Cientistas registraram com sucesso a atividade cerebral de polvos que se movem livremente, uma façanha possibilitada pela implantação de eletrodos e um registrador de dados diretamente nas criaturas.

O estudo, que envolveu uma colaboração internacional entre pesquisadores no Japão, Itália, Alemanha, Ucrânia e Suíça e foi publicado online na revista Current Biology, é um passo crítico para descobrir como os cérebros dos polvos controlam seu comportamento e pode fornecer pistas para os princípios comuns necessários para a ocorrência de inteligência e cognição.

“Se quisermos entender como o cérebro funciona, os polvos são o animal perfeito para estudar em comparação com os mamíferos. Eles têm um cérebro grande, um corpo incrivelmente único e habilidades cognitivas avançadas que se desenvolveram de forma completamente diferente das dos vertebrados”, disse a drª Tamar Gutnick, primeira autora e ex-pesquisadora de pós-doutorado na Unidade de Física e Biologia do Instituto de Ciências e Tecnologia de Okinawa (OIST, no Japão).

Os polvos são moluscos, um grande grupo evolutivo ao qual também pertencem as lesmas e os caracóis. Seus cérebros complexos e os de outros cefalópodes intimamente relacionados, como lulas e chocos, evoluíram separadamente dos vertebrados e, portanto, os polvos são frequentemente chamados de alienígenas. Aqui, um polvo diurno (Octopus cyanea) posa com um Shisa, uma criatura do folclore de Okinawa. Crédito: Michael Kuba

Desafio técnico

Mas medir as ondas cerebrais dos polvos provou ser um verdadeiro desafio técnico. Ao contrário dos vertebrados, os polvos têm corpo mole, portanto não têm crânio para ancorar o equipamento de gravação, a fim de evitar que ele seja removido.

“Os polvos têm oito braços poderosos e ultraflexíveis, que podem alcançar absolutamente qualquer parte do corpo”, disse a drª Gutnick. “Se tentássemos conectar fios a eles, eles os arrancariam imediatamente, então precisávamos de uma maneira de deixar o equipamento completamente fora de seu alcance, colocando-o sob a pele.”

Os pesquisadores escolheram registradores de dados pequenos e leves como solução, que foram originariamente projetados para rastrear a atividade cerebral dos pássaros durante o voo. A equipe adaptou os dispositivos para torná-los à prova d’água, mas ainda pequenos o suficiente para caber facilmente dentro dos polvos. As baterias, que precisavam funcionar em um ambiente com pouco ar, permitiam até 12 horas de gravação contínua.

Tamanho maior

Os pesquisadores escolheram o Octopus cyanea, mais conhecido como polvo diurno, como animal modelo, devido ao seu tamanho maior. Eles anestesiaram três polvos e implantaram um registrador de dados em uma cavidade na parede muscular do manto (dobra de tecido que recobre a massa visceral). Os cientistas então implantaram os eletrodos em uma área do cérebro do polvo chamada de lobo vertical e lobo frontal medial superior, que é a área mais acessível. Acredita-se que essa região do cérebro também seja importante para o aprendizado visual e a memória, que são processos cerebrais que a drª Gutnick tem particular interesse em entender.

Concluída a cirurgia, os polvos foram devolvidos ao seu tanque doméstico e monitorados por vídeo. Após cinco minutos, os polvos se recuperaram e passaram as 12 horas seguintes dormindo, comendo e se movimentando pelo tanque, enquanto sua atividade cerebral era registrada. O registrador e os eletrodos foram então removidos dos polvos e os dados foram sincronizados com o vídeo.

Os pesquisadores identificaram vários padrões distintos de atividade cerebral, alguns dos quais eram semelhantes em tamanho e forma aos observados em mamíferos, enquanto outros eram oscilações lentas e de longa duração que não haviam sido descritas antes.

Os pesquisadores registraram a atividade cerebral de um polvo por 12 horas. Aqui, o polvo está em sono ativo, uma fase em que há rápidas mudanças de cor e textura, bem como rápido movimento de sucção. Crédito: OIST

Aprendizagem e memória

Os pesquisadores ainda não conseguiram vincular esses padrões de atividade cerebral a comportamentos específicos nos vídeos. No entanto, isso não é totalmente surpreendente, explicou a drª Gutnick, pois eles não exigiam que os animais realizassem tarefas específicas de aprendizado.

“Esta é uma área que está associada à aprendizagem e à memória, por isso, para explorar esse circuito, precisamos mesmo fazer tarefas repetitivas de memória com os polvos. Isso é algo que esperamos fazer muito em breve!”

Os pesquisadores também acreditam que esse método de registrar a atividade cerebral de polvos que se movem livremente pode ser usado em outras espécies de polvos e pode ajudar a resolver questões em muitas outras áreas da cognição dos polvos, incluindo como eles aprendem, socializam e controlam o movimento de seu corpo e braços.

“Este é um estudo realmente fundamental, mas é apenas o primeiro passo”, disse o prof. Michael Kuba, que liderou o projeto na Unidade de Física e Biologia do OIST e agora continua na Universidade de Nápoles Federico II (Itália). “Os polvos são muito inteligentes, mas até agora sabemos bem pouco sobre como seus cérebros funcionam. Essa técnica significa que agora temos a capacidade de examinar o cérebro deles enquanto eles realizam tarefas específicas. Isso é realmente empolgante e poderoso.”