20/04/2025 - 18:11
À medida que pipocam ações judiciais contra deportações de supostos criminosos para El Salvador pelo governo Trump, especialistas apontam o que está em jogo tanto para os detidos quanto para o Estado de direito.Desde que Donald Trump tomou posse em janeiro, imigrantes que se deslocam nos Estados Unidos estão cada vez mais apreensivos com a ameaça de deportação. Mais recentemente, essa ameaça assumiu uma nova dimensão: a possibilidade de acabar em uma prisão de alta segurança em El Salvador.
Desde março, o governo de Trump deportou um total de 271 migrantes salvadorenhos e venezuelanos dos EUA para a megaprisão Cecot em El Salvador. Washington alega que os deportados são membros de organizações criminosas, mas não apresentou nenhuma prova até agora.
Em vez disso, parentes e organizações de direitos humanos alertam que pessoas inocentes, sem registros criminais, foram deportadas. O caso mais emblemático é o do salvadorenho Kilmar Abrego Garcia, que Washington reconheceu ter sido deportado por causa de um erro de procedimento”.
A imprensa dos EUA informou que Abrego Garcia entrou ilegalmente no país em 2011 quando era adolescente para fugir da violência no seu país natal. Embora seu pedido de asilo tenha sido rejeitado em 2019, ele recebeu uma permissão de trabalho e proteção contra deportação devido à ameaça de perseguição. No entanto, o homem de 29 anos, pai de três filhos, foi preso em meados de março e deportado logo em seguida.
Washington agora alega que Abrego Garcia é membro da gangue Mara Salvatrucha, conhecida pela sigla MS-13, fundada na Califórnia por criminosos salvadorenhos nos anos 1980. Seus advogados negam as acusações.
Tanto Trump quanto o presidente salvadorenho Nayib Bukele se recusaram a garantir o retorno de Abrego Garcia aos EUA. Trump também ignorou uma ordem nesse sentido da Suprema Corte dos EUA.
Em vez disso, o presidente dos EUA está publicamente fazendo comentários provocativos com a ideia de mandar cidadãos americanos para o Cecot, ou seja, em uma prisão em outro país.
O Cecot, sigla para Centro de Confinamento do Terrorismo, é a maior prisão de alta segurança da América Latina. Foi inaugurada em janeiro de 2023 e tem espaço para abrigar 40.000 detentos.
Falta de transparência sobre deportados
Ana Maria Mendez Dardon, diretora para a América Central do Washington Office on Latin America, diz que a identidade e o paradeiro dos deportados dos EUA são atualmente desconhecidos. Portanto, não está claro se eles estão de fato sendo mantidos no Cecot ou em outras prisões salvadorenhas.
“Sem saber sua identidade, é difícil verificar se eles realmente têm antecedentes criminais. É por isso que oito congressistas americanos enviaram uma carta ao secretário de Estado Marco Rubio em meio a essa grave crise de direitos humanos, pedindo que ele informe o Congresso sobre os detalhes do acordo” entre os EUA e El Salvador, disse Dardon à DW.
Sem detalhes sobre o acordo de deportação
“O acordo não foi tornado público, o que é uma grave violação dos princípios de transparência e responsabilidade”, aponta Irene Cuellar, pesquisadora sobre a América Central da Anistia Internacional (AI). “No entanto, relatos da imprensa indicam que os EUA estão transferindo US$ 6 milhões para o governo salvadorenho durante um ano para custear a detenção dessas pessoas.”
Ela descreveu a situação dos deportados como “desaparecimento forçado”, pois não lhes foi concedido nem contato com suas famílias nem acesso a aconselhamento jurídico.
Na sua avaliação, o pacto “abre a porta para normalizar a violência institucional como um instrumento de gestão de migração e política externa”. Além disso, o acordo “ataca diretamente os pilares fundamentais de qualquer democracia: A presunção de inocência, o devido processo legal e a proibição absoluta da detenção arbitrária”.
“Ilegal e sem precedentes”
Deportar pessoas dos EUA para depois mantê-las em uma prisão da América Central “é completamente ilegal e sem precedentes”, avalia a advogada salvadorenha Leonor Arteaga Rubio, da Due Process of Law Foundation.
“Em uma democracia, a Justiça deveria ordenar a libertação imediata dessas pessoas. Mas em El Salvador não há independência de Poderes. A Justiça faz o que Bukele quer”, aponta ela, acrescentando que “nenhuma democracia deveria apoiar esse modelo, muito menos imitá-lo”.
Ainda assim, Arteaga Rubio prevê que o acordo será mantido. Tanto Trump quanto Bukele querem enviar a mensagem “de que qualquer um que seja considerado inimigo de Trump pode ser enviado para a prisão de Bukele, que funciona como um buraco negro, uma nova Guantánamo da qual não há saída”, avalia ela. Em El Salvador, nenhum juiz poderia pôr um fim a isso, acrescentou. “A lei nessa prisão é a de Bukele, com o apoio total de Trump.”
Trump contra os tribunais?
Ainda não se sabe como terminará o cabo de guerra jurídico sobre Kilmar Abrego Garcia. O governo Trump se recusou a tomar medidas para repatriar o salvadorenho e continua a acusar o homem de 29 anos de ser membro de uma gangue criminosa sem fornecer nenhuma prova.
“Por que o governo de El Salvador continua a manter preso um homem contra o qual não há nenhuma prova de que ele tenha cometido qualquer crime?”, questionou o senador democrata Chris Van Hollen, do estado americano de Maryland, onde Abrego Garcia morava, após uma reunião com o prisioneiro em El Salvador.
Ao mesmo tempo em qua a mídia dos EUA lança dúvidas sobre o suposto passado criminoso de outros deportados para o Cecot, o senador Van Hollen acusou o governo Trump de mentir e criticou o desrespeito às ordens judiciais.
“Limbo jurídico”
Existe o risco de que nem os tribunais salvadorenhos nem os americanos possam decidir o destino dos deportados. Dessa forma, tudo pode depender da “vontade política” das autoridades envolvidas, avalia Roberto Lopez Salazar, coordenador do Observatório de Direitos Humanos da Universidade Centro-Americana José Simeón Canas, em El Salvador. Lopez Salazar acredita que a pressão internacional é necessária para garantir que o caso não acabe em um estado de limbo jurídico ou termine em impunidade.
Irene Cuellar, da Anistia Internacional, vê o quadro com mais preocupação: “Enquanto não houver consequências políticas ou jurísicas reais, há um risco crescente de que esse modelo de política de controle migratório seja exportado para outros países.”