Se você pesquisar no Google por “vício em pornografia”, será apresentado a centenas de artigos aparentemente respeitáveis sobre como lidar com o problema. Publicados em sites como MedScape, Medical News Today e Healthline, eles explicam o problema, aconselham como obter ajuda e asseguram que você não está sozinho.

Além disso, há muitos sites voltados exclusivamente a apoiar pessoas aflitas com esse chamado vício, como NoFap e Your Brain on Porn.

É notável que, de acordo com todos os manuais de classificação psicológica, uma pessoa não pode ser clinicamente viciada em pornografia. Nem o vício sexual, nem o vício pornográfico fazem parte do DSM, um sistema de classificação para distúrbios mentais da Associação Psiquiátrica Americana, ou do CDI, um sistema similar para doenças de todos os tipos, mantido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mas, se você mesmo já experimentou isso ou viu isso ocorrer com seu parceiro, você sabe. O consumo de pornografia pode sair de controle, ao ponto de prejudicar seu relacionamento. Todos esses artigos, websites e relatos no YouTube não vieram do nada, afinal.

Moralidade complica

A frase “vício em pornografia” apareceu pela primeira vez no final dos anos 70 nos EUA, de acordo com um artigo publicado em 2016 na revista Sexual Addiction and Compulsivity. O termo surgiu ligado ao movimento da maioria moral, uma organização política associada à direita cristã e ao Partido Republicano nos EUA que acreditava na promoção do que eles chamavam de “valores familiares tradicionais”. Os líderes do movimento acreditavam que o consumo de pornografia representava uma ameaça a um casamento “puro” e, portanto, a esses valores.

O vício em pornografia é muitas vezes autodiagnosticado. De acordo com Joshua Grubbs, um psicólogo clínico e pesquisador do vício em pornografia da Bowling Green State University de Ohio, uma pessoa acreditar que tem ou não um vício em pornografia depende muitas vezes de suas crenças morais sobre o tema.

Grubbs chama esse fenômeno de “incongruência moral” – aqueles que pensam que a pornografia é moralmente ruim, mas continuam a vendo, podem acreditar que têm um problema, até mesmo um vício real, embora seu consumo seja considerado normal pelo padrão da maioria.

Para essas pessoas, a pornografia não está impactando suas vidas como um vício clássico as afetaria, e o problema pode ter mais a ver com vergonha e estigmatização do que com algo que possa ser considerado uma dependência real.

Patologização do sexo

Parte do problema de incluir o sexo nos quadros de dependência tem a ver com o estigma no qual ele está envolto.

Os julgamentos morais muitas vezes moldam o quanto o desejo sexual é “supostamente” socialmente aceitável. Isto pode desempenhar um papel na patologização médica imprópria de comportamentos sexuais que podem ser perfeitamente comuns, apesar de não se enquadrarem nas normas aceitas.

O melhor exemplo disso é a patologização da homossexualidade. Até o início dos anos 70, a homossexualidade era considerada uma doença psicológica real nos EUA, em uma categorização impregnada de estigma moral e religioso.

O psicólogo de Stanford e ex-conselheiro de política de drogas da Casa Branca no governo Obama, Keith Humphreys, disse à DW que ao tentar entender se o comportamento sexual de alguém está causando problemas que deveriam ser tratados por psicólogos ou psiquiatras, ele perguntaria a um paciente: “Você está genuinamente gostando disso? Você está tocando sua vida normalmente, ou isso está interferindo em coisas que você precisa fazer, como seu trabalho ou sua saúde? Está destruindo suas relações com outras pessoas?”

“Se nenhuma dessas coisas for verdade, dizemos, ok, bem, então isso diz respeito a como você quer viver, certo?” disse Humpreys. “Porque não há esse dano. Até que haja esse dano – à própria pessoa ou a outras pessoas – não tem a ver com a medicina. Não é algo que devemos fazer. Estamos aqui para as pessoas que estão de alguma forma afetadas, doentes, a palavra que você preferir. Não estamos aqui para fazer julgamentos nem santificar as opiniões morais das pessoas.”

Debates morais à parte, existe um comportamento sexual fora de controle

Entretanto, colocando de lado preconceitos morais e julgamentos, os psicólogos concordam que o desejo excessivo por pornografia e sexo existe e pode provocar danos. Pode se tornar compulsivo e colocar em perigo os empregos e relacionamentos das pessoas.

Ao longo de sua carreira de 30 anos, Isabella Hauser, professora de psiquiatria e diretora da clínica ambulatorial de psiquiatria e psicoterapia no hospital Charité em Berlim, tratou dois pacientes por vício sexual. Eles estavam fazendo sexo ou vendo pornografia até cinco vezes por dia, todos os dias, o que interferia em seus relacionamentos e literalmente deixava seus pênis em carne viva, disse ela.

Problemas de controle do impulso sexual são observados com mais frequência nos homens, mas as mulheres também podem vivenciá-los.

Apesar do amplo debate sobre os chamados viciados em sexo – Harvey Weinstein foi classificado assim por seus advogados – são raras as pesquisas aprofundadas sobre a incidência e as causas desse problema. Além de ser difícil estudá-lo, a pesquisa sobre sexo e pornografia não é bem financiada, e o estigma é uma grande barreira para encontrar participantes para as pesquisas.

“Sabemos há milhares de anos que algumas pessoas têm comportamentos sexuais excessivos e fora de controle, que criam grandes problemas em suas vidas”, disse Grubbs. “Se um padrão de comportamento excessivo, compulsivo e fora de controle é ou não um vício, é outra questão”.

Os seres humanos podem ser viciados em algo além de drogas?

Tradicionalmente, os especialistas pensavam que as pessoa só poderiam se viciar em substâncias. Mas, nos anos 90, os psicólogos começaram a pressionar para expandir os manuais de classificação para incluir algo chamado de vícios “comportamentais” – os chamados vícios em pornografia ou em sexo cairiam sob esse guarda-chuva.

Os psicólogos alegaram que as pessoas poderiam se viciar ao usar a internet, jogar videogames, fazer sexo, apostar, fazer exercícios, comer ou fazer compras.

Há muito debate se esses problemas podem ser considerados vícios reais ou meros distúrbios de controle de impulso, e não há um consenso científico claro.

“A persistência de um comportamento diante das consequências que resultam em algum tipo de dependência fisiológica – é assim que eu definiria o vício”, disse Grubbs. “Mas isso não é um padrão de referência com o qual todo mundo concorda. Conheço muito bons pesquisadores que diriam que a dependência não importa. E conheço outros pesquisadores que diriam: ‘Bem, dependência é a única coisa que importa’. Esses fatores são mais difusos do que as pessoas querem admitir.”

Humphreys disse que ele acha que os comportamentos impulsivos só entram no território do vício quando começam a produzir danos genuínos a uma pessoa e a outros. A pessoa que experimenta o problema pode pensar: “Eu sei que isso é ruim, mas não consigo parar de fazer isso.”

Manuais de classificação não significam muito para o cuidado individual

Os especialistas em dependência não parecem muito preocupados com o debate semântico sobre se o consumo compulsivo de pornografia, ou hipersexualidade, ou jogos de videogames, devem ser considerados como dependência real ou não. Em última análise, eles parecem dizer que isso realmente não importa.

Todos os consultados para este artigo concordaram que esses problemas existem em algumas circunstâncias, mesmo que atualmente não sejam reconhecidos como vícios pelos manuais de classificação psicológica.

Embora possa ser difícil dizer que uma pessoa pode ser “viciada” em pornografia da forma como uma pessoa pode ser viciada em heroína, se ela estiver vendo pornografia 18 horas por dia, ou com freqüência suficiente para não passar mais tempo com seu parceiro, provavelmente há algum tipo de problema psicológico acontecendo que deve ser abordado – independentemente de como você queira definir isso.