01/09/2021 - 10:29
As anãs marrons não são exatamente estrelas nem planetas. E um novo estudo sugere que pode haver mais delas à espreita em nossa galáxia do que os cientistas pensavam anteriormente. O trabalho foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters.
A pesquisa oferece uma explicação tentadora de como um objeto cósmico peculiar chamado WISEA J153429.75-104303.3 – apelidado de “O Acidente” – veio a surgir. O Acidente é uma anã marrom. Embora se formem como estrelas, esses objetos não têm massa suficiente para iniciar a fusão nuclear, o processo que faz com que as estrelas brilhem. E embora as anãs marrons às vezes desafiem a caracterização, os astrônomos têm uma boa compreensão de suas características gerais. Ou tinham, até que encontraram esse objeto.
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Desafio às expectativas
O Acidente ganhou esse nome depois de ser descoberto por pura sorte. Ele escapou das pesquisas normais porque não se parece com nenhuma das pouco mais de 2 mil anãs marrons encontradas em nossa galáxia até agora.
Conforme envelhecem, as anãs marrons esfriam e seu brilho em diferentes comprimentos de onda de luz muda. Não é diferente de como alguns metais, quando aquecidos, vão do branco brilhante ao vermelho profundo à medida que esfriam. O Acidente confundiu os cientistas porque estava fraco em alguns comprimentos de onda importantes, sugerindo que estava muito frio (e antigo), mas claro em outros, indicando uma temperatura mais alta.
“Esse objeto desafiou todas as nossas expectativas”, disse Davy Kirkpatrick, astrofísico do Centro de Processamento e Análise em Infravermelho (Ipac) do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) em Pasadena (EUA). Ele e seus coautores postulam em seu novo estudo que O Acidente pode ter de 10 bilhões a 13 bilhões de anos – pelo menos o dobro da idade média de outras anãs marrons conhecidas. Isso significa que ele teria se formado quando a Via Láctea era muito mais jovem e tinha uma composição química diferente. Se for esse o caso, provavelmente há muito mais dessas anãs marrons antigas à espreita em nossa vizinhança galáctica.
Perfil peculiar
O Acidente foi detectado pela primeira vez pelo telescópio Near-Earth Object Wide-Field Infrared Survey Explorer (Neowise), da Nasa, lançado em 2009 sob o apelido de Wise e gerenciado pelo Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa no sul da Califórnia. Como são objetos relativamente frios, as anãs marrons irradiam principalmente luz infravermelha, ou comprimentos de onda maiores do que o olho humano pode ver.
Para descobrirem como O Acidente poderia ter tais propriedades aparentemente contraditórias – alguns sugerindo que é muito frio, outros indicando que é muito mais quente –, os cientistas precisavam de mais informações. Então, eles o observaram em comprimentos de onda infravermelhos adicionais com um telescópio terrestre no Observatório W. M. Keck, no Havaí. Mas a anã marrom parecia tão fraca naqueles comprimentos de onda que eles não conseguiram detectá-la, aparentemente confirmando a sugestão de que estava muito fria.
Em seguida, eles decidiram determinar se a penumbra resultava do fato de O Acidente estar mais distante da Terra do que o esperado. Mas não foi esse o caso, de acordo com medições precisas de distância pelos telescópios espaciais Hubble (Nasa/ESA) e Spitzer (Nasa). Tendo determinado a distância do objeto – cerca de 50 anos-luz da Terra –, a equipe percebeu que ele está se movendo rapidamente – cerca de 800 mil quilômetros por hora. Ou seja: é muito mais rápido do que todas as outras anãs marrons conhecidas situadas a essa distância da Terra. Isso significa que o objeto provavelmente está girando pela galáxia por um longo tempo, encontrando objetos massivos que o aceleram com sua gravidade.
Com diversas evidências sugerindo que O Acidente é extremamente antigo, os pesquisadores propõem que suas propriedades estranhas não são estranhas e que podem ser uma pista de sua idade.
Pouco metano
Quando a Via Láctea se formou, há cerca de 13,6 bilhões de anos, era composta quase inteiramente de hidrogênio e hélio. Outros elementos, como carbono, foram formados dentro das estrelas; quando as estrelas mais massivas explodiram como supernovas, elas espalharam os elementos por toda a galáxia.
O metano, composto de hidrogênio e carbono, é comum na maioria das anãs marrons que têm uma temperatura semelhante à de O Acidente. Mas o perfil de luz de O Acidente sugere que ele contém muito pouco metano. Como todas as moléculas, o metano absorve comprimentos de onda específicos da luz, de modo que uma anã marrom rica em metano seria fraca nesses comprimentos de onda. O Acidente, por outro lado, é brilhante nesses comprimentos de onda, o que pode indicar níveis baixos de metano.
Assim, o perfil de luz de O Acidente poderia ser igual ao de uma anã marrom muito velha que se formou quando a galáxia ainda era pobre em carbono. Muito pouco carbono na formação significa muito pouco metano em sua atmosfera hoje.
“Não é uma surpresa encontrar uma anã marrom tão velha, mas é uma surpresa encontrar uma em nosso quintal”, disse Federico Marocco, astrofísico do Ipac no Caltech que conduziu as novas observações usando os telescópios Keck e Hubble. “Esperávamos que anãs marrons tão antigas existissem, mas também esperávamos que fossem incrivelmente raras. A chance de encontrar uma tão perto do Sistema Solar pode ser uma feliz coincidência, ou nos diz que são mais comuns do que pensávamos.”
Acidente de sorte
Para encontrar anãs marrons mais antigas como O Acidente – se elas estiverem por aí –, os pesquisadores podem ter que mudar a forma como procuram por esses objetos.
O Acidente foi descoberto pelo cientista cidadão Dan Caselden, que estava usando um programa online que ele construiu para encontrar anãs marrons em dados do Neowise. O céu está cheio de objetos que irradiam luz infravermelha; em geral, esses objetos parecem permanecer fixos no céu, devido à sua grande distância da Terra. Mas como as anãs marrons são tão fracas, elas são visíveis apenas quando estão relativamente perto da Terra, e isso significa que os cientistas podem observá-las se movendo no céu durante meses ou anos. (O Neowise mapeia todo o céu uma vez a cada seis meses.)
O programa de Caselden tentou remover os objetos infravermelhos estacionários (como estrelas distantes) dos mapas do Neowise e destacar objetos em movimento que tinham características semelhantes às anãs marrons conhecidas. Ele estava olhando para uma dessas candidatas a anã marrom quando avistou outro objeto muito mais fraco movendo-se rapidamente pela tela. Era o WISEA J153429.75-104303.3, que não havia sido destacado porque não correspondia ao perfil do programa de uma anã marrom. Caselden o pegou por acidente.
“Essa descoberta está nos dizendo que há mais variedade nas composições das anãs marrons do que vimos até agora”, disse Kirkpatrick. “Provavelmente existem mais (composições) estranhas por aí, e precisamos pensar em como procurá-las.”