12/09/2025 - 7:36
Para cientista político Paulo Henrique Cassimiro, julgamento da trama golpista é “exemplar”, mas não garante que o país estará livre de novos arroubos antidemocráticos no futuroO julgamento que selou a condenação de Jair Bolsonaro e de aliados, inclusive militares, pela tentativa de golpe do Estado após as eleições de 2022 é “histórico” e projeta o Brasil como um exemplo de defesa à democracia para o resto do mundo.
No entanto, a consolidação do processo jurídico contra a cúpula golpista não quer dizer que o país estará, no futuro próximo, livre de sofrer novos ataques às suas instituições.
Segundo o cientista político Paulo Henrique Cassimiro, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e um dos autores do livro O Populismo Reacionário (2022), a condenação abala o bolsonarismo, mas não o tira do jogo político.
“Para a extrema direita golpista, foi uma derrota substantiva”, diz Cassimiro, em entrevista à DW.
“Mas isso não significa que esse grupo não possa se organizar para as próximas eleições em torno de uma liderança que vai ser menos vocal, do ponto de vista do seu radicalismo, mas ainda assim vai ser tão radical quanto o Bolsonaro, na prática – o que torna essa liderança ainda mais perigosa”, complementa o pesquisador.
Vitrine para o mundo
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Bolsonaro e ex-membros do seu governo – os militares Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno, Braga Netto, Almir Garnier, Mauro Cid; e os ex-ministros civis Anderson Torres e Alexandre Ramagem – de utilizar métodos golpistas para tentar impedir Lula de assumir a Presidência após vencer as eleições de 2022.
“É um julgamento histórico. Não é só a primeira vez que um presidente da República no Brasil é julgado por tentativa de golpe de Estado, como é também a primeira vez que militares envolvidos em tentativa de golpe estão no banco dos réus”, afirma o pesquisador da UERJ.
Além disso, o país, diz Cassimiro, dá um exemplo internacional num momento em que o mundo assiste a Donald Trump avançar o projeto de extrema direita no seu segundo mandato à frente dos Estados Unidos. O republicano não foi punido pela invasão do Capitólio por seus apoiadores, em 2021.
“O Brasil é um caso que está sendo visto internacionalmente como exemplar, de tentativa de manutenção das instituições democráticas diante do assédio de lideranças autoritárias”, diz Cassimiro, citando também países como Hungria e Polônia, que estão há anos tendo que lidar com governos antidemocráticos.
O problema, no entanto, é que a própria sobrevivência política de Trump e da extrema direita internacional pode reverter o processo brasileiro de impedir novos golpes.
“Isso pode beneficiar eventualmente um novo presidente autoritário [no Brasil] que tenha ambição de suprimir as instituições, de usá-las para impedir a competição política, por dentro, e que tenha apoio político, que é o que faltou ao Bolsonaro. O Bolsonaro não conseguiu um consenso entre as elites políticas. Mas isso pode acontecer no futuro”, acrescenta Cassimiro.
Bolsonaro e anistia
Antes da condenação pelo STF, Bolsonaro já tinha sido considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e colocado em prisão domiciliar pelo ministro Alexandre de Moraes, que preside o inquérito das fake news no Supremo.
De acordo com Paulo Henrique Cassimiro, o ex-presidente está enfraquecido, mas não impedido de influenciar os rumos da extrema direita brasileira.
“O Bolsonaro tem capital eleitoral, mobiliza voto. Então ele vai estar no poder de alguma forma. Claro que não com a mesma capacidade de influência, mas ele pode, por exemplo, forçar a indicação de um vice na chapa do Tarcísio [de Freitas]”, diz o cientista político, que vê o atual governador de São Paulo como o principal substituto de Bolsonaro na briga pela Presidência em 2026.
Há ainda a possibilidade de o Congresso votar uma anistia aos condenados pela tentativa de golpe e, dessa forma, reverter o processo jurídico de forma política, lembra.
“O apoio do Bolsonaro a um candidato de extrema direita com uma coalizão de partidos do centrão, que é algo que está se desenhando para 2026, vai ter esse custo. Qualquer candidato que sair com apoio do Bolsonaro, vai precisar assumir esse compromisso da anistia”, afirma.
Caso isso aconteça, continua o pesquisador da UERJ, poderá haver um acirramento ainda maior dos conflitos entre Legislativo e Judiciário, principalmente se o STF considerar um indulto aos crimes do 8 de janeiro como inconstitucional.
“Aumentaria muito a tensão entre Congresso e Supremo e a chance de os partidos do Centrão, que eventualmente votarão pela anistia caso ela seja aprovada – porque não dá para aprovar nenhum grande projeto no Congresso brasileiro sem o Centrão – se reunirem em torno de uma candidatura única e com um discurso antagonizando com o Supremo”, observa. “Isso pode levar a um risco ainda maior da nossa democracia.”
Já para Lula (PT), tendo em vista o embate do ano que vem nas urnas, a estratégia é tentar melhorar a imagem do governo e seguir com o atual presidente como candidato, já que o petista tem liderado as pesquisas.
“A direita tem chance de ganhar eleição, mas o Lula, pelos números, ainda é favorito, o que não significa que a eleição não será competitiva”, pontua.
Militares
Segundo Cassimiro, diferentemente de 1964, quando os militares derrubaram o presidente João Goulart para instaurar uma ditadura, a tentativa de golpe do núcleo bolsonarista não teve o apoio institucional das Forças Armadas.
“Bolsonaro e os outros golpistas só puderam ser condenados, entre outras coisas, porque há testemunhos dos próprios comandantes das Forças Armadas que disseram que realmente houve um pedido do presidente da República que eles interviessem”, diz ele.
“Mas eles não assumiram esse custo. Então não dá pra dizer que o período entre o final de 2022 e 2023 foi uma articulação de golpe que envolveu os militares na sua integridade ou pelo menos a cúpula deles”, complementa o cientista político.
Ele sublinha, no entanto, que esse movimento não elimina a cultura institucional antidemocrática existente nas Forças Armadas, a qual alimenta a ideia de que cabe aos militares arbitrar “conflitos políticos”.
Para Cassimiro, o país perdeu a oportunidade, nos governos Fernando Henrique (PSDB) e nos dois primeiros mandatos de Lula (PT), de aumentar o controle civil sobre os militares.
Isso inclui a Polícia Militar (PM) que, segundo o pesquisador, é uma “caixa-preta da violência política brasileira”.
“O problema é que para enfrentá-las, é preciso um consenso político muito grande para promover mudanças constitucionais na legislação. Isso não vai ser construído no horizonte brasileiro dos próximos anos”, diz Cassimiro.
“[FHC e Lula] talvez tivessem tido essa oportunidade por terem construído um governo popular e com grande consenso no Congresso. E eles não enfrentaram não porque não as julgassem importantes, mas porque as julgavam resolvidas. Foi um erro estratégico dos dois. Elas não estão resolvidas. Estão vivas e candentes e continuarão ameaçando a democracia brasileira”, prevê.