06/11/2024 - 9:25
Retorno de republicano à Casa Branca é celebrado pelo bolsonarismo. Saída dos democratas do governo nos EUA pode ainda ter impactos na área de cooperação ambiental e gerar entraves comerciais.Nenhuma disputa eleitoral é acompanhada com tanta atenção pelo mundo como a pela Casa Branca. O cargo de presidente dos Estados Unidos tem grande poder político, econômico e militar, e suas decisões provocam efeitos muito além de suas fronteiras.
Segundo projeções divulgadas pela imprensa americana nesta quarta-feira (06/11), o republicano Donald Trump derrotou sua rival democrata Kamala Harris ao superar a marca de 270 votos no Colégio Eleitoral dos Estados Unidos. Dessa forma, o republicano será novamente presidente dos Estados Unidos.
Para o Brasil, o impacto de uma vitória de Trump deve ser significativo: fortalecimento da extrema direita, redução de financiamento e parcerias na área ambiental, entraves comerciais e pressão sobre a parceria com a China são alguns dos efeitos mencionados por especialistas ouvidos pela DW.
A vitória do republicano foi comemorada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “Contra tudo e contra todos, Donald Trump voltará à Presidência da República dos Estados Unidos da América para completar sua missão: restaurar a grandeza de sua nação, proteger os interesses de seu povo e trabalhar por um mundo mais livre e com mais paz e tranquilidade”, escreveu nas redes sociais.
O ex-presidente também publicou um vídeo em apoio a Trump dois antes das eleições. Usando um boné com o slogan da campanha do então candidato republicano, Bolsonaro chamou Trump de o “maior líder conservador da atualidade”.
De acordo com a cientista política Maria Hermínia Tavares, professora aposentada da USP e pesquisadora sênior do Cebrap, a eleição de Trump fortalece a posição da extrema direita ao redor do mundo, inclusive a do Brasil.
“Uma vitória do Trump vai diminuir ainda mais a capacidade de democracias liberais de fazerem frente a uma ascensão de regimes autoritários e de movimentos de extrema direita”, afirma. “Existe uma influência clara e uma linguagem comum nesses movimentos, e uma vitória do Trump fortalece a extrema direita no Brasil, que já é forte.”
O sucesso de Trump em 2024 trará ainda um vento de esperança para o bolsonarismo em 2026, acrescenta Roberto Goulart Menezes, professor de relações internacionais da UnB e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
“Há um vínculo claro do núcleo duro do bolsonarismo com a extrema direita dos Estados Unidos. Se ele assumir a Casa Branca, essa rede se consolida mais”, diz, citando as articulações de Eduardo Bolsonaro com o trumpismo e lembrando que ele chegou a ser cogitado por Bolsonaro para ser embaixador do Brasil no país.
Parcerias sobre mudanças climáticas
Atualmente um ponto de convergência entre os atuais governos do Brasil e dos EUA é a defesa do meio ambiente. As gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden firmaram parecerias para iniciativas climáticas, e a Casa Branca anunciou um plano de doar 500 milhões de dólares para o Fundo Amazônia ao longo de cinco anos – dos quais 53 milhões já foram transferidos.
O valor total anunciado pelos EUA é superior ao que Noruega, Alemanha e Petrobras doaram ao Fundo Amazônia ao longo de 14 anos, diz Menezes. Com Trump na Presidência, a tendência é de desmobilização dessas parcerias na área ambiental. “O Trump tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris”, lembra.
Os dois atuais governos também avançaram em negociações sobre a economia verde, buscando alinhar objetivos do Green New Deal de Biden aos do Plano de Transformação Ecológica de Lula. Até agora, porém, pouco de concreto já foi anunciado – como investimentos americanos para extrair minerais críticos.
“Para o Brasil, essa cooperação na área ambiental é muito importante tanto no que diz respeito a recursos como a parcerias técnicas e científicas”, afirma Tavares. Com a vitória de Trump, ela projeta que essas ações serão paralisadas. “O Trump não é só muito nacionalista e isolacionista, mas também negacionista do ponto de vista ambiental.”
Comércio exterior
Os EUA são o segundo maior destino das exportações brasileiras. Em 2023, o país comprou 37 bilhões de dólares do Brasil, só atrás da China, que comprou 104 bilhões de dólares no mesmo período, segundo dados do Comex Stat.
O perfil de exportação para os dois países também é diferente. Enquanto para a China predomina a venda de commodities, para os Estados Unidos também são vendidos produtos semimanufaturados ou manufaturados, diz Menezes.
Entre as dez categorias de itens mais exportados para a China, todas são commodities agrícolas ou minerais, enquanto no mesmo ranking para os EUA constam também máquinas e aparelhos, aeronaves e produtos químicos. No entanto, a relação comercial com a China é superavitária para o Brasil, e com os EUA é deficitária.
No quesito investimento direto no Brasil, os americanos lideram, com um estoque de 246,3 bilhões de dólares em 2022, cerca de um quarto do total, segundo estudo da Apex Brasil divulgado neste ano, quando as relações comerciais entre os dois países completaram 200 anos.
“Os EUA não estão implicados diretamente no processo de desindustrialização da economia brasileira, como é o caso da China”, diz Menezes. Mesmo assim, a Casa Branca não tem em vista nenhum projeto ou acordo comercial mais ambicioso para o Brasil ou a América Latina, e isso não deve mudar. “Não somos um espaço de primeira ordem para os EUA”, afirma.
No entanto, Trump prometeu na campanha aumentar linearmente em 10 pontos percentuais as tarifas de importação. Para Tavares, se o acesso de produtos brasileiros ao mercado americano for dificultado, a tendência é o Brasil desviar uma parcela ainda maior de seu comércio exterior para a Ásia.
Proximidade entre Brasil e China
Por sinal, a relação do Brasil com a China é outro ponto que pode ser foco de tensões com a vitória de Trump. Washington considera Pequim uma adversária, e vem adotando políticas comerciais e regulatórias agressivas para tentar conter a expansão da potência asiática.
Enquanto isso, a relação entre Brasil e China se aprofunda. O país se tornou o maior parceiro comercial do Brasil em 2009 e consolidou-se nessa posição. Os dois são membros do Brics, e Pequim vem tentando convencer Brasília a integrar seu programa de desenvolvimento da infraestrutura global, a Iniciativa do Cinturão e Rota.
Sob Trump, um eventual endurecimento dos EUA sobre o tema tende a empurrar o Brasil ainda mais na direção da China. “A esquerda brasileira já tem uma tradição de um certo antiamericanismo, e uma vitória do Trump vai fortalecer esses setores, que dirão: ‘vamos para o Brics, são mais importantes que outras coalizões internacionais’. Não acho que isso seja necessariamente bom”.
Menezes também avalia que um governo Trump tenderá a pressionar com mais agressividade Brasília para que repense sua relação com Pequim. Ele cita como exemplo a decisão de a Casa Branca “advertir” em outubro passado o Peru sobre a concessão de obras de infraestrutura aos chineses em seu território, das quais a joia é o novo porto ultramarino de Chancay. O porto será inaugurado em novembro com a presença do presidente chinês, Xi Jinping, que em seguida visitará o Brasil e se reunirá com Lula.