01/10/2021 - 10:39
Um céu chuvoso paira sobre Mannheim em 13 de julho de 2021. Mas justamente esse dia soturno poderá trazer esperanças a milhões de indivíduos que sofrem de depressão.
No Instituto Central de Saúde Psíquica (ZI) da cidade alemã, o primeiro paciente de um projeto de pesquisa tem uma vivência psicodélica: de olhos vendados, música nos fones de ouvido e acompanhado por dois terapeutas, ele realiza uma viagem interior conduzida pela droga psilocibina.
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Conhecido há cerca de 60 anos, esse alcaloide é que confere aos “cogumelos mágicos” a sua magia, o efeito alterador da consciência. No entanto, é proibido em quase todo o mundo, na Alemanha há cerca de meio século.
Mesmo para os pesquisadores do ZI, “a obtenção da substância provou ser o obstáculo mais alto”, explica à DW o orientador do estudo, Gerhard Gründer. Isso, porque “não há muitos fabricantes no mundo capazes de fornecer uma substância dessas com a qualidade requerida; foi um processo longo e trabalhoso”.
Mas tais dificuldades são superadas com cada vez mais frequência, pois há muito as viagens alucinógenas deixaram de ser apenas passatempo de hippies. Um número crescente de estudos científicos confirma o potencial de uma terapia baseada na psilocibina para os depressivos, mesmo quando outras possibilidades já foram descartadas.
Contando um total de 144 pacientes, a pesquisa do ZI agora é tão ampla que Gründer espera “resultados estatisticamente relevantes”.
Droga milagrosa contra a depressão?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 300 milhões sofram de depressão em todo o mundo. Na Alemanha, são 5 milhões: o Ministério da Saúde a considera uma Volkskrankheit, uma doença muito disseminada entre a população, e cerca de um quinto dos afetados não reage aos métodos de tratamento convencionais. “A demanda é gigantesca”, constata Gründer, que é soterrado com solicitações de tratamento em seu instituto.
Nas terapias clássicas, o paciente recebe doses diárias de antidepressivos. A nova abordagem é fundamentalmente diferente, pois a psilocibina é ministrada apenas uma ou duas vezes. “Trata-se de uma terapia muito perturbadora, que é integrada num programa psicoterapêutico”, explica o chefe de pesquisa.
Participantes de estudos anteriores relatam experiências existencialmente transformadoras, grande melhora da disposição psíquica, permitindo-lhes até a suspensão dos antidepressivos – um estado que perdura ainda por meses após a trip curadora.
A perspectiva de melhorar significativamente o estado de vítimas da depressão com apenas algumas sessões psicodélicas vale para o Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha até mesmo um investimento de mais de 2 milhões de euros.
O fato de o país estar empregando verbas públicas na pesquisa da psilocibina mostra até que ponto a droga migrou das margens exóticas para o centro da medicina tradicional. Desse modo, as substâncias alucinógenas aportaram novamente onde já estiveram nas décadas de 1950 e 1960: na área da pesquisa psiquiátrica, medicinal e psicológica.
Livrando o psicodelismo do estigma
O tema recebeu destaque especial em meados de setembro, quando se realizou em Berlim a conferência Insight 2021, da MIND Foundation – a qual, segundo seu website, se empenha pelo “emprego baseado em evidências, seguro e legal da experiência psicodélica na medicina e na sociedade”. O local do encontro da elite da pesquisa com alucinógenos foi nada menos do que a Charité, uma das instituições médicas mais conceituadas da Alemanha.
Durante quatro dias debateram-se processos neurológicos, compararam-se em diagramas os efeitos do LSD, da psilocibina e outras drogas, relatou-se sobre o estado da pesquisa em diferentes áreas. Esteve presente até mesmo uma funcionária do Instituto Federal de Medicamentos e Produtos Médicos da Alemanha (BfArM).
“Conseguimos livrar o assunto do estigma, estabeleceu-se um discurso”, avaliou a cofundadora da MIND Foundation Andrea Jungaberle, ressalvando: “Como esse discurso vai afetar a rotina cotidiana médica é algo que ainda cabe ver.”
Inegável, porém, é o interesse do setor pelo tema: no começo de 2021, a revista científica Nature trazia a manchete “Como ecstasy e psilocibina colocam a psiquiatria de cabeça para baixo”.
Do nicho hippie para a bolsa de Nova York
Um número crescente de empresas também se mostra entusiasmado: se dependesse delas, em breve psilocibina, MDMA (princípio ativo do ecstasy) e outras substâncias estariam sendo empregadas em larga escala contra depressão, dependência patológica e um colorido buquê de doenças psíquicas.
Essa, sem dúvida, é a meta do holding de biotecnologia Atai Life Sciences, de Christian Angermayer. O investidor alemão de cerca de 45 anos fala com prazer de suas experiências com a psilocibina em veículos de economia como o Handelsblatt e a Wirtschaftswoche. Três anos após sua fundação, a holding psicodélica já vale mais de 2 bilhões de dólares, e em meados de 2021 passou a integrar o índice Nasdaq da bolsa de valores de Nova York.
Entre outras, a Atai tem participação na firma britânica Compass Pathways, que desenvolveu sua própria psilocibina sintética, sobre a qual realiza no momento um estudo clínico de fase 2. Trata-se da maior pesquisa do mundo sobre o alucinógeno, envolvendo 200 pacientes em 22 locais de dez países. Igualmente cotada no Nasdaq, a companhia vale mais de 1 bilhão de dólares, apenas cinco anos após sua criação.
Outro indicador de que o boom das viagens psicodélicas está gerando todo um novo ramo da economia é o Berlin Registry da Mind Foundation, onde estão listadas cerca de 130 empresas do setor, desde um retiro à base de psilocibina, A Whole New High, na Holanda; até a Wavepaths, especialista no som perfeito para acompanhar a trip nos fones de ouvido.
Tamanha explosão de interesse não cheira bem nem mesmo para Andrea Jungaberle, da MIND Foundation: “Nosso maior amigo e nosso maior inimigo é o hype“, constata sobriamente, reivindicando “uma forma de lidar adequada, entre demonização e idealização”.
O psicoterapeuta suíço Peter Gasser partilha essa avaliação. Para ele, que há 30 anos trabalha com LSD e MDMA, “esse ritmo quase dá medo”. “Essa expansão, de pequenos tratamentos de nicho, só um punhado de pacientes por estudo, e agora já se pensa em milhões.” Ele teme que a qualidade da terapia venha a sofrer “se a coisa for vista de forma excessivamente tecnológica ou esquemática”.