Até 2006, quando a Lei Maria da Penha entrou em vigor, não havia legislação específica sobre violência contra a mulher no Brasil. Desde 2015, os homicídios cometidos “por razões de condição de sexo feminino” são considerados crimes hediondos. Apesar desses avanços, o país é o 5o. colocado entre 83 nações no índice de assassinatos de mulheres, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Os números integram o estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil”, feito pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) a pedido da ONU Mulheres. As negras são as maiores vítimas. “Em 2013, morreram assassinadas, proporcionalmente ao tamanho das respectivas populações, 66,7% mais meninas e mulheres negras do que brancas”, informa o trabalho.

A apresentadora do tempo Maria Júlia Coutinho e a atriz Taís Araújo (com o marido, Lázaro Ramos na foto abaixo), vítimas recentes de racismo nas redes sociais

A apresentadora do tempo Maria Júlia Coutinho e a atriz Taís Araújo (com o marido, Lázaro Ramos na foto abaixo), vítimas recentes de racismo nas redes sociais

Um estudo do Ministério da Justiça confirma essa constatação ao apontar que a taxa de homicídio entre negras (7,2 por 100 mil habitantes) é maior do que o dobro do que entre brancas (3,2 por 100 mil habitantes). “Esses números nada mais são do que um grito de que a situação chegou a um ponto limite. Está claro que a questão da interseccionalidade [que trata da sobreposição ou intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação] precisa ser levada em conta pelos movimentos feministas quando se fala em violência contra mulher, já que cada grupo, como negras, trans e lésbicas, têm demandas diferentes”, afirma a urbanista e ativista feminista negra Joice Berth, de São Paulo. Segundo ela, no caso das mulheres negras, existe um cruzamento de opressões, que são o machismo e o racismo, colocando-as nas categorias de violência social e racial.

Para agravar a situação, não existem políticas públicas específicas para atendê-las. A própria lei Maria da Penha trata as mulheres como um grupo heterogêneo, um equívoco de acordo com os movimentos negros. Para exemplificar a necessidade de levar em conta o conceito de interseccionalidade no que diz respeito às leis de proteção à mulher negra, Joice cita dois exemplos de abusos domésticos envolvendo famosos para esclarecer a realidade vivida diariamente pelas mulheres que moram na periferia, maiores vítimas de abusos, que, na maior parte, são cometidos por maridos e parceiros.

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“O [ator] Kadu Moliterno, que há alguns anos esteve envolvido em um caso de violência doméstica, continua aí, isso não abalou a pessoa social dele”, observa a ativista. “Já o [cantor] Netinho de Paula, que também passou por um caso de agressão doméstica, sofreu consequências muito mais drásticas. Não que algum deles esteja certo. É só uma maneira de exemplificar por que as mulheres negras não denunciam seus companheiros negros. Elas sabem que eles vão passar por torturas muito mais graves, e a reeducação daquele homem não vai acontecer. Também tem a questão de saber que elas podem piorar sua condição social.”

Outro tipo de violência sofrida exclusivamente por mulheres negras, o racismo, também tem relação direta com os números citados no estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil”, segundo Joice. “As mulheres negras são invisíveis, estamos em último lugar na pirâmide social. Isso faz com que as pessoas nos olhem como disponíveis para qualquer tipo de violência. A ponto de entrarem no Facebook de famosas como a [atriz] Taís Araujo e a Maju [Maria Júlia Coutinho, apresentadora do tempo na Rede Globo] e ofendê-las publicamente. Enquanto as negras não forem vistas pela sociedade como mulheres que merecem ser respeitadas, a violência não vai diminuir. Ela tende a aumentar”.

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