02/11/2022 - 8:30
As Américas foram o último continente a ser habitado por humanos. Um corpo crescente de evidências arqueológicas e genômicas sugere um complexo processo de colonização. Isso é especialmente verdadeiro para a América do Sul, onde sinais ancestrais inesperados levantaram cenários desconcertantes para as primeiras migrações em diferentes regiões do continente.
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Muitas perguntas não respondidas ainda persistem, como se os primeiros humanos migraram para o sul ao longo da costa do Pacífico ou por alguma outra rota. Embora haja evidências arqueológicas de uma migração norte-sul durante o povoamento inicial das Américas por antigos povos indígenas, para onde esses antigos humanos foram depois que chegaram permanece indefinido.
Usando DNA de dois indivíduos humanos antigos desenterrados em dois sítios arqueológicos diferentes no Nordeste do Brasil – Pedra do Tubarão e Alcobaça – e algoritmos poderosos e análises genômicas, cientistas da Florida Atlantic University em colaboração com a Universidade Emory (ambas dos EUA), além de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, no Brasil) e da Universidade do Estado de Nova York em Buffalo (EUA), desvendaram a profunda história demográfica da América do Sul no nível regional com alguns resultados inesperados e surpreendentes.
Os pesquisadores não apenas fornecem novas evidências genéticas que apoiam os dados arqueológicos existentes da migração norte-sul em direção à América do Sul, mas também descobriram migrações na direção oposta ao longo da costa atlântica – pela primeira vez. O trabalho fornece a evidência genética mais completa até o momento para as complexas rotas migratórias antigas da América Central e do Sul.
Ascendência neandertal
Entre as principais descobertas, os pesquisadores encontraram evidências de ascendência neandertal nos genomas de indivíduos antigos da América do Sul. Os neandertais são uma população extinta de humanos arcaicos que se espalharam pela Eurásia durante o Paleolítico Inferior e Médio.
Os resultados do estudo, publicados na revista Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, sugerem que os movimentos humanos mais próximos da costa atlântica acabaram por ligar o antigo Uruguai e o Panamá em uma rota de migração sul-norte que se estende por 5.277 quilômetros. Estima-se que esse novo padrão de migração tenha ocorrido há aproximadamente 1.000 anos com base nas idades dos indivíduos antigos.
Os resultados mostram uma relação distinta entre genomas antigos do Nordeste do Brasil, Lagoa Santa (Sudeste do Brasil), Uruguai e Panamá. Esse novo modelo revela que o povoamento da costa atlântica ocorreu somente após o povoamento da maior parte da costa do Pacífico e dos Andes.
“Nosso estudo fornece evidências genômicas importantes para eventos de migração antiga em escala regional ao longo da costa atlântica da América do Sul”, disse o dr. Michael DeGiorgio, autor cocorrespondente especializado em genômica humana, evolutiva e computacional e professor associado no Departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação da Faculdade de Engenharia e Ciência da Computação da Florida Atlantic University (FAU). “Esses eventos regionais provavelmente derivaram de ondas migratórias envolvendo os primeiros povos indígenas da América do Sul perto da costa do Pacífico.”
Complexidade aumentada
Os pesquisadores também encontraram fortes sinais genéticos da Australásia (Austrália e Papua Nova Guiné) em um genoma antigo do Panamá.
“Existe um Oceano Pacífico inteiro entre a Australásia e as Américas, e ainda não sabemos como esses sinais genômicos ancestrais apareceram na América Central e do Sul sem deixar vestígios na América do Norte”, disse o primeiro autor do artigo, dr. André Luiz Campelo dos Santos, arqueólogo e pós-doutorando no Departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação da FAU, anteriormente na Universidade Federal de Pernambuco.
Para aumentar ainda mais a complexidade existente, os pesquisadores também detectaram maior ascendência denisovana do que neandertal em antigos indivíduos do Uruguai e do Panamá. Os denisovanos são um grupo de humanos extintos identificados pela primeira vez a partir de sequências de DNA da ponta do osso do dedo descoberto por volta de 2008.
“É fenomenal que a ascendência denisovana tenha chegado à América do Sul”, afirmou o dr. John Lindo, professor assistente no Departamento de Antropologia da Universidade Emory especializado em análise de DNA antigo e coautor correspondente do artigo. “A mistura deve ter ocorrido muito tempo antes, talvez 40 mil anos atrás. O fato de que a linhagem denisovana persistiu e seu sinal genético o transformou em um antigo indivíduo do Uruguai com apenas 1.500 anos sugere que foi um grande evento de mistura entre uma população de humanos e denisovanos.”
Genomas comparados
André Luiz Campelo dos Santos e colegas da UFPE descobriram os restos de dois humanos antigos do Nordeste que datam de pelo menos 1.000 anos antes do presente, e os enviaram a Lindo para extração de DNA e posterior sequenciamento e análises genômicas. Os dados brutos foram então enviados à FAU para análise computacional de todas as sequências do genoma.
Os pesquisadores compararam os dois genomas inteiros antigos recém-sequenciados do Nordeste brasileiro com os genomas mundiais atuais e outros genomas inteiros antigos das Américas. Até a data de publicação do artigo, Lindo disse que apenas uma dúzia de genomas inteiros antigos da América do Sul foram sequenciados e publicados, em contraste com centenas da Europa.
Além da ocorrência de sepultamentos em massa nos locais que forneceram as amostras do Nordeste e Sudeste do Brasil, Uruguai e Panamá, não há outras evidências no registro arqueológico que indiquem características culturais compartilhadas entre eles. É importante ressaltar que os indivíduos antigos analisados do Sudeste do Brasil são cerca de 9 mil anos mais velhos do que os do Nordeste brasileiro, Uruguai e Panamá, tempo suficiente para a esperada e perceptível divergência cultural. Além disso, o Nordeste do Brasil, o Uruguai e o Panamá, embora mais semelhantes em idade, estão localizados a milhares de quilômetros de distância um do outro.