Relatório da Organização Meteorológica Mundial mostra que ciclo hidrológico está se tornando cada vez mais imprevisível no mundo, tornando secas e enchentes mais extremas e frequentes.O ano de 2024 entrou para a história como o mais quente desde o início dos registros, há 175 anos, segundo reiterou o mais recente relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), ligada às Nações Unidas.

As temperaturas ficaram 1,55°C acima do nível pré-industrial (1850 –1900), o primeiro ano em que a média global rompeu o limite simbólico de 1,5 °C. Ultrapassar esse marco eleva consideravelmente os riscos de eventos climáticos extremos, segundo consenso científico ratificado por quase todos os países no Acordo de Paris.

Os extremos de seca e inundações causados pela crise climática, às vezes na mesma região, foram tão intensos que apenas um terço das bacias hidrográficas do mundo apresentaram condições normais nos últimos seis anos, apresentando excesso ou escassez de água, destaca o documento divulgado nesta quarta-feira (18/09).

O ciclo hidrológico cada vez mais errático está criando grandes problemas para sociedades e governos, causando bilhões de dólares em prejuízos, alertam os cientistas envolvidos no relatório.

O texto aponta para um cenário de secas prolongadas no norte da América do Sul, na Bacia Amazônica e no sul da África. Por outro lado, partes da África Central, Europa e Ásia tiveram que lidar com um clima mais úmido do que o normal, sendo atingidas por inundações devastadoras ou tempestades mortais.

A Europa registrou a pior temporada de enchentes desde 2013. Um terço de sua rede fluvial ultrapassou níveis de inundação considerados altos, com 335 mortes e mais de 400 mil pessoas afetadas.

A Ásia e locais no Pacífico foram atingidos por chuvas recordes e ciclones tropicais, incluindo o Tufão Yagi e as inundações de primavera no Afeganistão, resultando em mais de 1.000 mortes, graves danos econômicos e crises humanitárias generalizadas em vários países.

“Água é vida. Ela sustenta nossas sociedades, impulsiona nossas economias e ancora nossos ecossistemas. E, no entanto, os recursos hídricos do mundo estão sob pressão crescente e, ao mesmo tempo, riscos mais extremos relacionados à água estão tendo um impacto crescente nas vidas e nos meios de subsistência”, afirma Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, no prefácio do relatório.

Brasil de extremos simultâneos

O relatório lembra que o Brasil viveu dois desastres hídricos de grande escala no ano passado. Enquanto as enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul, em maio, deixaram mais de 180 mortos e afetaram quase 2,4 milhões de pessoas, a Amazônia enfrentou a seca mais intensa já registrada.

O Rio Negro, em Manaus, atingiu nível mínimo histórico, enquanto a bacia amazônica registrou chuvas até 40% abaixo da média. No total, a seca – iniciada em 2023 e agravada pelos efeitos do El Niño e do desmatamento – afetou 59% do território nacional, atingindo também o Pantanal e o semiárido.

Do Norte ao Sul, as perdas econômicas foram significativas. Somente no setor agrícola gaúcho, os prejuízos ultrapassaram R$ 8,5 bilhões. Pastagens, plantações de soja e a pesca artesanal sofreram danos severos, aponta o relatório.

Na América do Sul, os rios Paraná, São Francisco, Paraguai e Orinoco também foram citados pela organização, por terem apresentado vazões muito abaixo do normal. O Rio Paraguai, em Assunção, atingiu o nível mais baixo em 60 anos.

Tendência irreversível?

Todas as regiões do mundo reportaram perda de gelo em 2024, com redução de 450 gigatoneladas – o equivalente a 1,2 mm de elevação do nível do mar. Foi o terceiro ano consecutivo de retração significativa, um indicador claro de desequilíbrio climático. Diferente da chuva ou do vento, que podem variar ano a ano, a tendência de derretimento de gelo é clara e cumulativa.

No Ártico, o aquecimento foi mais de três vezes superior à média global, tendência que deve se intensificar nos próximos invernos boreais, indicam os cientistas.

O relatório conclui que os sinais de mudanças climáticas duradouras são cada vez mais evidentes: aquecimento dos oceanos, derretimento acelerado de geleiras, declínio do gelo marinho no Ártico e elevação contínua do nível do mar. E destaca que os fenômenos extremos, como ondas de calor, secas, inundações e perdas de gelo, deverão se tornar mais frequentes e intensos.

Aviso aos governantes

Os governos devem adotar medidas para reduzir o impacto das oscilações extremas no ciclo hidrológico, como reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa, melhorar o armazenamento de água por meio da construção de reservatórios e a adoção de projetos urbanísticos com a capacidade de agir como “esponjas” em áreas propensas a inundações.

É necessário também incentivar a mudança nas técnicas agrícolas para um melhor aproveitamento da água disponível, aconselha a entidade.

Outro ponto que recebeu destaque foi a necessidade de melhoria do monitoramento global da água, principalmente na América do Sul, Ásia e África, onde ainda há muitas lacunas.

No Brasil, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) é apontado como referência em monitoramento de risco de desastres, mas o relatório defende a necessidade de ampliar a cobertura e a integração dos serviços climáticos.

“Informação confiável, baseada na ciência, é mais importante do que nunca, porque não podemos gerenciar o que não medimos”, destacou Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.

sf/cn (ots)