05/01/2021 - 15:50
Se você já teve um caso grave de jet lag, sabe como uma interrupção no ritmo circadiano do corpo dificulta seu funcionamento. Os “relógios” circadianos moleculares existem nas células de todo o corpo, governando mais do que apenas os ciclos de sono e vigília. Eles, na verdade, são cruciais para muitos aspectos da saúde humana. Por mais de uma década, os pesquisadores vêm tentando descobrir o que os faz funcionar, em busca de novos conhecimentos sobre doenças como Alzheimer, câncer e diabetes.
Até agora, essa pesquisa se concentrava no que é conhecido como genes de relógio. Eles codificam proteínas as quais impulsionam os ciclos oscilantes da expressão gênica que afetam a fisiologia e o comportamento. Mas a pesquisa recém-publicada na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences” revela a descoberta de uma nova engrenagem no relógio circadiano – uma camada regulatória do genoma composta de pequenas cadeias de nucleotídeos não codificantes conhecidos como microRNAS (miRNAs).
“Vimos como a função desses genes de relógio são realmente importantes em muitas doenças diferentes”, disse Steve Kay, professor de neurologia, engenharia biomédica e biologia computacional quantitativa da Escola de Medicina Keck da Universidade do Sul da Califórnia (USC, nos EUA). “Mas estávamos cegos para um tipo totalmente diferente de rede de genes que também é importante para a regulação circadiana, e esse é todo o mundo maluco do que chamamos de microRNA não codificante.”
Ferramenta valiosa
Antes considerados “DNA lixo”, os miRNAs agora são conhecidos por afetar a expressão gênica, impedindo o RNA mensageiro de fazer proteínas. Pesquisas anteriores indicaram que os miRNAs podem ter um papel na função dos relógios circadianos. No entanto, determinar qual das centenas de miRNAs no genoma pode estar envolvido continua a ser um problema.
Kay e sua equipe, liderada por Lili Zhou, pesquisadora associada do Departamento de Neurologia da Escola Keck, procuraram o Instituto de Genômica da Novartis Research Foundation (GNF) em San Diego, que criou robôs capazes de experimentos de alto rendimento. Trabalhando com cientistas do instituto, Zhou desenvolveu uma tela de alto rendimento para um robô testar os cerca de 1.000 miRNAs, transferindo-os individualmente para células que a equipe havia projetado para acender e apagar, com base no ciclo de relógio circadiano de 24 horas da célula.
“A colaboração com o GNF possibilitou que realizássemos a primeira abordagem de triagem baseada em células, em todo o genoma, para identificar sistematicamente quais das centenas de miRNAs podem ser os que modulam os ritmos circadianos”, disse Zhou.
“Para nossa surpresa”, disse Kay, “descobrimos cerca de 110 a 120 miRNAs que fazem isso.”
Com a ajuda de Caitlyn Miller, aluna de bioquímica da USC, os pesquisadores verificaram o impacto nos ritmos circadianos ao inativar certos miRNAs que brilhavam na tela. Desativar os miRNAs teve o efeito oposto no ritmo circadiano das células na comparação com adicioná-los às células.
Impactos fisiológicos e comportamentais
Os pesquisadores também se concentraram nos impactos fisiológicos e comportamentais dos miRNAs. Eles analisaram o comportamento de camundongos com um determinado agrupamento de miRNAs desativados – miR 183/96/182. Perceberam que a desativação do agrupamento interferia em seu comportamento de andar em rodas no escuro em comparação com os ratos de controle. Eles então examinaram o impacto do aglomerado de miRNAs no cérebro, na retina e no tecido pulmonar. Descobriram que a inativação do aglomerado afetava os ritmos circadianos de uma maneira diferente em cada tipo de tecido. Isso sugere que a forma como os miRNAs regulam o relógio circadiano é específica do tecido.
Compreender o impacto dos miRNAs no relógio circadiano em tecidos individuais pode revelar novas maneiras de tratar ou prevenir doenças específicas. “No cérebro, estamos interessados em conectar o relógio a doenças como Alzheimer; no pulmão, estamos interessados em conectar o relógio a doenças como a asma”, disse Kay. “O próximo passo é modelar os estados de doença em animais e células e observar como esses microRNAs estão funcionando nesses estados de doença.”