Em julho de 2021, chuvas torrenciais trouxeram morte e destruição ao vale no oeste da Alemanha, famoso por suas vinícolas e paisagens românticas. Como o trabalho de reconstrução está evoluindo?Na noite de 14 para 15 de julho de 2021, a Alemanha sofreria um dos piores desastres naturais da sua história: chuvas torrenciais transformaram o rio Ahr, no oeste do país, num monstro furioso que varreu pessoas, casas, pontes e trilhos ferroviários. Pelo menos 135 pessoas morreram só no estado da Renânia-Palatinado.

O enólogo Lukas Sermann também perdeu amigos e vizinhos naquela noite. “No entanto, vejo a enchente como uma oportunidade”, diz Sermann com um tom persistente. O negócio familiar, que ele assumira apenas dois anos antes do desastre, não estava segurado contra danos causados ​​por enchentes. Mas isso não impediu que Sermann reconstruísse a empresa destruída em Altenahr. “Depois desses dois anos, estou cansado, feliz e empolgado”, diz.

Sermann foi um dos beneficiados pelos 30 bilhões de euros do fundo de recuperação criado pelos governos federal e estaduais para ajudar os afetados pela enchente nos trabalhos de reconstrução. O viticultor e vice-presidente da associação Ahrwein conseguiu compensar 80% de seus danos com fundos públicos. Hoje ele administra uma pousada, uma enoteca e sua própria vinícola, que produz sobretudo o tinto Spätburgunder, típico da região. Numa área total de mais de onze hectares de vinhedos, Sermann dedica um deles para o cultivo do também famoso Riesling, que vende bem “porque os vinhos brancos estão muito na moda”, justifica.

O estreito Vale do Ahr costumava ser uma área pobre, de caráter rural. Mas isso só durou até os romanos descobrirem que o local podia produzir um ótimo vinho: hoje, com cerca de 560 hectares de vinhedos, o vale é considerado um dos paraísos do vinho tinto na Alemanha, com suas encostas íngremes atraindo cada vez mais apreciadores e turistas, sobretudo nas últimas décadas.

O vinho voltou a vender bem, mas muitos turistas pararam de vir, diz Sermann. O motivo, segundo ele, é a infraestrutura ainda debilitada: carecem de reparos não só estradas, ciclovias e linhas ferroviárias, como também estacionamentos para ônibus e trailers.

Falta infraestrutura para o turismo

Carolin Groß, consultora da associação Ahrwein, vê também outro motivo: “Muitos grandes hotéis e centros de conferências ainda não reabriram”, observa. E alguns tampouco vão reabrir. No momento, é impossível dizer se o número de visitantes registrados em 2019 — antes da covid-19 e da enchente — poderá um dia ser alcançado novamente. Em comparação com aquela época, quando foram contabilizados cerca de 1,3 milhão de visitantes, houve uma recuperação de apenas 60% na ocupação dos leitos. Atualmente, os novos turistas do Ahr tendem a ficar apenas um fim de semana na região, em vez de vários dias, como costumavam fazer.

Thomas Winges admite que o Vale do Ahr ainda não está entre os destinos de férias mais populares. “Relaxar é outra coisa”, diz, referindo-se ao ruído de construção e máquinas ainda onipresente em quase todo o vale. Para onde se olhe, há trabalhos de limpeza e construção. Mas seu modelo de negócios segue em frente: mesmo antes do desastre da enchente, ele oferecia caminhadas na romântica Altenahr. Agora o passeio se chama “Trilha entre os mundos”. Com isso, ele se refere à destruição ainda visível no fundo do vale e a beleza das vinhas logo acima.

Ele mostra fotos de Altenahr destruída logo após a enchente e fala sobre as dez mortes registradas só nesta pequena cidade. E fala também da própria enchente, que aqui alcançou 10,60 metros (atualmente o nível da água é de 48 centímetros) e arrastou tudo consigo. Mas Winges também relembra a grande solidariedade entre os moradores e os muitos voluntários que vieram de todo o mundo para ajudar no Vale do Ahr.

Muitas coisas, porém ainda estão longe do normal, relata Hubert Pauly, presidente da associação de viticultores locais. O medo ainda está muito vivo na mente dos cerca de 130 mil habitantes do vale. O medo da água volumosa, da enchente, do sofrimento. O medo das imagens que assombram muitas pessoas até mesmo em seus sonhos, diz Pauly. Os olhares ansiosos para o céu a cada nova tempestade.

“Nossa casa vai ser ruir de novo?”

Lá fora começa a chover torrencialmente. Há previsão de mau tempo para este dia no final de junho e, por precaução, a escola em Ahrweiler permanece fechada. Sob forte chuva e trovões, é inevitável lembrar daquela noite fatídica. Pauly conta que a neta de um amigo chegou a perguntar para o avô se a casa seria destruída novamente.

Ao enumerar os prejuízos sofridos pelos produtores de vinho do Vale do Ahr, Hubert Pauly estima que eles somam cerca de 200 milhões de euros. Segundo ele, apenas cinco das 35 vinícolas escaparam dos danos causados pela enchente. Pauly acrescenta que houve também muita solidariedade dos viticultores de outras regiões, que desde o início ajudaram na limpeza, na vindima, na prensagem e no armazenamento do vinho. Ele destaca sobretudo a solidariedade demonstrada pelos clientes, que compraram o “vinho do dilúvio” — como ficaram conhecidas as garrafas cobertas de lodo que puderam ser recuperadas.

Mas Pauly também chama a atenção para a necessidade de melhorias: as linhas telefônicas ainda não foram instaladas, a rede de telefonia celular é ruim, planejamento e desenvolvimento são descoordenados, e faltam precauções para proteção contra inundações no Ahr.

O povo daqui gostaria de olhar em frente, diz o presidente da vitivinicultura. Mesmo que tudo não corra conforme o planejado, o Vale do Ahr continua a ser “digno de ser vivido e adorado”.

Nota: a pesquisa para esta reportagem foi financiada pelo Deutsche Weininstitut (DWI).