07/01/2022 - 16:48
O ar em um zoológico está cheio de odores, desde os peixes usados na alimentação até o estrume dos herbívoros que pastam, mas agora sabemos que também está cheio de DNA dos animais que vivem lá. Na revista Current Biology, dois grupos de pesquisa – um da Universidade de Copenhague (Dinamarca) e outro da Queen Mary University (Reino Unido) – publicaram estudos independentes de prova de conceito mostrando que, pela coleta de ar de um zoológico local, eles podem recolher DNA suficiente para identificar os animais nas proximidades. Essa pode ser uma ferramenta valiosa e não invasiva para rastrear a biodiversidade.
“Capturar DNA ambiental aerotransportado de vertebrados nos permite detectar até mesmo animais que não podemos ver estão lá”, disse a pesquisadora Kristine Bohmann, chefe da equipe da Universidade de Copenhague.
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Animais terrestres podem ser monitorados de várias maneiras: diretamente, por câmera e observação pessoal, ou indiretamente, por aquilo que deixam para trás, como pegadas ou fezes. A desvantagem desses métodos é que eles podem envolver trabalho de campo intensivo e exigir que o animal esteja fisicamente presente. Por exemplo, monitorar animais pela câmera requer conhecimento de onde colocar as câmeras no caminho do animal, vasculhar milhares de fotos e, geralmente, um pouco de sorte.
Funcionamento surpreendentemente bom
“No início da minha carreira, fui para Madagascar na esperança de ver muitos lêmures. Mas, na realidade, raramente os vi. Em vez disso, eu principalmente ouvia-os pulando pela copa das árvores”, afirmou Bohmann. “Portanto, para muitas espécies, pode ser muito trabalhoso detectá-los por observação direta, especialmente se eles são esquivos e vivem em habitats muito fechados ou inacessíveis.”
“Em comparação com o que as pessoas encontram em rios e lagos, monitorar o DNA aerotransportado é muito, muito difícil, porque o DNA parece superdiluído no ar”, disse Elizabeth Clare, pesquisadora-chefe da equipe da Queen Mary University de Londres (Clare está agora na Universidade de York, em Toronto, Canadá). “Mas nossos estudos em zoológicos ainda não falharam para diferentes amostradores, genes, locais e abordagens experimentais. Tudo funcionou e surpreendentemente bem.”
Bohmann e Clare baseiam-se fortemente em suas pesquisas anteriores de monitoramento da vida selvagem, coletando outros tipos de amostras contendo DNA eliminado por animais. Isso é conhecido como “DNA ambiental”, ou eDNA, e é uma técnica bem estabelecida usada com mais frequência para monitorar organismos aquáticos por meio do sequenciamento de eDNA de amostras de água.
“O ar envolve tudo e queríamos evitar a contaminação em nossas amostras e, ao mesmo tempo, otimizar a detecção real de DNA animal”, afirmou Bohmann. “Nosso trabalho mais recente com eDNA aerotransportado envolve o que normalmente fazemos ao processar amostras de eDNA, apenas com uns poucos ajustes.”
Várias fontes
Cada grupo de pesquisa conduziu seu estudo em um zoológico local, coletando amostras em vários lugares da instituição, incluindo recintos fechados com paredes como a casa tropical e estábulos internos, bem como recintos externos ao ar livre. “Para coletar o eDNA aerotransportado, usamos uma ventoinha, como a que você usaria para resfriar um computador, e anexamos um filtro a ela. Então, deixamos funcionando por algum tempo”, disse Christina Lynggaard, primeira autora do estudo e pós-doutoranda na Universidade de Copenhague.
A ventoinha inspira ar do zoológico e de seus arredores, que pode conter material genético de várias fontes, como respiração, saliva, pelo ou fezes, embora os pesquisadores não tenham determinado a fonte exata. “Pode ser qualquer coisa que pode voar e é pequena o suficiente para continuar flutuando no ar”, observou Lynggaard. “Depois da filtração do ar, extraímos o DNA do filtro e usamos a amplificação por PCR para fazer várias cópias do DNA do animal. Após o sequenciamento de DNA, processamos milhões de sequências e, por fim, nós as comparamos a um banco de dados de referência de DNA para identificar as espécies animais.”
“Há um componente de voto de confiança em parte disso porque quando você lida com tecido regular ou até mesmo amostras de DNA aquático, você pode medir quanto DNA tem, mas com essas amostras estamos lidando com pequenas quantidades de DNA forenses”, afirmou Clare. “Em muitos casos, quando coletamos amostras por apenas alguns minutos, não podemos medir o DNA, então temos que pular para o próximo estágio do PCR, onde descobrimos se há algo nele ou não. Quando fazemos a amostragem por horas, obtemos mais, mas há uma troca.”
Medidas de segurança
Em cada estudo, os pesquisadores detectaram animais dentro do zoológico e vida selvagem nas proximidades. A equipe de Clare, da Queen Mary University de Londres, detectou DNA de 25 espécies de mamíferos e pássaros, e até mesmo DNA pertencente ao ouriço-terrestre, que está ameaçado de extinção no Reino Unido. A equipe de Bohmann na Universidade de Copenhague detectou 49 espécies de vertebrados não humanos, incluindo mamíferos, pássaros, répteis, anfíbios e espécies de peixes. Isso incluía animais de zoológico como o ocapi e o tatu e até mesmo o lebiste (peixe ornamental) em um lago na casa tropical, animais de ocorrência local como esquilos e espécies nocivas como a ratazana e o rato-doméstico. Além disso, os pesquisadores detectaram espécies de peixes usadas para alimentação de outros animais no zoológico.
Ambas as equipes tomaram medidas extensas para verificar se suas amostras não estavam contaminadas, inclusive por DNA já em seus laboratórios.
Confirmações independentes
Ao escolherem um zoológico para o local de seus estudos, os pesquisadores sabiam a posição de uma grande coleção de espécies não nativas, de modo que puderam dizer a diferença entre um sinal real e um contaminante. “Originariamente, tínhamos pensado em ir para uma fazenda, mas se você pegar DNA de vaca, deve perguntar: ‘Essa vaca está aqui ou é alguma vaca a 160 quilômetros de distância ou no almoço de alguém?’”, observou Clare. “Mas, usando o zoológico como modelo, não há outra maneira de detectar o DNA de um tigre, exceto pelo tigre do zoológico. Isso nos permite realmente testar as taxas de detecção.”
Clare acrescentou: “Uma coisa que nossos laboratórios fazem é desenvolver e aplicar novas ferramentas. Então, talvez não seja tão surpreendente que ambos terminemos com a mesma ideia ao mesmo tempo”.
No entanto, o fato de os dois grupos de pesquisa estarem publicando ao mesmo tempo na revista Current Biology está longe de ser coincidência. Depois de ver os artigos um do outro em um servidor de pré-impressão, os dois grupos decidiram enviar seus manuscritos para a revista juntos. “Decidimos que preferíamos arriscar um pouco e dizer que não estamos dispostos a competir nisso”, avaliou Clare. “Na verdade, é uma ideia tão maluca que é melhor ter confirmações independentes de que isso funciona. Ambas as equipes estão ansiosas para ver essa técnica se desenvolver.”