14/05/2020 - 11:11
Os lagartos caminhavam pela região onde hoje é a América do Sul pelo menos 20 milhões de anos antes do que se pensava. A descoberta foi descrita no artigo Discovery of the oldest South American fossil lizard illustrates the cosmopolitanism of early South American squamates, publicado pela revista “Communications Biology”, do grupo Nature.
O fóssil do animal, batizado de Neokotus sanfranciscanus, foi encontrado no município de João Pinheiro, região noroeste de Minas Gerais, por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Harvard (EUA) e da Universidade de Alberta (Canadá), em pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp).
“O estudo mostrou que a diversidade de lagartos e serpentes no Cretáceo da América do Sul era mais cosmopolita (ou seja, uma fauna mais generalizada), em contraste com a fauna atual, bem mais endêmica. A descoberta é importante para entender como se deu a evolução da biodiversidade no continente desde a época dos dinossauros”, explica o professor Jonathas Bittencourt, do Laboratório de Paleontologia e Macroevolução do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG e coordenador da pesquisa.
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Período de diversificação
A espécie tem cerca de 135 milhões de anos, 20 milhões a mais que os fósseis de lagarto até então encontrados no continente. O parentesco do Neokotus sanfranciscanus foi descoberto graças à comparação com espécies fósseis e viventes, com dados de anatomia e sequenciamento de DNA. As características únicas da dentição do novo lagarto revelam que ele faz parte da família Paramacellodidae, extinta há pelo menos 66 milhões de anos e até então desconhecida na América do Sul.
“A maioria das espécies de lagartos fósseis é proveniente do hemisfério norte. Apenas uma pequena porção dessa diversidade antiga é conhecida para a América do Sul, África, Oceania e Antártida. A maior parte dos lagartos fósseis da América do Sul foi descoberta no Brasil, e nossos achados demonstram sua relevância para entender os padrões globais da evolução do grupo, bem como a origem e evolução das cerca de duas mil espécies viventes de lagartos e serpentes sul-americanas”, afirma Tiago Simões, pesquisador de Harvard e coautor do artigo.
A ocorrência do lagarto data do período Cretáceo, entre 145 e 66 milhões de anos atrás. “Esse período é extremamente interessante para a evolução da vida na Terra. Houve grande diversificação de répteis e aves, a origem de alguns grupos de mamíferos, a separação dos continentes do sul, que estavam juntos desde a época da Pangeia [o supercontinente original], além da grande extinção no fim do período, que dizimou não só dinossauros, mas diversos outros grupos de animais e plantas”, diz Bittencourt.
Do dente de tubarão ao lagarto franciscano
Os pesquisadores do Laboratório de Paleontologia e Macroevolução da UFMG trabalham desde 2012 na busca de fósseis na região norte de Minas Gerais. Em 2017, na cidade de João Pinheiro, foi encontrado um dente de tubarão grudado em uma rocha do período Cretáceo. Além de menor, o dente era diferente dos materiais de outros peixes cartilaginosos conhecidos na localidade.
Para fazer a análise, a rocha foi mergulhada em solução de água oxigenada a 30%, deixando apenas o fóssil, sem qualquer dano. Outras amostras semelhantes passaram pelo mesmo processo, revelando uma grande variedade de pequenos restos de tubarões, descoberta publicada na revista “Historical Biology”.
Nas amostras analisadas, foi encontrado um pequeno osso com dentes, depois falanges, vértebras, uma cintura pélvica quebrada e um fragmento de osso maxilar. Os pesquisadores então se deram conta de que não era um peixe, mas um lagarto. Com base em análise filogenética, foi feita a identificação de que se tratava de espécie desconhecida até então.
“O Neokotus tem uma dentição peculiar, com bases espessas e ápices não divididos e recurvados para dentro da boca, provavelmente usados para capturar insetos”, conta Bittencourt. Essas características únicas ajudaram no batismo do animal. Neokotus, que vem do grego, significa “novo e estranho”, e sanfranciscanus diz respeito ao lugar onde ele foi encontrado, na Bacia do Rio São Francisco.