No dia seguinte ao encerramento da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, duas décadas atrás, no Rio de Janeiro, a manchete da primeira página do jornal O Globo anunciava: “Eco-92 fracassou.” Estampava-se, assim, a impressão geral de que o encontro entre mandatários de todo o mundo, a chamada Cúpula da Terra, não tinha respondido às altas expectativas que pairavam sobre o evento. Vinte anos depois, entretanto, a Eco-92 é reconhecida unanimemente como evento fundador de tratados mundiais que geraram nada menos do que a Convenção do Clima (criadora do Protocolo de Kyoto), a Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21.

A menos de um mês da conferência Rio+20, que celebra os 20 anos da Eco-92, novamente o alto nível de expectativa e as mensagens alarmistas sobre um provável fracasso voltam à mídia. É bom lembrar que, apesar da ansiedade gerada pela tensão econômica mundial, a conferência não se propõe a – e não trará – soluções imediatas. A cúpula que reunirá cerca de 50 mil pessoas e quase 200 chefes de Estado e de governo é parte de um processo maior de alinhamento e convergência mundial. Seu único resultado concreto será um documento oficial de intenções políticas, O Futuro que Queremos.

“Nenhuma conferência é capaz de mudar o mundo. Mas a conferência de 1992 lançou as bases de convenções e iniciativas globais que modelam o nosso presente. Portanto, tenho certeza de que a Rio+20 não será um fracasso. Pelo contrário, já é um sucesso”, defende a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Independentemente da torcida da ministra e dos países participantes, é claro que a ausência de alguns interlocutores fundamentais, como o presidente dos EUA, Barack Obama, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e o primeiro-ministro da Reino Unido, David Cameron,  diminuirá o brilho do evento.

O equilíbrio pode estar numa ação brasileira mais como facilitador de consensos e aproximador de posições entre países avançados e em desenvolvimento, “e não, como às vezes dá a impressão de fazer, como membro militante do G77, o grupo de países em desenvolvimento, cujos demais membros, sobretudo a Índia e a Rússia, adotam posições negativas ou obstrucionistas”, ressalta o ex-ministro do Meio Ambiente Rubens Ricupero.

Líder da organização da Eco-92, o ex-ministro teme a perda de oportunidades. “Na Rio-92, o país atuou em alto nível, antes e depois da conferência, com engajamento pessoal do presidente Collor, que telefonou aos principais chefes de Estado para convencê-los a vir ao Brasil e despachou emissários para tal fim, como foi o caso do professor José Goldemberg. Para desempenhar esse tipo de ação, o Brasil precisa ser visto como mediador, como conciliador, como agente de entendimentos construtivos e consensuais, e não simplesmente como um reivindicador a mais da corrente dos países em desenvolvimento.”

Documento final

O documento final da conferência tem como objetivo apontar as diretrizes consensuais para o mundo transitar para uma economia verde e mais sustentável no contexto dos 26 temas que serão tratados. Entre esses destacam-se: erradicação da pobreza, trabalho digno, segurança alimentar, agricultura, energias renováveis, cidades sustentáveis e acesso à água.
“A agenda desse evento é muito extensa e não foi desenhada para um debate detalhado”, comenta Aron Belinky, coordenador de processos internacionais da ONG Vitae Civilis.

O embaixador Ricupero concorda que dificilmente a reunião definirá as metas quantitativas para a transição rumo à economia verde. “Mas é plausível que se dê início a um processo para, em seguida, se definir e anunciar as metas em uma cúpula da ONU”, diz. De fato, calcula-se que as determinações apontadas só sejam colocadas em prática a partir de 2015 – ano de balanço das chamadas Metas do Milênio –, prazo para montar estruturas e realizar medições que determinariam, aí sim, objetivos precisos a serem cumpridos até 2030.
Um dos debates centrais será a substituição da forma de energia que faz o mundo atual girar: os combustíveis fósseis (leia-se petróleo e carvão). O também ex-ministro do Meio Ambiente José Goldemberg, físico da USP, acredita que a cúpula pode chegar a um acordo sobre o tema. “O documento oficial deve declarar a intenção de elevar o uso de energia renovável até 2030, duplicando a rapidez com que isso vem ocorrendo e sua fração na matriz energética mundial. Além do compromisso de promover o acesso universal de modernos serviços de energia a 3 bilhões de pessoas que não dispõem deles”, resume.

Goldemberg critica o trato superficial dado à mudança climática, por se considerar que o tema já tem a sua Convenção (do Clima) e seu órgão científico de controle, o IPPC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). De fato, há motivos de sobra para se colocar o clima no centro dos debates. A emissão global de CO2 em 2010 foi 6% superior à de 2009, segundo o Departamento de Energia dos EUA, o que afasta os paí­ses das metas de redução de emissões assumidas em Copenhague (na 15a Conferência das Partes). O mundo está lançando mais e mais carbono na atmosfera e esquentando perigosamente a temperatura do planeta.

“Já ultrapassamos há muito o limite do perigo. A mais avançada ciência do nosso tempo alertou para consequências impactantes do aumento da temperatura global em mais do que 2 graus centígrados no século 21. Nós já alcançamos 2,5 graus centígrados! Há uma falha de mercado gigantesca na economia emissora de carbono. Se não fizermos mudanças no desenvolvimento, vamos esquentar 5 ou 6 graus centígrados”, alerta Sérgio Besserman Vianna, presidente do Grupo de Trabalho da Prefeitura do Rio de Janeiro para a Rio+20.
Com o ar-condicionado à toda e água na altura do pescoço, a Cúpula deve decidir sobre três novos instrumentos para desviar o mundo do perigo anunciado: uma Convenção sobre Alto-Mar e Oceano; um Conselho de Desenvolvimento Sustentável (nos moldes do Conselho de Segurança da ONU) e uma Organização Mundial do Meio Ambiente, agência especializada, com orçamento próprio, poder e autonomia, tal como a Organização Mundial do Comércio.

O surgimento dessa nova agência, entretanto, concorre com a possibilidade de reforço na estrutura do já existente Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), formado por membros voluntários e que conta com verba reduzida. Não seria melhor aprimorar o que já existe do que criar uma nova burocracia? Nas entrelinhas desse impasse, há uma discussão intensa sobre a política dos altos órgãos das Nações Unidas, que muitas vezes emperra a eficiência dos processos.

 

Cooperação internacional
Viabilizar essas e outras mudanças depende de financiamento. Para isso, o rascunho do documento oficial sugere que os países ricos se comprometam a destinar 0,7% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para a cooperação internacional às nações em desenvolvimento, assim como 0,15% a 0,20% do PIB para programas de assistência aos países mais pobres. Mas, com muitos países desenvolvidos em plena crise econômica, será difícil conseguir que eles aceitem fazer a transferência de suporte financeiro a terceiros.
Outras formas sugeridas para levantar fundos e apoiar a transição para uma economia verde são cobrar tributos sobre as movimentações do mercado financeiro e rever os subsídios direcionados ao mercado de combustíveis fósseis. O potencial de ambas as medidas é grande. De acordo com os dados do World Energy Outlook 2011, da Agência Internacional de Energia (IEA), o consumo de combustíveis fósseis foi beneficiado com US$ 409 bilhões em subsídios durante 2010 (36% a mais que em 2009), enquanto as fontes renováveis ficaram com US$ 66 bilhões no mesmo período.

O volume de dinheiro e os empregos gerados por esses dois mercados – o financeiro e o do petróleo – induzem os governantes a continuar apostando nos moldes de crescimento tradicional. Mas, como defende uma declaração recente do Pnuma, é necessário um novo paradigma “no qual a riqueza material não tenha que ser obtida à custa da escassez ecológica e de disparidades sociais. A grande oportunidade da cúpula Rio+20 será a de assentar as bases para uma maneira diferente de conceber e medir nossa economia”.

 

Novo desenvolvimento

Espera-se que o documento oficial se comprometa com a criação de um novo índice de desenvolvimento em que pesem o bem-estar social e a valoração dos ativos ambientais, um índice menos calcado em resultados financeiros como o tradicional PIB (Produto Interno Bruto), e mais consistente do que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que também pende para o lado econômico.
Para atacar outro tema crucial – a eliminação da pobreza e redução da desigualdade –, o Brasil vai aproveitar seu lugar de anfitrião a fim de reforçar uma proposta que combina o combate à extrema pobreza com o viés ambiental: um piso global de proteção socioambiental para remunerar famílias e indivíduos dedicados à proteção ou recuperação de áreas verdes, já utilizado no país.
Mas também há críticos que lamentam que o Brasil utilize a inegável redução da emissão de carbono derivada da queda da taxas de desmatamento na Amazônia (27 mil km2 em 1997 para 7 mil km2 em 2010) para compensar sua falta de esforços na implantação de uma economia mais verde e sustentável.

No tocante aos padrões de consumo, a aposta do documento poderá ser a inclusão de critérios sustentáveis nas compras públicas, apoiada pela obrigatoriedade de geração de relatório de sustentabilidade pelas grandes empresas. No Brasil, as contas públicas respondem por 20% do PIB, sendo que as federais são mais da metade do percentual, e podem fazer a diferença nas compras a pequenos agricultores e produtos certificados, para se ter um mínimo exemplo.
O risco da Rio+20 é cair na politicagem em vez de anunciar diretrizes para enfrentar as práticas insustentáveis de produção e consumo atuais. “Está lançado novamente o desafio urgente de proporcionar prosperidade para todos sem exceder os limites ecológicos”, define Aron Belinky.

Afinal, como alerta o relatório da ONG Global Footprint Network, para se manter o patamar de consumo dos 7 bilhões de pessoas que povoam o mundo atualmente seria preciso ter mais meia Terra disponível. Não é possível. O planeta tem limites.