23/06/2020 - 9:28
O simpático peixe-boi não é um peixe. É um mamífero aquático, que vive em águas rasas e pertence à família dos triquequídeos, ou Trichechidae. Sabe-se pouco sobre a evolução dessa família, composta atualmente de três espécies: o peixe-boi-marinho, que habita a Flórida e as costas do Brasil e do Caribe (Trichechus manatus); o amazônico, que vive no rio Amazonas, nos estados do Pará e do Amazonas (Trichechus inunguis); e o africano, cujo habitat são os rios e as áreas costeiras da África Ocidental (Trichechus senegalensis).
Equipes dos laboratórios de Evolução de Mamíferos e de Paleozoologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) descobriram uma quarta e nova espécie fóssil de peixe-boi, o Trichechus hesperamazonicus, ou peixe-boi do oeste da Amazônia. Trata-se do primeiro registro de uma espécie fóssil do gênero Trichechus. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista “Journal of Vertebrate Paleontology”, da Sociedade de Paleontologia de Vertebrados dos Estados Unidos.
O professor Mario Cozzuol, do Departamento de Zoologia do ICB e um dos autores da pesquisa, lembra que existem espécies fósseis da família Trichechidae. “O que ainda não havia sido encontrado eram espécies fósseis do gênero Trichechus. De qualquer forma, fósseis dessa família são raros”, ressalta. Todos os outros fósseis até então conhecidos são atribuídos a espécies viventes. Os cientistas já tinham descoberto fósseis da família Trichechus na Amazônia, mas nenhum de espécie extinta.
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Características únicas
Os pesquisadores analisaram mandíbulas e fragmentos de crânio fossilizados que compartilham características com os de três espécies atuais de peixe-boi. Ao mesmo tempo, esse material apresenta uma série de características únicas. Uma delas é o amplo espaço entre a série dentária inferior e a porção posterior da mandíbula, o que pode indicar músculos mastigatórios mais desenvolvidos do que nas espécies atuais.
Especialista em mamíferos fósseis, Mario Cozzuol afirma que o animal viveu em Rondônia, na Bacia Amazônica, em uma região de corredeiras, que deixou de ser um ambiente propício para a sobrevivência da espécie. Uma série de análises estatísticas confirmou que a nova espécie é distinta das que existem atualmente. Ela apresenta um mosaico de características que reflete sua posição incerta na árvore evolutiva dos peixes-bois.
Coautor do estudo, o professor Fernando Perini, vinculado ao mesmo Departamento, explica que o Trichechus hesperamazonicus viveu há cerca de 40 mil anos, no final do período Pleistoceno – era geológica situada no período Quaternário da era Cenozoica, entre 2,588 milhões e 11,7 mil anos atrás.
Perini conta que a espécie habitava lagos e rios de águas calmas que atravessavam a floresta, similar a certos ambientes ainda existentes na Amazônia. “Quando o regime de águas do rio mudou, ainda no final do período Pleistoceno, e as águas calmas foram substituídas por águas mais caudalosas, a espécie desapareceu, deixando o peixe-boi amazônico como o único representante do grupo na região”, esclarece Perini.