17/09/2021 - 15:13
Em documento dirigido ao mercado financeiro, organização britânica afirma que colapso ambiental representa um risco para os investidores no país. Mudanças climáticas alteram as chuvas e prejudicam o agronegócio, alerta.Impulsionadas pelo desmatamento, alterações climáticas severas que já ocorrem em determinadas regiões do Brasil alteram o regime das chuvas e prejudicam o agronegócio, representando um risco para investidores no país. Essa é a principal conclusão de um relatório divulgado na quinta-feira (16/09) pelo think tank britânico Planet Tracker, uma organização sem fins lucrativos que se dedica a apresentar para o mercado financeiro soluções sustentáveis para o futuro.
Segundo o documento de 42 páginas, as mudanças climáticas já dificultam a viabilidade de uma segunda ou mesmo de uma terceira safra de culturas – a chamada “safrinha”. Dados de 2018 indicam que essa capacidade de alternar, nesse regime, safras de soja e milho em um mesmo ano responde por 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e, no fim das contas, garante 20% das exportações agrícolas brasileiras.
Pontualmente, trata-se de um risco econômico para os produtores: quem conta com os rendimentos diretos de uma “safrinha” pode ver sua renda anual cair em até um terço, já que as mudanças climáticas deixam mais curto o período para o amadurecimento do grão.
A dificuldade de se produzir mais de uma vez no mesmo ano tem a ver com a irregularidade das chuvas, que têm caído com menos intensidade e durante menor tempo nas regiões mais próximas de desmatamento. O relatório cita o estado de Rondônia, onde o início da temporada de chuvas foi encurtado em 11 dias nos últimos 30 anos.
“Contudo, onde o desmatamento intenso não ocorreu, o início da temporada de chuvas não apresentou alteração significativa”, afirma o texto.
Segundo a previsão apresentada pelo documento, se nada for feito para reverter o cenário, a queda anual de receitas de exportação dos principais produtores de soja e milho do Brasil – o estado do Mato Grosso e a região conhecida como Matopiba, formada por áreas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – estará na casa de 2,1 bilhões de dólares até 2050.
O alerta do think tank é direcionado a investidores, tanto aqueles que apostam em empresas que fazem parte da cadeia do agronegócio brasileiro, quanto os que aplicam no tesouro público – a ressalva, nesse caso, é que quedas do PIB podem resultar em prejuízos.
Peter Elwin, diretor da Planet Tracker, alerta que “parar o desmatamento imediatamente é a chave”, e “reflorestar é o próximo passo óbvio”. “Estudos mostram que a agricultura do Brasil pode continuar a crescer sem que seja necessário mais desmatamento.”
Para o biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador no Instituto Ambiental de Estocolmo, é preciso fazer a lição de casa e cuidar do próprio quintal. “Não é só a mudança climática global. Há também a mudança climática local e regional, que é causada sobretudo pela destruição da vegetação no próprio Brasil”, comenta. “Não se vai resolver a mudança climática brasileira só com redução de emissões na Finlândia ou onde mais for: é preciso cuidar da vegetação brasileira também.”
Ciclo de mais desmatamento
Um grande problema, avalia a engenheira ambiental Rafaela Flach, pesquisadora da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, é que o agronegócio brasileiro está na iminência de mergulhar em um ciclo vicioso: a perda de produtividade decorrente das mudanças climáticas, sem que haja reforço nas proteções ambientais, pode significar uma ameaça ainda maior ao meio ambiente; e, claro, isso pioraria ainda mais a alteração do clima, resultando em produtividade mais baixa.
“Quando a produtividade fica estagnada ou o sistema de mais de uma safra ao ano é impossibilitado mas a demanda segue alta, o setor acaba procurando outras maneiras. Num cenário de políticas públicas fracas de controle de desmatamento, isso acarreta maiores taxas de conversão de vegetação nativa para agricultura”, explica.
“Quanto mais avançamos para novas áreas com vegetação nativa, reduzimos substancialmente as chances de reverter um quadro bastante perverso de efeitos climáticos cada vez piores. E isso não atinge apenas os produtores agrícolas, ou a economia brasileira, mas toda a cadeia de valor, a sociedade. Ninguém ganha com isso”, alerta a bióloga Louise Nakagawa, pesquisadora da área de sustentabilidade do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Segurança alimentar
Outro ponto levantado pelos especialistas ouvidos pela DW Brasil é como essas alterações climáticas, além de impactarem na economia do país, também podem vir a representar um risco para a segurança alimentar.
A preocupação é ainda maior quando se olha para os pequenos produtores. “Eles já têm dificuldade de acessar crédito e melhores tecnologias e são os mais vulneráveis a essas mudanças climáticas”, ressalta a engenheira ambiental Flach. “E são também os produtores que tendem a suprir mais o mercado interno, sendo essenciais para a segurança alimentar.”
“É preciso compreender que a maior parte da alimentação brasileira provém da agricultura familiar. A pujança de setores agroexportadores como a soja não impediu os preços do arroz e do feijão de subirem. Pelo contrário, a produção brasileira de arroz tem diminuído porque o Brasil tem se focado excessivamente em commodities de exportação – que às vezes nem sequer vêm à mesa do brasileiro”, diz Lima, do Instituto Ambiental de Estocolmo.
“Então um sistema alimentar mais sustentável e resiliente também passa essencialmente por uma valorização maior da agricultura familiar e da garantia de acesso das pessoas a esses alimentos.”