26/07/2022 - 9:14
A Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico – que leva águas quentes do hemisfério sul para o hemisfério norte, e traz águas frias do hemisfério norte para o hemisfério sul – é um mecanismo fundamental para a regulação do clima do planeta. Essa célula já colapsou no passado, devido a fatores naturais, e seu último colapso teve papel crucial no processo de deglaciação. Agora, a célula está outra vez ameaçada, por causa do aquecimento global. E uma pesquisa recentíssima descobriu a sequência de eventos que provoca o colapso.
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O estudo foi realizado por pesquisadores alemães e brasileiros e teve como um dos autores principais o paleoclimatologista Cristiano Mazur Chiessi, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Artigo a respeito foi publicado em Nature Communications: “Subsurface ocean warming preceded Heinrich Events”.
“Investigando sedimentos marinhos coletados entre o Canadá e a Groenlândia, descobrimos que, no passado, o aquecimento da subsuperfície oceânica daquela região fez com que as grandes geleiras que um dia cobriram os territórios que correspondem ao Canadá e ao norte dos Estados Unidos liberassem quantidades colossais de icebergs no Atlântico”, diz Chiessi à Agência Fapesp.
Identificação de sedimentos
Uma vez no oceano, esses icebergs sofreram derretimento e depositaram sedimentos continentais no fundo. “Foi exatamente a identificação desses sedimentos que, em conjunto com a reconstituição da temperatura da subsuperfície da região, permitiu, pela primeira vez, estabelecer que o aquecimento da subsuperfície precedeu a liberação maciça de icebergs.”
O enorme volume de água doce produzido pelo derretimento dos icebergs modificou a composição do oceano nas altas latitudes do hemisfério norte. E isso exerceu um tremendo impacto sobre o clima global, porque a região compreendida entre o Canadá e a Groenlândia é um sítio particularmente sensível da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico.
“Essa gigantesca circulação transporta, na superfície, águas quentes e de baixa densidade do Atlântico Sul para o Atlântico Norte. Nas altas latitudes do Atlântico Norte, essas águas superficiais liberam calor para a fria atmosfera. Com isso, ganham densidade e afundam na coluna de água. Uma vez nas profundezas, as águas agora frias e de alta densidade retornam para o sul, até os arredores da Antártica, onde voltam à superfície forçadas por um intenso processo de ressurgência. Ao chegarem à superfície, as águas são aquecidas, perdem densidade e fecham a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico”, descreve Chiessi.
O destaque é que essa circulação não transporta apenas uma enorme quantidade de água, de aproximadamente 18 milhões de metros cúbicos por segundo. Ela também transporta uma quantidade exorbitante de energia: cerca de 100 mil vezes a energia produzida pela usina hidrelétrica de Itaipu. A distribuição espacial dessa energia influencia decisivamente o clima em diversas regiões do planeta, incluindo o Brasil. Enquanto uma circulação vigorosa mantém o clima que conhecemos, seu colapso causa uma marcante redistribuição de energia, alterando o clima.
Vários colapsos
A pesquisa recebeu apoio da Fapesp por meio do projeto “Perspectivas pretéritas sobre limiares críticos do sistema climático: a Floresta Amazônica e a célula de revolvimento meridional do Atlântico”, coordenado por Chiessi.
A Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico colapsou diversas vezes durante o último período glacial, compreendido entre aproximadamente 71 mil e 12 mil anos antes do presente. Outros estudos coordenados por Chiessi, baseados em sedimentos marinhos coletados entre a costa da Venezuela e o Nordeste do Brasil, mostraram que esses colapsos provocaram aumento torrencial de chuvas no Nordeste e forte diminuição da precipitação sobre a Venezuela e o extremo norte da Amazônia. Diminuições de precipitação também foram descritas nas regiões tropicais do norte da África e da Ásia.
Ao descobrirem que o aquecimento subsuperficial das altas latitudes do Atlântico Norte precedeu a liberação maciça de icebergs do Canadá e dos Estados Unidos para o oceano Atlântico, os pesquisadores conseguiram estabelecer a sequência de eventos responsável pelo colapso da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico.
“O processo se inicia com um enfraquecimento aparentemente de menor relevância da Célula, que causa o aquecimento subsuperficial nas altas latitudes do Atlântico Norte. Este aquecimento derrete a base das geleiras com terminações oceânicas e faz com que elas se movimentem rapidamente em direção ao oceano, liberando quantidades colossais de icebergs. O derretimento dos icebergs diminui a salinidade das águas superficiais da região, que não atingem mais a densidade necessária para afundarem. E isso faz a Célula colapsar”, informa Chiessi.
Enfraquecimento
O monitoramento da intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico durante as últimas décadas mostra que ela está enfraquecendo. As três principais causas para o enfraquecimento são a intensificação das chuvas nas altas latitudes do Atlântico Norte, o derretimento da calota de gelo existente sobre a Groenlândia e o aquecimento da superfície do planeta. As três causas estão associadas ao aumento da concentração dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera terrestre, devido à ação humana (veja reportagem a respeito publicada na Agência Fapesp em https://agencia.fapesp.br/23015/).
A descoberta realizada agora indica que o enfraquecimento em curso deve causar um aquecimento subsuperficial anômalo nas altas latitudes do Atlântico Norte, derretendo a base das geleiras com terminações oceânicas existentes hoje sobre a Groenlândia. E isso, em última instância, pode colapsar a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, agravando ainda mais, e com grande repercussão, a crise climática.
O artigo “Subsurface ocean warming preceded Heinrich Events” pode ser acessado em https://www.nature.com/articles/s41467-022-31754-x.