção de um muco que, juntamente com a barreira, auxilia na proteção do intestino.
O processo de digestão também é beneficiado com a presença do glutamato. A substância contribui para o aumento do fluxo salivar e uma ação maior da saliva na formação do bolo alimentar. Ele também estimula a produção e secreção do suco gástrico, sobretudo quando ingerido em uma dieta rica em proteína.
História do umami
O umami foi identificado em 1907 pelo químico japonês Kikunae Ikeda, enquanto degustava tomate, queijo e carne. Ele percebeu que havia um gosto em comum entre eles, diferente dos existentes. A fim de provar sua teoria, realizou experimentos com o dashi kombu, um caldo de alga marinha seca, e conseguiu extrair cristais de ácido glutâmico, ou glutamato livre, batizando o gosto como umami.
Em 1913, foi detectado umami no peixe bonito (Sarda sarda) seco, por Shintaro Kodama. Mas o que proporcionava a sensação nesse primo-irmão do atum não era o glutamato, e sim outra substância química, o inosinato. Já em 1957, Akira Kuninaka descobriu que o guanilato, presente em cogumelos, também proporcionava umami. Apesar dessas descobertas, o quinto gosto só foi aceito em 2000, depois que pesquisadores da Universidade de Miami (EUA), liderados pelo pesquisador Nipura Chaudhari, anunciaram a descoberta de um receptor específico ao umami na língua humana, o mGluR4.
“Os novos estudos mostram que há um efeito sinérgico entre as substâncias umami. Por exemplo, se você faz carne bovina (glutamato e inosinato) e adiciona cogumelos shiitake (guanilato), vai sentir uma continuidade maior do paladar, diferente de quando se come só carne”, afirma Hellen.
Para a professora, uma das maiores contribuições do umami é induzir à ingestão de alimentos que, a princípio, não gostamos. Um exemplo são as folhas escuras, benéficas à saúde, mas frequentemente rejeitadas por serem amargas, como a rúcula e o agrião. Basta acrescentar tomate, queijo, ervilha e milho (todos com alta concentração de umami) à salada e ela se torna mais apetitosa. “Podemos concluir que o umami tem papel na nossa sobrevivência, pois não conseguiríamos viver se sofrêssemos para comer.”