18/08/2025 - 6:01
Pela primeira vez, dois candidatos de direita disputarão a segunda rodada eleitoral no país, encerrando 20 anos de hegemonia da esquerda de Evo Morales. Atual presidente promete “transição democrática”.O primeiro turno da eleição presidencial na Bolívia, realizado neste domingo (18/08), marcou o fim de duas décadas de hegemonia da esquerda no país e levou pela primeira vez dois candidatos de direita ao segundo turno: o senador Rodrigo Paz e o ex-presidente Jorge Quiroga, ambos oposicionistas do atual governo.
Paz, do Partido Democrata Cristão (PDC), surpreendeu e alcançou 32,1% dos votos com 92% das atas eleitorais computadas, de acordo com a contagem preliminar do Tribunal Superior Eleitoral da Bolívia. Quiroga, da coalizão Libre, obteve 26,8% dos votos. O inédito segundo turno entre duas siglas de direita está marcado para 19 de outubro.
Os dois candidatos souberam capitalizar o descontentamento do eleitorado com o Movimento ao Socialismo (MAS), responsabilizado pela grave crise econômica vivida no país sob a presidência de Luis Arce.
Arce decidiu não disputar a reeleição em meio a um cenário de escassez de combustíveis e produtos básicos, além de uma inflação anual de quase 25%, a maior em 17 anos. Ao votar no domingo, o presidente prometeu realizar uma “transição democrática” ao vencedor.
O segundo turno entre oposicionistas confirmará o fim dos 20 anos de domínio do MAS, antigo partido do ex-presidente Evo Morales, nas urnas. O candidato da sigla, Eduardo del Castillo, obteve 3,16% dos votos.
Paz promete “capitalismo para todos”
Senador considerado de centro-direita, Paz despontou em primeiro lugar apesar de nenhuma pesquisa de intenções de voto o colocar nas primeiras posições. Nascido na Espanha e com longa trajetória política, ele superou o favorito das pesquisas, Samuel Doria Medina, do partido Alianza Unidad, que obteve apenas 19,85% dos votos.
“Quero felicitar o povo boliviano, porque disse: ‘quero mudar, e este é um sinal de mudança'”, declarou Paz a apoiadores no domingo. O senador já foi também deputado e prefeito antes de se lançar à presidência.
Seu plano de governo centrado em uma proposta de “capitalismo para todos” prevê um salário universal para as mulheres, o corte do que chama de “gastos supérfluos” do Estado e o combate à corrupção.
Também promete a inclusão das classes médias e baixas na vida econômica, com acesso facilitado a crédito, livre importação de produtos e uma reforma tributária para incentivar a indústria nacional.
Quiroga mirou antigo aliado em campanha combativa
Já Quiroga, engenheiro e ex-funcionário da multinacional IBM, reforçou sua promessa de estabilizar a economia, “parar a crise, recuperar a confiança e esmagar a inflação”.
“A crise não vai diminuir. Vai piorar, vai ficar mais dura, mais difícil. É o maior desafio institucional, econômico e moral da nossa história. E vamos enfrentá-lo todos juntos”, disse a seus apoiadores. Ele promete abrir mercados e realizar acordos de livre comércio com China, Japão e Europa.
Meses atrás, ainda integrava um bloco de oposição ao lado de Doria Medina, que havia se comprometido a lançar um único candidato à presidência. No entanto, por divergências na escolha do postulante, decidiu se retirar.
Apesar de apresentarem propostas similares, a campanha dos finalistas foi diferente. Enquanto Paz fez uma campanha mais discreta, Quiroga, que despontava em segundo lugar nas pesquisas, teve vários confrontos com Doria Medina, seu rival direto.
Morales pede voto nulo
Paz e Quiroga defendem que Evo Morales preste contas à Justiça. Primeiro presidente indígena da Bolívia, que governou entre 2006 e 2019, Morales tentou disputar esta eleição, mas teve sua candidatura barrada pela Justiça. Ele é investigado por suposto estupro de uma adolescente durante seu mandato, acusação que nega.
Em 2019, Morales havia concorrido a um terceiro mandato, considerado inconstitucional na Bolívia. Ele venceu uma votação contestada, repleta de alegações de fraude e vista com ceticismo pela comunidade internacional. Isso desencadeou protestos em massa que causaram 36 mortes e levaram Morales à renúncia e fuga do país.
Arce, o sucessor escolhido por Morales, venceu as eleições em 2020. Morales retornou então ao país após exílio no México e na Argentina, mas entrou em conflito com o presidente boliviano e antigo aliado.
Em 2024, após disputas internas no partido e uma tentativa frustrada de golpe militar, Morales rompeu definitivamente com Arce, o que implodiu a aliança do MAS. Desde outubro, o ex-presidente está refugiado em um pequeno povoado no centro da Bolívia, onde simpatizantes o protegem para evitar sua prisão. Desvinculado do partido, fez campanha pelo voto nulo e disse que o atual pleito não tem legitimidade.
Os 7,9 milhões de bolivianos que foram às urnas no domingo também votaram para renovar o Congresso, composto por 166 membros. Os resultados indicam que o futuro presidente terá de lidar com um parlamento à direita, mas fragmentado internamente e sem bancadas majoritárias.
gq/cn (AFP, EFE)