16/08/2025 - 13:37
Pleito deste domingo pode encerrar quase 20 anos de hegemonia do partido Movimento ao Socialismo. Crise econômica e polarização marcam momento decisivo da nação latino-americana.A Bolívia pode estar diante de uma grande mudança política. Neste domingo (17/08), o país realiza eleições presidenciais e legislativas em um clima que agrupa crise econômica, polarização política e desconfiança nas instituições.
Pela primeira vez em quase duas décadas, o partido Movimento ao Socialismo (MAS) encara uma possibilidade concreta de perder o poder em uma eleição, o que abriria um novo capítulo na história política do país, hoje sob o comando de Luis Arce.
Para José Luis Exeni, diretor de projetos no país da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata alemão, o atual contexto boliviano é definido por quatro palavras: crise, desconfiança, polarização e insegurança.
A inflação, a escassez de combustível, dólares e produtos básicos, juntamente com a deterioração das instituições, fazem parte de um cenário que tem gerado mal-estar entre a população, aponta ele à DW.
A desconfiança, acrescenta, atinge “todas as instituições do Estado e também da sociedade civil”. A isso se soma uma polarização que perdura desde a crise de 2019 e que agora se tornou ainda mais complexa pela implosão interna do MAS, dividido, segundo Exeni, em três grupos.
Evo Morales: de líder histórico a opositor interno
Morales renunciou à presidência em novembro de 2019, após quase 14 anos no poder, quando tentava se reeleger pela terceira vez seguida e em meio a suspeitas de fraude nas eleições ocorridas no mês anterior e à oposição das Forças Armadas.
Ele queria concorrer de novo neste ano, mas foi impedido pelo Tribunal Constitucional. Depois disso, segundo Exeni, ele primeiro “apostou em sabotar as eleições”, inclusive seu entorno falou em boicote, mas, no fim, optou por promover o voto nulo.
O ex-presidente segue confinado em seu reduto de Chapare, com processos judiciais em aberto e sem possibilidade de concorrer. Para Moira Zuazo, pesquisadora da Universidade Livre de Berlim, sua permanência como figura central está ligada ao “culto à liderança” que ele mesmo fomentou, em detrimento da pluralidade interna do MAS, o que contribuiu para afastar o partido de suas raízes democráticas.
Mesmo assim, Exeni adverte que Morales poderia continuar sendo um ator importante se o voto nulo superar os 20% nesta eleição. No entanto, se isso não acontecer, “poderemos começar a falar da insignificância” da figura de Evo.
As rusgas com o atual presidente, Luis Arce, começaram em 2021, devido a discordâncias em relação ao futuro do MAS, o que provocou um racha no partido. Mesmo impedido de concorrer no atual pleito, Morales anunciou em março a fundação de uma nova legenda, o Evo Pueblo.
O desgaste de um projeto
Moira Zuazo lembra que o MAS nasceu como resposta a dois grandes desafios: “A construção de um Estado plurinacional e a inclusão popular para acabar com cidadãos de primeira e de segunda classe”. No entanto, ela alerta que o partido “se afastou de suas raízes democráticas” e desenvolveu o chamado “culto à liderança” que reduziu o debate interno e a capacidade de renovação.
O resultado disso é uma profunda divisão que enfraqueceu o atual candidato oficial do partido, Eduardo del Castillo, e abriu espaço para figuras da oposição.
Exeni considera que a Bolívia está diante do “esgotamento do ciclo do MAS como instrumento político”. Após a eleição, ele prevê um sistema mais fragmentado, sem um partido predominante, e a necessidade de um governo de coalizão.
As pesquisas apontam o empresário Samuel Doria Medina e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga como favoritos para avançar ao segundo turno.
Ambos representam a chamada “velha política” dos anos 1990. Medina aposta em manter o Estado plurinacional e executar uma gestão focada em resolver a crise econômica. Já Quiroga propõe mudanças constitucionais e uma virada mais acentuada em direção ao liberalismo econômico.
Desafios para o próximo governo
Seja qual for o vencedor, a tarefa será hercúlea. A crise econômica exigirá medidas rápidas e de alto custo político. “Todos pressupomos que serão necessárias medidas drásticas na economia para começar a superar a crise”, afirma Exeni.
As ações podem implicar em ajustes graduais ou mais bruscos, com o risco de protestos e desgaste precoce de legitimidade.
Zuazo enfatiza que o desafio não é apenas econômico: será fundamental “reconstituir democraticamente” o espaço político, evitando repetir os erros do passado e restaurando a confiança da população.
Repercussões regionais
Uma mudança de governo na Bolívia seria um fato relevante também no mapa político latino-americano, que passaria por uma alternância pacífica após 20 anos.
Zuazo acredita que isso poderia trazer um novo fôlego ao debate sobre a esquerda na América Latina, rompendo a associação automática entre projetos progressistas e práticas autoritárias.