08/12/2022 - 12:29
Um DNA de 2 milhões de anos foi identificado pela primeira vez, o que abre um novo e “revolucionário” capítulo na história da evolução.
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Fragmentos microscópicos de DNA ambiental foram encontrados em sedimentos da Era do Gelo no norte da Groenlândia. Usando tecnologia de ponta, os pesquisadores descobriram que os fragmentos são 1 milhão de anos mais antigos do que o registro anterior de amostras de DNA de um osso de mamute siberiano.
O DNA antigo foi usado para mapear um ecossistema de 2 milhões de anos que resistiu a mudanças climáticas extremas. Os pesquisadores esperam que os resultados possam ajudar a prever o custo ambiental de longo prazo do aquecimento global de hoje.
Novo capítulo
A descoberta foi feita por uma equipe de cientistas liderada pelos professores Eske Willerslev e Kurt H. Kjær. O professor Willerslev é membro do St John’s College, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), e diretor do Centro de Geogenética da Fundação Lundbeck da Universidade de Copenhague (Dinamarca), onde também trabalha o professor Kjær, especialista em geologia.
Os resultados das 41 amostras utilizáveis encontradas escondidas em argila e quartzo foram publicados na revista Nature.
O professor Willerslev disse: “Um novo capítulo abrangendo um milhão de anos extras de história foi finalmente aberto e, pela primeira vez, podemos olhar diretamente para o DNA de um ecossistema passado tão distante no tempo. (…) O DNA pode se degradar rapidamente, mas mostramos que, sob as circunstâncias certas, agora podemos voltar mais no tempo do que qualquer um poderia imaginar”.
“As antigas amostras de DNA foram encontradas enterradas profundamente em sedimentos que se acumularam por mais de 20 mil anos”, afirmou o professor Kjær. “O sedimento acabou sendo preservado no gelo ou permafrost e, crucialmente, não perturbado por humanos por 2 milhões de anos.”
Mastodonte na Groenlândia
As amostras incompletas, com alguns milionésimos de milímetro de comprimento, foram retiradas da Formação København, um depósito de sedimentos de quase 100 metros de espessura situado na foz de um fiorde no Oceano Ártico, no ponto mais ao norte da Groenlândia. O clima na Groenlândia na época variava entre o Ártico e o temperado e era entre 10°C-17°C mais quente do que a Groenlândia é hoje. O sedimento se acumulou metro a metro em uma baía rasa.
Os cientistas encontraram evidências de animais, plantas e microrganismos, incluindo renas, lebres, lemingues, bétulas e choupos. Os pesquisadores até descobriram que o mastodonte, um mamífero da Era do Gelo, vagou até a Groenlândia antes de se extinguir. Anteriormente, pensava-se que o alcance dos animais parecidos com elefantes não se estendia até a Groenlândia desde suas origens conhecidas na América do Norte e Central.
O trabalho de detetive de 40 pesquisadores de Dinamarca, Reino Unido, França, Suécia, Noruega, Estados Unidos e Alemanha desvendou os segredos dos fragmentos de DNA. O processo foi meticuloso – primeiramente eles precisavam estabelecer se havia DNA escondido na argila e no quartzo, e, no caso de haver, se eles poderiam separar com sucesso o DNA do sedimento para examiná-lo. A resposta acabou por ser sim.
Os pesquisadores compararam cada fragmento de DNA com extensas bibliotecas de DNA coletadas de animais, plantas e microrganismos atuais. Começou a surgir uma imagem do DNA de árvores, arbustos, pássaros, animais e microrganismos.
Imagem de um estágio desconhecido
Alguns dos fragmentos de DNA foram fáceis de classificar como predecessores das espécies atuais. Outros só puderam ser ligados em nível de gênero, e alguns se originaram de espécies impossíveis de colocar nas bibliotecas de DNA de animais, plantas e microrganismos ainda vivos no século 21.
As amostras de 2 milhões de anos também estão ajudando os acadêmicos a construir uma imagem de um estágio anteriormente desconhecido na evolução do DNA de uma variedade de espécies ainda existentes hoje.
O professor Kjær afirmou: “As expedições são caras e muitas das amostras foram retiradas em 2006, quando a equipe estava na Groenlândia para outro projeto, e estão armazenadas desde então. (…) Não foi até que uma nova geração de equipamentos de extração e sequenciamento de DNA foi desenvolvida que conseguimos localizar e identificar fragmentos de DNA extremamente pequenos e danificados nas amostras de sedimentos. Isso significa que finalmente conseguimos mapear um ecossistema de milhões de anos”.
O professor assistente Mikkel W. Pedersen, coprimeiro autor do artigo e também baseado Centro de Geogenética da Fundação Lundbeck da Universidade de Copenhague, disse: “O ecossistema Kap København, que não tem equivalente atual, existia em temperaturas consideravelmente mais altas do que temos hoje – e porque, aparentemente, o clima parece ter sido semelhante ao clima que esperamos em nosso planeta no futuro devido ao aquecimento global”.
Capacidade de adaptação
“Um dos fatores-chave aqui é até que ponto as espécies serão capazes de se adaptar à mudança nas condições decorrentes de um aumento significativo da temperatura”, prosseguiu Pedersen. “Os dados sugerem que mais espécies podem evoluir e se adaptar a temperaturas muito variadas do que se pensava anteriormente. Mas, crucialmente, esses resultados mostram que elas precisam de tempo para fazer isso. A velocidade do aquecimento global de hoje significa que organismos e espécies não têm esse tempo, então a emergência climática continua sendo uma grande ameaça à biodiversidade e ao mundo – a extinção está no horizonte para algumas espécies, incluindo plantas e árvores.”
Ao revisarem o DNA antigo da Formação Kap København, os pesquisadores também encontraram DNA de uma ampla gama de microrganismos, incluindo bactérias e fungos, que continuam a mapear. Uma descrição detalhada de como a interação – entre animais, plantas e organismos unicelulares – dentro do antigo ecossistema no ponto mais ao norte da Groenlândia funcionou biologicamente será apresentada em um futuro trabalho de pesquisa.
Espera-se agora que alguns dos “truques” do DNA de plantas de 2 milhões de anos descobertos possam ser usados para ajudar a tornar algumas espécies ameaçadas de extinção mais resistentes a um clima mais quente.
“É possível que a engenharia genética possa imitar a estratégia desenvolvida por plantas e árvores há 2 milhões de anos para sobreviver em um clima caracterizado pelo aumento das temperaturas e evitar a extinção de algumas espécies, plantas e árvores”, observou o professor Kjær. “Esta é uma das razões pelas quais esse avanço científico é tão significativo porque ele pode revelar como tentar neutralizar o impacto devastador do aquecimento global.”
Novo período aberto
As descobertas da Formação Kap København na Groenlândia abriram um novo período na detecção de DNA.
O professor Willerslev explicou: “O DNA geralmente sobrevive melhor em condições frias e secas, como as que prevaleceram durante a maior parte do período desde que o material foi depositado em Kap København. Agora que extraímos com sucesso o DNA antigo de argila e quartzo, pode ser possível que essa argila tenha preservado DNA antigo em ambientes quentes e úmidos em locais encontrados na África”.
Ele prosseguiu: “Se pudermos começar a explorar o DNA antigo em grãos de argila da África, poderemos coletar informações inovadoras sobre a origem de muitas espécies diferentes – talvez até mesmo novos conhecimentos sobre os primeiros humanos e seus ancestrais – as possibilidades são infinitas”.