29/10/2025 - 19:01
Primeiras facções surgiram na década de 1970, e hoje 88 grupos atuam em todas as regiões do país. Comando Vermelho, alvo de megaoperação no Rio de Janeiro, é um de dois com influência também no exterior.Ao redor do Brasil e para além das fronteiras nacionais, 88 organizações criminosas realizam atividades ilícitas contínuas a fim de obter lucros, segundo relatório de Inteligência do Ministério de Justiça e Segurança Pública (MJSP). Quase todas elas têm presença tanto nas ruas quanto em presídios, poder financeiro e estruturas hierárquicas.
Alvo da megaoperação que deixou dezenas de mortos na segunda-feira (28/10) no Rio de Janeiro — a mais letal já realizada no estado —, o Comando Vermelho (CV) é, junto com o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das duas maiores organizações criminosas do Brasil.
O grupo vem expandindo a sua atuação nos territórios fluminense, de onde é originário, e nacional, afirmam especialistas. De acordo com a imprensa carioca, o CV põe em prática nos últimos quatro anos um plano para expandir seu domínio, tomando, inclusive, áreas controladas por milicianos.
Facções espalhadas
Já não há estado brasileiro livre da influência do CV, do PCC ou de múltiplas outras organizações criminosas. Ao longo das últimas cinco décadas, elas se multiplicaram, ganharam capilaridade e forjaram alianças ou inimizades na disputa por território.
Hoje, o Nordeste é a região com o maior número de organizações criminosas conhecidas pelo MJSP — 46 foram mapeadas entre 2022 e 2024. Em seguida, aparecem as regiões Sul (24), Sudeste (18), Norte (14) e Centro-Oeste (10).
O crime organizado sobrevive sobretudo do tráfico de drogas, além do roubo de carga, latrocínio, fraude, extorsão, lavagem de dinheiro e controle de territórios e serviços. Na Amazônia, PCC e CV estariam também ampliando seu envolvimento com o garimpo ilegal, incluindo em acampamentos dentro de terras indígenas.
Estruturadas em redes de facções, as organizações criminosas compartilham símbolos de pertencimento e, não raro, mantêm ideologias ou estatutos próprios. Também antagonizam diretamente contra o poder público — com a não obediência das leis e ações violentas contra agentes do Estado —, organizam resgates ou fugas de presos e promovem rebeliões em prisões.
Origem nas prisões
Após anos de expansão pelo território brasileiro, tanto CV quanto PCC têm membros espalhados em presídios de todos os estados, afirma o levantamento do governo federal, com exceção do Rio Grande do Sul. Na terra gaúcha, predominam as organizações Bala na Cara, formada em 2005, e Os Manos, cujos primeiros sinais datam dos anos 1980.
As primeiras facções surgiram dentro dos presídios nos anos 1970. Divididos em grupos, os presos então reivindicavam melhores condições das autoridades — incluindo o fim da tortura e dos maus-tratos —, garantiam proteção aos seus aliados, criavam regras de convivência e profissionalizavam o que, até então, era a atividade criminosa de grupos de menor porte.
Em 1979, emergiu a Falange Vermelha, que daria origem ao Comando Vermelho, no antigo presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande. O grupo se formou quando presos comuns e políticos, militantes de grupos armados contra a ditadura militar, passaram a conviver. Os anos seguintes seriam marcados pela ampliação do poder da então recém-nascida organização, movida pelo tráfico de cocaína.
Mais tarde, em 1993, nasceria o PCC na Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo — entre outros motivos, para evitar violências do Estado, tal como ocorrera no massacre do Carandiru, que deixara 111 mortos em 1992. Hoje, a maior organização criminosa do país conta com estimados 40 mil membros.
“Existia um discurso de organização e de proteção aos presos. Depois, esse discurso de proteção se estendeu até as periferias. E a proteção era contra a própria polícia”, explicou o cientista social Eduardo Armando Medina Dyna ao Jornal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), sobre os primórdios do PCC.
Influência no exterior
Hoje inimigos — embora tenham sido aliados nos anos 2000 —, CV e PCC são as únicas organizações criminosas brasileiras que, no mapeamento do governo federal, têm influência no exterior, com destaque para a América do Sul. Dos outros 86 grupos, 72 atuam unicamente nos seus estados de origem, e 14 alcançam mais de um estado ou região dentro do Brasil.
De acordo com dados do Ministério Público de São Paulo obtidos em junho pelo portal g1, o PCC tem estimadamente mais de 2 mil membros em outros 28 países. A maioria deles atuaria dentro de prisões com recrutamento de novos membros, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas e armas.
Já O Globo afirmou neste ano que autoridades do governo estadual do Rio de Janeiro e dos Estados Unidos (EUA) costuravam um acordo para combater juntas o CV. A organização manteria laços com cartéis sul-americanos e mexicanos com penetração no território americano, reportou o jornal.
Redes fortes, tréguas frágeis
As duas maiores organizações criminosas do país chegaram a acordar um cessar-fogo em fevereiro deste ano, a fim de fortalecer suas atividades e armamentos. A trégua alarmou autoridades e colocou uma pausa a quase uma década de confrontos violentos, disputas por rotas de contrabando e tomadas de território, sobretudo no Norte e Nordeste, conforme explicam pesquisadores do Observatório de Segurança Pública.
Mas a paz durou apenas dois meses, fazendo retornar a guerra inicialmente deflagrada em 2016. À época, fora assassinado o narcotraficante Jorge Rafaat, conhecido como “rei do tráfico”, na fronteira entre Brasil e Paraguai.
Provocada por uma emboscada cinematográfica, a sua morte foi considerada um marco da disputa, incluindo por PCC e CV, pelo controle de um importante corredor para o tráfico de drogas na América do Sul.
O Brasil registraria em 2017 um recorde anual de homicídios — mais de 65 mil, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) —, associado por especialistas aos confrontos entre PCC e CV. A marca nunca foi superada, com o registro mais recente sendo de 45 mil homicídios em 2023.
“Naquele momento, o PCC alcançava predomínio nas rotas utilizadas no Centro-Oeste brasileiro, empurrando a atuação do CV em direção ao Norte, onde intensificou o processo de alianças, conflitos e acomodações com facções e outros grupos de origem regional”, explica um relatório de 2023publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Desde então, ambas as organizações estariam investindo na internacionalização e fortalecendo novas rotas do tráfico de drogas, como a do rio Solimões, na tríplice fronteira entre Peru, Colômbia e Brasil. Atuam ainda na área outros grupos de países vizinhos, incluindo dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Um estudorealizado por pesquisadores de universidades dos Estados Unidos (EUA) estimou neste ano que o Brasil tenha entre 50 e 61 milhões de pessoas vivendo sob a governança de organizações criminosas. O número corresponde a aproximadamente um quarto da população do país e é o maior da América Latina, de acordo com os dados levantados pela pesquisa.