Deve ser uma situação desagradável estar com fome no deserto e a única vegetação disponível ser espinhosa, com folhas espessas e frutos e sementes duras, as chamadas plantas xerófitas. A evolução resolveu o problema de uma forma parecida para dinossauros que viveram há mais de 66 milhões de anos no atual deserto de Gobi, na Mongólia, e por volta de 125 milhões de anos atrás em uma imensa planície desértica que existiu no que hoje é o oeste do Paraná: crânios altos e achatados acompanhados de um robusto osso mandibular chamado dentário.

“É como o focinho de um buldogue”, compara o paleontólogo Max Langer, do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do artigo publicado este mês na revista Palaeontology, que descreve um típico caso de evolução convergente – quando organismos não aparentados se adaptam de forma similar a condições externas.

A configuração inusitada do crânio e do dentário é acompanhada de uma abertura na mandíbula, a fenestra mandibular, que dá espaço para que os músculos se expandam. Essa similaridade teria sido diretamente influenciada pela dieta. Para confirmar que os ossos eram bem parecidos, os paleontólogos criaram pontos de referência em várias partes de 65 maxilares e 52 dentários de dinossauros terópodes descobertos em várias regiões do mundo. As espécies examinadas foram separadas de acordo com a proximidade evolutiva e entre carnívoros, definidos como aqueles que se alimentam somente de carne, e não carnívoros, uma categoria ampla que engloba todos os animais que se alimentam de algo além de carne, ou não comem outros bichos.

Max Langer / USPTomografia de osso dentário de dinossauro terópodeMax Langer / USP

“É um dos poucos casos registrados de evolução convergente a partir de comparações quantitativas e numéricas em fósseis”, conta Langer. Geralmente, os paleontólogos inferem que a evolução convergente ocorreu quando encontram características similares em espécies evolutivamente próximas, mas não chegam a comprová-la com análises mais robustas.

Além das similaridades entre os dinossauros do Paraná e da Mongólia, os pesquisadores chegaram à conclusão de que os carnívoros têm um crânio mais homogêneo entre si do que os herbívoros – o que pode estar relacionado a uma barreira evolutiva imposta pela predação. Para um animal caçar, ele precisa ser ao mesmo tempo forte e rápido: do contrário, pode não conseguir neutralizar a presa, ainda mais no caso das criaturas robustas e encouraçadas que viviam milhões de anos atrás, e uma presa ágil poderia usar dessa desvantagem para escapar.

No caso dos herbívoros, que têm uma fonte alimentar variada – grama, sementes, galhos, folhas e frutos –, a diversidade mandibular é maior, segundo as conclusões do estudo. “Essa construção robusta, com um dentário curto e alto, é mais resistente e parece adequada para romper algumas estruturas duras, como determinados tipos de sementes e frutos”, diz Langer.

Ao longo da comparação, os autores do artigo ressaltam que os indivíduos da espécie Berthasaura leopoldinae, descrita no Brasil, muito provavelmente perdiam os dentes ao longo da juventude, tornando-se adultos desdentados, o que pode ter ocorrido com outros dinossauros que passaram por pressões seletivas similares. Seria o caso de Limusaurus inextricabilis, que viveu entre 161 milhões e 157 milhões de anos atrás na China. “Essa convergência é algo que havia sido muito pouco discutida e vemos que pode ter sido muito mais comum do que anteriormente pensávamos”, destaca a paleontóloga Kamila Bandeira, pesquisadora em estágio de pós-doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), especialista em dinossauros. Ela não participou do trabalho da equipe de Langer.

Bandeira também chama atenção para o fato de que a publicação mostra “como os animais se adaptaram a esses ambientes difíceis de sobreviver, com extremos de temperatura, muita aridez e pouquíssima umidade e disponibilidade de alimentos”.

Ao investigar essa adaptação ao antigo deserto paranaense e dar mais sustentação à existência de plantas xerófitas na época, os paleontólogos ajudam a confirmar hipóteses sobre como era o ambiente que formou o arenito Caiuá, unidade geológica na qual os paleontólogos encontraram B. leopoldinae e que representa o início do preenchimento da chamada bacia sedimentar Bauru.

Ambiente seco e hostil, mas diverso

Apesar de extremo, o ambiente da bacia Bauru tinha uma grande biodiversidade, como mostram pegadas encontradas no município de General Salgado, em São Paulo, e analisadas em um artigo de dezembro de 2024 publicado na revista Cretaceous Research. Os pequenos registros são as primeiras evidências de dinossauros herbívoros com focinho em forma de bico e pélvis similar à das aves, os ornitísquios, nos sedimentos da bacia sedimentar.

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

As pegadas foram encontradas ao redor do que já foi uma grande lagoa – uma raridade no ambiente seco e rochoso que também predominava naquela localidade durante o Cretáceo. “É uma grande surpresa. São mais de 100 anos de estudos na bacia Bauru sem que ninguém encontrasse um único fóssil ou traço de ornitísquio em sedimentos do Cretáceo Superior, entre 100,5 milhões e 66 milhões de anos atrás”, conta o paleontólogo Bruno Navarro, estudante de doutorado no Museu de Zoologia da USP e primeiro autor do artigo.

As raras evidências encontradas em volta da lagoa mostram, para Navarro, que aquele oásis “era um ponto comum na região, usado por vários animais como uma fonte de água nas estações de seca”. Segundo ele, isso é o mais interessante das pegadas. “Conseguimos ver como os animais se comportavam, como se relacionavam entre si e com o ambiente.”

Falando em ambiente, Navarro acha que a explicação para a raridade dos ornitísquios na bacia Bauru está no súbito aumento de temperatura e na redução do oxigênio dos oceanos que ocorreu no planeta há 91,5 milhões de anos, entre os períodos Cenomaniano e Turoniano, do Cretáceo Superior. “Isso mudou completamente o clima e pode ter forçado a migração desses animais para outras regiões mais úmidas. Ou mesmo ter extinguido localmente esses dinossauros”, propõe.

A extinção ou o deslocamento dos ornitísquios permitiu que outros animais ocupassem os nichos anteriormente ocupados por eles. Crocodilos herbívoros, por exemplo, poderiam ter ocupado o vácuo deixado pelos animais de pequeno e médio portes. “Havia vários desses crocodilos que eram herbívoros ou tinham uma dieta que incluía vegetais”, comenta Langer. É o caso das espécies do grupo notossuquídeos, como Mariliasuchus e Sphagesaurus, bichos menores, terrestres e com proeminentes dentes frontais.

Os crocodilos eram abundantes na bacia Bauru. Em agosto de 2024, paleontólogos da USP, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de Tübingen, na Alemanha, descreveram uma nova espécie na revista The Anatomical Record, chamada Epoidesuchus tavaresae, pertencente a um grupo de crocodilos de focinho longo e principalmente semiaquáticos, os Pepesuchinae.

Projetos
1.
Cladogênese e diversificação inicial de Titanosauria (Dinosauria, Sauropoda): Osteologia comparativa, filogenia e paleobiogeografia (n° 23/11098-3); Modalidade Bolsa de doutorado; Pesquisador responsável Hussam El Dine Zaher (USP); Bolsista Bruno Albert Navarro; Investimento R$ 209.328,48.
2. Explorando a diversidade dos dinossauros do Cretáceo Sul-americano e suas faunas associadas (n° 20/07997-4); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Max Langer (USP); Investimento R$ 4.381.724,40.

Artigos científicos
NAVARRO, B. A. et al. First dinosaur ichnofauna from the Bauru Group indicates Cenomanian–Turonian events led to an “Ornithischian Hiatus” in the Upper Cretaceous of Southeast Brazil. Cretaceous Research. v. 168, 106075. 24 dez. 2024.
PIEROSSI, F. F. et al. Convergent evolution among non-carnivorous, desert-dwelling theropods as revealed by the dentary of the noasaurid Berthasaura leopoldinae (Cretaceous of Brazil). Palaeontology. jun. 2025.
RUIZ, J. V. et al. A new Peirosauridae (Crocodyliformes, Notosuchia) from the Adamantina Formation (Bauru Group, Late Cretaceous), with a revised phylogenetic analysis of Sebecia. The Anatomical Record. v. 308, n. 2. 29 ago. 2024.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.