01/02/2011 - 0:00
Aproximadamente 285 milhões de pessoas, ou mais de 4% dos habitantes do planeta, sofrem hoje com a diabete. É como se praticamente todos os moradores do Brasil e das Filipinas padecessem dessa doença. Nosso país, aliás, é um dos que têm registrado números preocupantes na área. De acordo com o relatório Saúde Brasil 2009, emitido pelo Ministério da Saúde no fim de 2010, o número de mortes por diabete aumentou 10% entre 1996 e 2007. Hoje, a doença representa a terceira maior causa de morte de brasileiros, depois das doenças cardiovasculares e do câncer, e antes das agressões.
O custo mundial para tratar a diabetes mellitus (à qual a palavra diabete é comumente associada) representa de 2,5% a 15% dos gastos nacionais em saúde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A diabete é um mal sem cura e a causa mais comum de amputações não traumáticas de membros inferiores, de cegueira irreversível e de doença renal crônica terminal. Os pacientes com diabete também correm mais risco de desenvolver doenças cardiovasculares.
A DIABETE JÁ É A TERCEIRA MAIOR CAUSA DE MORTE NO BRASIL. PRATICAR EXERCÍCIOS FÍSICOS AJUDA A RETARDAR OS EFEITOS DA DOENÇA
Uma meta-análise feita por cientistas do departamento de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, mostra que, em comparação aos que não são acometidos, a diabete pode triplicar a chance de tuberculose. Esse dado sugere que a doença já pode ser responsável por mais de 10% dos casos de tuberculose em países em desenvolvimento, como Índia e China. Esses países possuem surtos da doença pulmonar e, atualmente, experimentam um aumento rápido de prevalência da diabete. Logo, à medida que a diabete aumenta, é possível que a incidência de tuberculose também cresça, de modo a afetar os esforços mundiais em controlá-la.
Apesar dos dados alarmantes, é necessário lembrar que é possível retardar as consequências desse mal por meio da adoção de hábitos de vida saudáveis e tratamentos médicos. Há também pesquisas promissoras no Brasil e no mundo que buscam desacelerar os efeitos da doença e promover uma qualidade de vida melhor aos pacientes.
A diabetes mellitus, em seu sentido mais usual, é um conjunto de doenças relacionadas a um defeito na secreção ou na ação da insulina, hormônio produzido no pâncreas para regular a taxa de glicose (açúcar) no sangue. A diabete é classificada em quatro grandes grupos, mas dois deles são os mais comuns: o tipo 1, que representa de 5% a 10% dos casos, e o tipo 2, que tem a frequência de 90% a 95%.
Um dos maiores problemas é o fato de metade dos portadores de diabete não saber que têm a doença. Seus sintomas – urinar muito, sentir muita sede, fome, fraqueza, emagrecimento, indisposição, sonolência e feridas que demoram a cicatrizar – são sinais difíceis de se perceber no dia a dia. Além disso, eles normalmente aparecem quando o nível de glicemia (a quantidade de glicose circulante) já está alto.
Se uma pessoa tem diabete, mas não apresenta os sintomas, ainda assim é preciso ter muito cuidado. Mesmo que a glicose circulante não esteja muito alta, pode causar lesões em vários tecidos. Com isso, existe a probabilidade de provocar complicações crônicas relacionadas a outras partes do corpo.
Há muitas pessoas que se descobrem diabéticas depois de sofrer alguma complicação relacionada à doença. Por exemplo, ao ser levado ao pronto-socorro devido a um infarto, descobre-se que o paciente tem diabete. Portanto, é importante estar atento e fazer exames periódicos, principalmente se há casos de diabete na família.
Tipos de diabete
Tipo 2 – A mais comum, acomete mais adultos na meia-idade. Tem como característica a diminuição da secreção de insulina, hormônio responsável pelo controle do nível de glicose circulante, aliada à resistência dos tecidos à sua ação.
Tipo 1 – Acomete crianças e jovens. Tem como característica a destruição de células produtoras de insulina. Há necessidade de injeção do hormônio desde o diagnóstico.
Gestacional – Acomete grávidas. Entende-se que os hormônios da gravidez provocam resistência à insulina. Logo, há mais chances de aflorar uma diabete que a paciente já tinha predisposição a ter. Às vezes, o quadro reverte após o parto, mas há chance de voltar em outra gravidez, além de ser fator de risco para a diabete tipo 2.
Outros tipos – É quando a diabete está associada a várias doenças, como tumores no pâncreas, pancreatite crônica, uso de medicamentos e outras doenças endócrinas, entre outras causas mais raras.
NOVAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO PODEM REGENERAR O SISTEMA IMUNOLÓGICO E O PÂNCREAS, PERMITINDO AOS PACIENTES DE DIABETE PARAR DE USAR INSULINA
A diabete tipo 2 está muito relacionada ao excesso de peso, à má alimentação e ao sedentarismo.
O risco de ser obeso e sedentário
A forma mais comum de diabete, a do tipo 2, é muito relacionada ao excesso de peso, à má alimentação e ao sedentarismo. “Ficar sedentário e obeso diminui a sensibilidade do organismo à ação da insulina, que é o principal hormônio que controla a glicemia, aumentando o risco de ter diabete”, explica Márcia Nery, supervisora do grupo de diabete do Hospital das Clínicas.
O tipo 2 também era muito conhecido como diabete do adulto, por ser mais frequente em pessoas com mais idade. No entanto, atualmente, está havendo um aumento do número de jovens portadores desse mal. “Como o diabetes tipo 2 está relacionado à obesidade e esta última tem aumentado, o tipo 2, que era raridade absoluta em crianças e adolescentes há 20 anos, já não é tão raro assim hoje”, observa Márcia.
Embora haja vários tipos de remédios no mercado para equilibrar o nível de insulina, a médica enfatiza que “até agora não surgiu nada que deixe de considerar a necessidade fundamental do exercício físico e da dieta apropriada”. Além disso, pessoas na meia-idade que têm sobrepeso e são sedentárias devem procurar um médico para fazer exames de sangue. Aqueles que possuem histórico de diabete na família devem fazê-los antes.
Um novo caminho no tratamento desse tipo da doença pode estar num recente estudo liderado por Dariush Mozaffarian, da Faculdade de Saúde Pública de Harvard. Publicado no periódico Annals of Internal Medicine, o trabalho associou o ácido transpalmitoleico, contido em laticínios, como iogurte e queijo, ao menor risco de incidência de diabete tipo 2. Como não é produzida pelo corpo humano, a substância deve ser adquirida por meio de uma dieta à base de leite.
Foram estudados 3.736 voluntários, em um período de 20 anos. Quando as amostras de sangue foram recolhidas pela primeira vez, em 1992, o ácido transpalmitoleico circulante foi associado a níveis altos de colesterol bom e de sensibilidade à insulina. Durante o tempo de observação, a associação inicial permaneceu e os pacientes com mais ácido circulante mostraram 60% menos chance de desenvolver diabete tipo 2.
Os cientistas ressaltam a importância da associação, mas observam que mais estudos precisam ser feitos para confirmar essa relação. Eles também pretendem investir em pesquisas para se comprovar a eficácia terapêutica do composto.
A importância do estilo de vida
Em junho de 2010, o periódico The Lancet trouxe uma questão importante em relação à diabete: a falta de pesquisas sobre intervenções no estilo de vida capazes de reverter o quadro da doença. Acima de tudo, a diabete está ligada a um estilo de vida cada vez menos saudável, à medida que junk foods e cotidiano agitado tomam conta da população mundial. Está escrito no editorial que “a medicina tem vencido a batalha para controlar o nível de glicose circulante, mas está perdendo a guerra contra a diabete”.
“A educação para a prática do autocuidado é um dos aspectos mais importantes no tratamento da diabete”, observa a médica Márcia Nery, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ela enfatiza que o paciente deve saber como se alimentar – tipos e quantidades de comida -, usar os remédios e cuidar do corpo. “O paciente precisa saber usar insulina, aplicar o medicamento, monitorar a glicemia para avaliação do seu controle, conhecer e saber tratar hipoglicemias, ter conhecimento das particularidades de sua saúde e saber o que fazer em casos de outras doenças, como resfriados”, exemplifica.
Como meio de disseminar esse conhecimento, vídeos sobre cuidados com pés, como monitorar glicemia e dicas de dieta saudável, entre outros temas, feitos em parceria entre o Ministério da Saúde e os departamentos de Endocrinologia e Telemedicina da Universidade de São Paulo, estão disponíveis ao público no site do Programa Telessaúde – Núcleo São Paulo. [www.telessaudesp.org.br/Programa/diabetes/videos.aspx]. Além disso, a partir deste ano, um DVD com esses vídeos educativos pode ser adquirido pelas unidades básicas de saúde (UBSs) que o solicitarem pelo site do Telessaúde (www.telessaudesp.org.br).
O exercício físico e a dieta saudável equilibram o nível de insulina no organismo.
O sistema imunológico como vilão
Já a diabete tipo 1 é um quadro em que o sistema imunológico do paciente, devido a uma anomalia, destrói as células beta do pâncreas, responsáveis pela fabricação de insulina. Desse modo, o paciente fica dependente das injeções de insulina, que devem ser aplicadas de três a quatro vezes por dia, conforme a taxa de glicose no sangue. A diabete tipo 1 é bem mais rara e difícil de rastrear. “Não há como identificar quais pessoas poderiam se beneficiar de sua prevenção”, comenta Márcia.
Geralmente, esse tipo de diabete acomete crianças e jovens, e seu pico de incidência ocorre de 10 a 14 anos de idade. “É uma doença muito delicada, porque os pacientes em sua maioria são pessoas em fase de formação”, analisa Carlos Eduardo Barra Couri, endocrinologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), campus Ribeirão Preto. “Às vezes, é penoso para crianças e jovens ter de aplicar entre três e quatro injeções diárias, além de furar o dedo várias vezes ao dia para medir a taxa de insulina.”
A boa notícia para esses pacientes é que há uma pesquisa brasileira muito promissora, envolvendo células-tronco, que podem melhorar sua qualidade de vida. Ela é feita por um grupo multidisciplinar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, campus Ribeirão Preto, liderado por Couri e pelo imunologista Julio César Voltarelli. O estudo, iniciado em 2003, já é aprovado pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa e pelo U.S Food and Drugs Administration (FDA), agência norte-americana que regula medicamentos e alimentos.
Na pesquisa, realizada com pacientes com diabete tipo 1, de 12 a 35 anos, com a doença diagnosticada há menos de três meses, faz-se um “reset imunológico”. “Desligamos o sistema imunológico do paciente com quimioterapia. Depois, o religamos com células-tronco hematopoiéticas (contidas na medula óssea) do próprio paciente”, explica Couri. “Essas células-tronco regeneram o sistema imunológico que, então, para de destruir o pâncreas.”
O procedimento já foi realizado em 25 pacientes, dos quais 21 pararam de usar insulina. Um deles está há cerca de seis anos sem precisar injetar o hormônio. “Dos pacientes que ficaram livres de insulina, mas precisaram voltar a usála, a maioria usa apenas uma injeção ao dia”, observa. O normal para o portador de diabete tipo 1 é de três a quatro injeções.
Mesmo após o procedimento, a taxa de insulina deve ser medida todos os dias. São necessárias também consultas regulares com os médicos do estudo – além, é claro, de manter um estilo de vida saudável.
Para os próximos anos, o grupo da USPRibeirão Preto tem investido em uma pesquisa iniciada em 2008 para tratar diabete tipo 1 com células-tronco mesenquimais. A diferença é que, nesse procedimento, não há necessidade de quimioterapia. Quatro pacientes já foram incluídos nesse estudo, mas ainda é cedo para se tirar alguma conclusão.
Células-tronco de esperma
Cientistas norte-americanos, liderados por G. Ian Gallicano, professor associado do Centro Médico da Universidade Georgetown, nos Estados Unidos, conseguiram transformar células-tronco espermatogônias (SSCs, em inglês), formadoras do espermatozoide humano, em células beta da ilhota, que secretam insulina. No experimento feito em ratos de laboratório, ao transferir essas células, os roedores tiveram sua glicemia regulada por uma semana.
As células beta foram feitas a partir de SSCs de doadores de órgãos falecidos. Os cientistas descobriram que, ao serem retiradas de seu nicho, as células ficam confusas e podem se tornar qualquer tecido embrionário em semanas, podendo ser consideradas células pluripotentes (que podem se transformar em qualquer tecido do corpo). De um grama de tecido testicular, os cientistas conseguiram dar origem a um milhão de células-tronco.
Os pesquisadores preveem que, se o experimento puder ser feito em humanos, poderá facilitar o tratamento da diabete tipo 1. No entanto, Gallicano lembra que ainda não foi descoberto um tipo de célula-tronco capaz de curar a diabete.
Mais informações e contato: dr. Carlos Eduardo Couri. Consultório: Av. José Adolfo Bianco Molina, 2.271 – Jardim Canadá – Ribeirão Preto – SP – Telefax: (16) 3621 6639 Twitter: @cecouri e-mail: ce.couri@yahoo.com.br Site: http://carloseduardocouri.blogspot.com