09/06/2022 - 11:29
Quando alguém contrai uma infecção, a maioria das pessoas pensa que é o sistema imunológico entrando em ação quando elas sentem algumas das defesas naturais do corpo, como febre, calafrios ou fadiga. O que a maioria das pessoas não sabe é que na verdade o cérebro está por trás de tudo isso.
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Eis o que acontece: o sistema nervoso “fala” com o sistema imunológico para descobrir que o corpo tem uma infecção e então orquestra uma série de alterações comportamentais e fisiológicas que se manifestam como sintomas desagradáveis de doença. Para os neurocientistas, as perguntas de longa data são: como e onde isso acontece no cérebro? Pesquisadores dos laboratórios de Catherine Dulac e Xiaowei Zhuang na Universidade Harvard (EUA) buscaram a resposta no cérebro de camundongos.
Em um novo estudo publicado na revista Nature, os pesquisadores e seus colaboradores descrevem a descoberta de uma pequena população de neurônios perto da base do cérebro que pode induzir sintomas de doença, incluindo febre, perda de apetite e comportamento de busca por calor.
Habilidade rara
Os neurônios, que não haviam sido descritos anteriormente, são encontrados em uma área do hipotálamo, uma parte do cérebro conhecida por controlar as principais funções homeostáticas que mantêm o corpo em um estado equilibrado e saudável. Os pesquisadores descobriram que esses neurônios têm receptores capazes de detectar diretamente sinais moleculares provenientes do sistema imunológico, uma habilidade que a maioria dos neurônios não possui.
“Foi importante para nós estabelecer esse princípio geral de que o cérebro pode até sentir esses estados imunológicos”, disse Jessica Osterhout, pesquisadora de pós-doutorado no laboratório de Dulac e principal autora do estudo. “Isso era mal compreendido antes.”
Os pesquisadores descobriram que a área-chave do hipotálamo está localizada ao lado de uma seção permeável do cérebro chamada barreira hematoencefálica, que ajuda a fazer o sangue circular para o cérebro.
“O que está acontecendo é que as células da barreira hematoencefálica que estão em contato com o sangue e com o sistema imunológico periférico são ativadas e essas células não neuronais secretam citocinas e quimiocinas que, por sua vez, ativam a população de neurônios que nós encontrado”, disse Dulac, professora do Departamento de Biologia Molecular e Celular do Instituto Médico Howard Hughes, da Universidade Harvard.
Mecanismo a ser decifrado
A esperança é que os cientistas possam um dia usar o conhecimento de como esse mecanismo funciona para direcionar o processo em humanos a fim de revertê-lo quando ele se tornar aversivo à saúde de alguém.
A febre, por exemplo, é tipicamente uma reação saudável que ajuda a eliminar um patógeno. Mas quando fica muito alta, também pode se tornar perigosa. O mesmo pode ser dito para a perda de apetite ou a diminuição da sede, o que pode, a princípio, ser benéfico. Mas uma falta sustentada de nutrientes ou hidratação começa a impedir a recuperação.
“Se soubermos como [o mecanismo] funciona, talvez possamos ajudar os pacientes que têm dificuldade com esses tipos de sintomas, como pacientes de quimioterapia ou com câncer, por exemplo, que têm um apetite muito baixo, mas não há realmente nada que possamos fazer por eles”, disse Osterhout.
Neurônios ativados e silenciados
O trabalho começou inicialmente como um esforço para analisar o que é conhecido como o efeito da febre em pacientes com autismo. É um fenômeno em que esses pacientes têm uma redução nos sintomas autistas quando apresentam sintomas de uma infecção como febre. O objetivo era encontrar os neurônios que geram a febre e ligá-los aos neurônios que estão envolvidos com o comportamento social.
Em vez disso, Osterhout encontrou muitas populações de neurônios que são ativados quando um animal está doente. Ela se concentrou em cerca de 1.000 neurônios na área pré-óptica medial ventral do hipotálamo por causa de sua localização próxima à barreira hematoencefálica.
Para encontrar as diferentes áreas de neurônios que são ativadas, Osterhout injetou em camundongos agentes pró-inflamatórios, lipopolissacarídeos ou ácido policitidílico, que imitam infecções bacterianas ou virais. Ela analisou as áreas do cérebro que se iluminaram nos exames por imagem do cérebro.
Osterhout e colegas então usaram um conjunto poderoso e preciso de métodos chamados quimio e optogenética para controlar e investigar a conectividade entre as diferentes populações neuronais. Com tais ferramentas, eles conseguiram ativar ou silenciar esses neurônios sob comando no cérebro de camundongos e determinar sua função vendo o que acontecia.
Portas abertas
Os pesquisadores descobriram que, usando essas ferramentas, poderiam aumentar a temperatura corporal dos camundongos, aumentar o comportamento de busca de calor e diminuir o apetite. O estudo diz que os neurônios que eles descrevem se projetam para 12 áreas do cérebro, algumas das quais são conhecidas por controlar a sede, a sensação de dor e as interações sociais. Isso sugere que outros comportamentos de doença também podem ser afetados pela atividade do neurônio aqui.
Durante os experimentos, os cientistas também notaram ativação e ampliação da atividade nessa população de neurônios quando moléculas do sistema imunológico emitiam sinais aumentados. Isso sugere que o cérebro e o sistema imunológico estavam se comunicando por meio de sinalização parácrina no local em que se concentraram – a área pré-óptica medial ventral e a barreira hematoencefálica bem próxima a ela. A sinalização parácrina é quando as células produzem um sinal para desencadear mudanças nas células próximas.
Osterhout disse que o processo expandiu sua compreensão de como os neurônios funcionam. “Como neurocientistas, muitas vezes pensamos em neurônios ativando outros neurônios e não que esses outros tipos parácrinos ou métodos de secreção sejam realmente críticos”, afirmou ela. “Isso mudou a forma como eu pensava sobre o problema.”
Os cientistas planejam explorar ainda mais as outras áreas que os neurônios encontrados projetam e aplicar seus aprendizados para revisitar o efeito da febre em pacientes com autismo. “Há muito mais para olharmos no futuro”, disse Dulac.