Em Berlim, onde participou de reuniões preparatórias para a COP29, ministra do Meio Ambiente repetiu cobrança a países ricos, ecoando discurso do governo brasileiro em prol de transição energética “justa”.A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse nesta sexta-feira (26/04) que o momento não é de focar nas discussões sobre decisões a serem tomadas para conter o aquecimento global, mas de cobrar o que já foi conversado e financiar a transição energética.

“A partir de agora, é implementar o que foi acordado. É viabilizar os recursos, os meios de implementação”, afirmou durante entrevista coletiva na embaixada do Brasil em Berlim. A ministra esteve na capital alemã para participar do Diálogo de Petersberg sobre Clima, encontro realizado desde 2010 no intervalo entre as conferências do clima das Nações Unidas.

Um dos papéis do Brasil na COP29, que acontece em novembro no Azerbaijão, será o de ir atrás da meta de financiamento dos países desenvolvidos. Os maiores emissores de gases do efeito estufa, e que detêm mais recursos financeiros e técnicos, deverão ajudar no fim do uso de combustíveis fósseis e na mitigação dos efeitos do aquecimento global em países em desenvolvimento, o que a ministra chama de “transição justa”.

Um dos entraves nas negociações é a falta de consenso sobre o quanto da meta estabelecida em 2015, de um aporte de 100 bilhões de dólares, já foi cumprida. A ministra informou que em junho a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) deverá divulgar um balanço dos pagamentos feitos pelos países desenvolvidos para conter a emergência climática.

Segundo Silva, esse valor está longe de ser o suficiente para resolver a crise climática, mas pode servir como uma especie de “catalizador” para mobilizar todos os recursos necessários, tanto públicos como privados, que “são da ordem de trilhões”. “Essa é a grande equação que teremos que resolver a partir da COP29.”

Novos aportes no Fundo Amazônia

O Fundo Amazônia, criado em 2008 para captar doações para investimentos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento no Brasil, deve chegar a até R$ 7 bilhões neste ano, afirmou Silva.

O fundo esteve paralisado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, e agora passa por uma retomada. Além de Noruega e Alemanha, os dois maiores financiadores, há entrada prevista de recursos do Reino Unido, Japão, Dinamarca e Suíça.

Segundo a ministra, os esforços para redução do desmatamento no Brasil – que no ano passado caiu 50% na Amazônia, mas subiu 43% no Cerrado – foram majoritariamente financiados pelo próprio governo. “Os recursos que recebemos de fora não é para que façamos a redução, é uma espécie de bônus pela redução alcançada.”

COP30 no Brasil

Na COP28, nos Emirados Árabes, chegou-se a um consenso de eliminar de forma progressiva os combustíveis fósseis da matriz energética e de triplicar a capacidade de energia renovável até 2030, para evitar o aquecimento global a níveis superiores a 1,5 °C. As chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), compromissos internos de cada país, devem incluir todos os setores da economia.

A COP29, deste ano, tem foco nas finanças. “Que saiamos do Azerbaijão com uma ideia robusta de implementação, de resultado, e dos meios para isso. O Brasil quer apresentar NDCs à altura do desafio que estamos atravessando com a mudança do clima”, afirmou.

A COP30 acontecerá em Belém do Pará, em 2025. Questionada sobre a incoerência de o Brasil sediar o evento e apontar para uma transição energética que elimina os combustíveis fósseis ao mesmo tempo em que o governo traça planos para ampliar a produção de petróleo, Marina Silva disse que os investimentos em energia sustentável estão aumentando, como eólica, solar, biomassa e hidrogênio verde.

Ela citou o acordo feito entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua contraparte colombiana, Gustavo Petro, em visita recente à Colômbia, em que tanto a Petrobras como a petroleira colombiana se comprometeram em fazer um grande investimento em energia renovável, em biodiesel e em hidrogênio verde.

“Veja que já é um caminho de fazer com que, progressivamente, as empresas que exploram petróleo não sejam apenas empresas de explorar petróleo, mas que se tornem gradativamernte empresas de energia.”

Taxação de super-ricos

Um dos temas que permeou as conversas da ministra durante o evento preparatório em Berlim foi a criação de uma tributação global a super-ricos, que serviria para financiar medidas contra a pobreza e as consequências da crise climática.

A proposta, apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante encontros do G20, foi bem recebida pela ministra alemã do Desenvolvimento, a social-democrata Svenja Schulze, que disse, durante o evento do qual Marina Silva participou, haver “riqueza e dinheiro suficientes no mundo” para tal medida. Já o ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, rejeitou a proposta.

“Usamos a natureza durante séculos para transformá-la em dinheiro. Agora estamos fazendo o caminho de volta, usando dinheiro para ver se a gente recupera ou preserva a natureza”, defendeu Silva.

Questionada sobre o avanço da extrema direita na Europa, que nega a crise climática, Marina Silva disse que é um fenômeno que pode comprometer “os avanços sobre o clima, sobre direitos humanos, proteção da biodiversidade, combate ao racismo, combate a formas de preconceito contra as mulheres e a população LGBTQIA+, no mundo inteiro”.

“O mundo não tem como manter o mesmo padrão de produção e de consumo do século 20. Agora temos que buscar um novo ciclo de prosperidade. E o bom é que é possível ter um novo ciclo a partir de uma nova forma de usar os recursos naturais. O grande desafio da humanidade é combater a desigualdade e fazer tudo isso protegendo as bases naturais do nosso desenvolvimento.”